Acórdão nº 2125/07.2TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução03 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra BB, CC – …, Ld.ª, pedindo seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre as partes, bem como a declaração da ilicitude do despedimento do Autor, com a condenação da Ré a reintegrá-lo (ou se por ela optar, a pagar-lhe a indemnização substitutiva, com a antiguidade calculada ao tempo da sentença), e ainda no pagamento dos salários vencidos – que, à data da p.i., computa em € 2.071,55 - e vincendos até trânsito em julgado da sentença, bem como a pagar-lhe as quantias de € 2.473,83, a título de diferenças salariais, € 21.041,66, relativos a férias, subsídios de férias e de Natal, € 47.780,86, referente aos períodos de descanso gozados e não remunerados, trabalho suplementar, a liquidar, e € 5.000,00, respeitante a indemnização por danos não patrimoniais, a tudo acrescendo juros moratórios contados à taxa legal.

Em síntese, invocou como fundamento da sua pretensão que: a) - Em Setembro de 2000, foi admitido ao serviço da Ré para exercer a sua actividade de arquitecto, sob as ordens, direcção e fiscalização dos seus sócios-gerentes; b) - O local e horário de trabalho foram-lhe comunicados pelos sócios-gerentes da Ré; c) - Por força da forma como executava as suas funções, no interesse e sob autoridade da Ré, é mister considerarmos estar-se perante um verdadeiro contrato de trabalho; d) - A Ré nunca lhe pagou durante os períodos em que gozou férias nem abonou qualquer subsídio de férias ou de Natal; e) - Em certo período, a Ré reduziu unilateralmente o valor-hora acordado; f) - Prestou trabalho para além do seu horário, que nunca foi remunerado com os acréscimos legais; g) - Em Outubro de 2006, a Ré, verbalmente, prescindiu dos seus serviços; h) - Ficou muito afectado com esta dispensa.

A acção prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 21 de Setembro de 2012, do seguinte modo: «Face ao exposto julgamos a presente acção parcialmente procedente, por provada em parte, e em consequência: a) declaramos terem A e R celebrado um contrato de trabalho em 4 de Setembro de 2000; b) mais declaramos ter a R despedido ilicitamente o A em 31 de Outubro de 2007; c) condenamos a R a reintegrar o A no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; d) mais condenamos a R a pagar ao A todas as retribuições, vencidas e vincendas, desde 29 de Abril de 2007 e até à data de trânsito em julgado desta sentença; e) condenamos ainda a R a pagar ao A a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; f) condenamos também a R a pagar ao A os meses de férias gozadas, os subsídios de férias e de Natal nos termos supra definidos, a liquidar em execução de sentença; g) condenamos a R a pagar ao A a quantia de € 2.473,83 a título de diferenças retributivas; h) condenamos finalmente a R a pagar ao A o trabalho suplementar, nocturno, em dias de descanso e feriados que se venha a apurar em sede de liquidação de sentença, absolvendo a R do demais peticionado.

Sobre as quantias acima referidas serão devidos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento.

Custas por A e R, na proporção do respectivo decaimento – artigo 446.º do Código de Processo Civil.

Fixamos em € 107.293,57 o valor da causa.

Registe e notifique».

Inconformados com esta decisão dela apelaram a Ré e o Autor, este subordinadamente, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer dos recursos interposto por acórdão de 26 de Junho de 2013, cujo dispositivo é do seguinte teor: «Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em 1. Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por BB, CC – …, Ld.ª, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

  1. Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AA, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

    Custas a cargo dos Apelantes.» Ainda irresignados com esta decisão, dela recorrem, agora de revista, para este Supremo Tribunal, a Ré e o Autor, integrando nas respectivas alegações as seguintes conclusões: Recurso da Ré «I. De forma a sustentar a existência de um suposto contrato de trabalho, o Recorrente juntou aos autos ("a título de parecer jurídico") um outro acórdão do Tribunal recorrido, de 31-10--2012, proferido numa acção proposta por DD, outro arquitecto ex-colaborador da Recorrente (“em situação igual à do aqui A.”), tendo o Tribunal recorrido aqui seguido o entendimento daquele seu anterior acórdão e que foi revogado por douto acórdão deste STJ que se junta, no qual precisamente foi negada natureza laboral à relação aí em crise, sendo igualmente essa a solução que se impõe no presente caso.

    1. Nesta sede, atenta a data em que a relação se constitui (Setembro de 2002), tal questão há--de ser resolvida à luz do art. 1.° da (à data vigente) LCT, não havendo designadamente lugar à aplicação das presunções estabelecidas nos subsequentes diplomas, como seja a prevista no art. 12.° do CT2003 (que apenas se aplica a relações constituídas após o início da sua vigência, em 01-12-2003); isso mesmo é assumido pelo próprio Recorrido, constituindo de resto entendimento da mais distinta jurisprudência (vide Ac. deste STJ de 22-09-2010, P. 4401/04.7TTLSB.S1, in www.dgsipt).

    2. Por outro lado, importa notar que numa acção como esta, em que se discute a existência de um suposto contrato de trabalho, recai sobre o autor o ónus de provar factos dos quais se pode concluir com segurança pela existência da subordinação jurídica típica desse contrato, sendo que se a situação for "dúbia" (o que até o Recorrido assume - vide página 87 das suas contra--alegações de apelação), a acção deve improceder, como resulta do artigo 516.° do Código de Processo Civil e também vem sendo entendido pela jurisprudência (vide Ac. deste STJ de 16-03-2005, P. 04S4754 in www.dgsipt); IV. Acresce que a exigência ao nível da prova segura e bastante deve ser particularmente elevada no caso dos autos, pois está em causa uma relação estabelecida para o exercício de uma das mais clássicas e impressivas profissões liberais (arquitecto), devendo os contratos que têm por objecto tal tipo de profissões presumir-se contratos de prestação de serviços (também neste sentido, BMJ, 437, p. 595).

    3. E no caso dos autos, à semelhança do analisado no douto acórdão deste STJ junto, a factualidade apurada é insuficiente (muito menos com a segurança que se exige!) para qualificar a relação anteriormente existente entre as partes como um contrato de trabalho.

    4. Desde logo, no início da relação, em Set-2000, o contrato foi configurado como sendo de prestação de serviços sem qualquer objecção do Recorrido (factos 2 e 33), que emitia recibos do modelo 337 do CIRS (facto 13), não estava incluído no quadro de pessoal da empresa (facto 15) e nunca recebeu férias, subsídio de férias e/ou subsídio de Natal (facto 16), também nunca tendo a Recorrente realizado descontos para a Segurança Social (facto 18), sendo que também não resulta dos autos que o Recorrido tenha alguma vez a posteriori feito algum reparo quanto à configuração ab initio dada pelas partes ao contrato, em algum momento dos cerca de 7 anos que perdurou a relação (só após a cessação).

    5. Ademais, o Recorrido tinha a possibilidade de (salvaguardadas situações de "conflito de interesses", como é normal) prestar serviços a outras pessoas ou empresas (facto 34), tinha direito a uma taxa de captação (de valor a combinar caso a caso) sobre a facturação dos clientes que viesse a captar para o atelier da Recorrente (facto 35) e (salvaguardados os prazos dos trabalhos em curso) tinha liberdade para gerir o seu tempo de trabalho, a qual efectivamente usou, entrando mais tarde, saindo mais cedo, não comparecendo durante dias inteiros, sem que algum reparo lhe tivesse sido feito ou alguma consequência dai tivesse resultado, para além de não receber as horas correspondentes (facto 36).

    6. Mais se note que, contrariamente ao que acontecia no caso abordado no douto acórdão deste STJ junto, o Recorrido nem tão-pouco auferia uma quantia fixa mensal: era remunerado (como também é típico dos contratos de prestação de serviços) em função das horas de serviços efectivamente prestadas (facto 3), avultando da matéria provada significativas "oscilações" nos valores auferidos nos diversos meses, desde os € 362,88 auferidos em Maio de 2002 aos € 1.565,50 em Novembro de 2005 (facto 22), reflexo precisamente das diferentes horas trabalhadas pelo Recorrido nos diversos meses, as quais, como se disse, o próprio geria.

    7. Assim, as próprias partes configuraram o contrato como sendo de prestação de serviços, sem qualquer objecção do Recorrido, apresentando de facto a relação características típicas do exercício da profissão de arquitecto em regime liberal, tendo o Tribunal Recorrido, aliás à semelhança do que fez no seu acórdão de 31-10-2012, valorizado de forma excessiva e/ou desenquadrada a restante factualidade, em particular os pontos 4 a 11, 19 e 20, que contrariamente ao que se sustenta no acórdão recorrido, não são indícios suficientemente fortes e seguros de que existiu uma relação de trabalho subordinado.

    8. Desde logo, importa salientar que dessa factualidade simplesmente não resultam quaisquer elementos que apontem no sentido de que o Recorrido se encontrava verdadeiramente sujeito a ordens e instruções na execução da sua actividade, em moldes susceptíveis de colocar em causa a sua autonomia enquanto arquitecto independente.

    9. Nesta sede, contrariamente ao que sustenta o Tribunal a quo, os factos 6, 7, 19 e 20 claramente não são suficientes para se afirmar existir verdadeira sujeição a ordens e instruções no desempenho da actividade: a circunstância de o Recorrido não intervir na contratação dos projectos nada demonstra a esse respeito (mesmo não intervindo na contratação podia obviamente o...

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