Acórdão nº 472/12.0JABRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução25 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1.

O arguido AA, nascido em ... na freguesia de ... – ..., filho de ... e de ..., ..., ..., residente na Rua ..., respondeu, perante o Tribunal Colectivo do 1º Juízo Criminal de Barcelos, acusado da autoria material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea e), do CPenal.

A final, foi condenado, além do mais, sem interesse directo para o recurso, na pena de 16 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio do artº 131º do CPenal, agravado nos termos do nº 3 do artº 86º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (acórdão de 05.11.2013, fls. 595 e segs.).

1.2.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, pelo acórdão de 03.03.2014, de fls. 723 e segs., concedeu parcial provimento ao recurso e condenou o Arguido, pela prática do referido crime, na pena de 14 anos de prisão.

1.3.

Ainda inconformado, interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação encerrou com as seguintes conclusões: «1.

Por acórdão datado de 03.03.2014 proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães foi concedido provimento parcial ao recurso interposto pelo Arguido, e em consequência, foi a pena aplicada ao mesmo, reduzida para 14 anos de prisão.

2.

No caso sub judice verifica-se a situação prevista no art.º 410º nº 2, al. a) do CPP, ou seja, o erro notório na apreciação da prova.

3.

Do relatório elaborado pela Polícia Judiciária resultam informações que deveriam figurar na lista de factos assentes: a diferença de alturas entre o Arguido e a Vítima (a Vítima era 11cm mais alta do que o Arguido) e a posição do corpo da Vítima após o disparo (decúbito lateral com a perna esquerda estendida e a direita fletida).

4.

A inclusão de tais factos na lista de factos assentes, e que são dados objetivos que figuram em documentação oficial (caso da diferença de alturas entre a Vítima e o Arguido) e estão documentadas através de registos fotográficos que estão juntos aos presentes autos, implicará necessariamente, que dele tenham que ser extraídos os factos nela inscritos sob o nº 3 e 10.

5.

Na discrepância de alturas entre a Vítima e o Arguido, o local e as circunstâncias do orifício da entrada do projétil, a curta distância a que foi efetuado o disparo e as dimensões da arma permitem concluir que a arma, no momento em que foi efetuado o disparo não se encontrava em ponto de mira, antes numa posição quase vertical.

6.

Caso se proceda à alteração da matéria de facto dada como assente, deve igualmente proceder-se à qualificação jurídica dos factos cuja autoria é imputada ao Arguido, devendo a sua conduta ser reconduzida à figura do crime de homicídio negligente (art.º 133º do CP).

7.

A análise conjunta do relatório da Polícia Judiciária, dos exames psiquiátricos e psicológicos e as declarações do Arguido permitem inferir que o mesmo agiu movido pelo medo sentido quando se apercebeu que a conversa com a Vítima subia de tom e este se aproximava do Arguido com o intuito, no seu entender de lhe tirar a arma.

8.

A considerar-se que a decisão ora em crise não enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, ainda assim as exigências de prevenção geral e especial, no caso concreto, são de molde a justificar uma maior redução da pena para um número de anos próximo do limite mínimo da moldura penal abstrata.

9.

A circunstância de o Arguido não ter antecedentes criminais, ser socialmente descrito como um indivíduo calmo, não agressivo, sociável, educado, de fácil relacionamento interpessoal e de agradável convívio social, permitem concluir que os factos a que se reportam os presentes autos que se tratou de um infeliz acontecimento com trágicas consequências, num percurso de vida de alguém que, até então, sempre pautou a sua vida pelo respeito pelas normas jurídicas e de convivência social, e justificam uma redução da pena a aplicar ao Arguido.

10.

Também o facto de o Arguido ter sofrido um AVC, o que lhe causou algumas limitações, na sua mobilidade e o tornaram fisicamente mais débil, aliada da circunstância de o Arguido ter tipo problemas com a ingestão de bebidas alcoólicas, que lhe provocaram dificuldades de discernimento e alguma distorção na perceção/avaliação das situações justificam igualmente que a pena a aplicar ao Arguido seja fixada no limite mínimo da moldura penal abstrata para o ilícito cuja autoria é imputada ao Arguido.

11.

Atento o teor do relatório psicológico e social, bem como a matéria de facto dada como assente, designadamente no ponto 14, deve o Arguido ser restituído à liberdade e aguardar o despacho dos presentes autos sujeito a uma medida de coação menos gravosa, designadamente a permanência na habitação (art.º 201º CPP) com eventual recurso ao uso de pulseira eletrónica.

Termos em que deve a decisão ora em crise ser revogada…».

1.4. Respondeu a Senhora Procuradora-geral Adjunta que alegou, além do mais, que: «12º Aquilo a que o arguido/recorrente apelida de erro notório na apreciação da prova não é mais do que a sua discordância quanto ao modo como o Tribunal formou a sua livre convicção, que é necessariamente diferente daquela que o arguido formou, sendo certo, no entanto, que essa diferente forma de formação da convicção não corresponde à existência que qualquer vício e muito menos o por si invocado» e que «13º O douto acórdão recorrido, ao contrário do que o arguido/recorrente pretende, não merece qualquer censura, como não merece censura a pena de 14 anos em que foi condenado, pela prática do crime de homicídio do seu cunhado BB, daí que entendamos que deve ser o douto acórdão recorrido confirmado e, consequentemente, negado provimento ao recurso interposto pelo arguido».

1.5.

A resposta da Assistente foi também no sentido do não provimento do recurso, designadamente porque: «8. O arguido é imputável e os problemas cognitivos nunca lhe retiraram o essencial da capacidade de avaliação ética dos atos ilícitos praticados pelo que, atenta a moldura penal abstrata da infração praticada, foi o tribunal recorrido muito benevolente ao reduzir para catorze (14) anos a pena de prisão aplicada, atentas [as] necessidades de prevenção geral e especial e o grau culpa concreta com que o mesmo atuou; 9. … considerados todos os fatos enunciados e os demais veiculados nos autos, não se compreende porque ousa o recorrente reconduzir a sua conduta à prática do crime de homicídio negligente; 10. Inexistem dúvidas para a assistente de que o recorrente tanto nos atos preparatórios como na consumação do crime, agiu determinado a retirar a vida do BB, como havia dito antes, previu e consumou: 11 Em sede de julgamento ficou claro, para a assistente, ter sido esta a conduta efetivamente gizada e concretizada pelo recorrente que com ela se conformou, abandonado a vítima naquela situação inelutável e nunca a procurou socorrer, o que não aconteceria se de acidente se tratasse.

12. Destarte, resulta extrema frieza e desprezo pela vítima e a vida humana, sendo justo e merecedor de especial censura».

1.6.

O Senhor Desembargador-relator não recebeu o recurso na parte em que o Arguido questionou a medida de coacção a que ficou sujeito (cfr. conclusão 11., acima transcrita).

Mas recebeu-o, quanto ao mais, nos termos e com o efeito legais (despacho de fls. 793).

1.7.

Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 817 e segs. em que sustentou: a – quanto ao alegado erro notório na apreciação da prova, que, independentemente de não o ter detectado, o recurso deve ser rejeitado, por se tratar de questão relativa à matéria de facto e, como tal, definitivamente resolvida pelo Tribunal da Relação; b – quanto à medida da pena, que o Tribunal a quo ponderou correctamente os factores determinantes da medida da pena, «nada existindo que justifique maior redução desta», porquanto, «a ausência de antecedentes criminais não poderá ser valorada com particular significado posto que é suposto ser a situação normal de um cidadão fiel ao direito.

Também os problemas com o álcool, contrariamente ao que defende, não têm como efeito necessário uma menor culpa. Não se tratando de um ocasional ou episódico estado de embriaguez, mas sim «do abuso reiterado de álcool durante anos», tais circunstâncias justificam, até, uma agravação da culpa e, consequentemente da pena.

… o arguido “confessou parcialmente os factos…, fazendo-o, porém, de forma mitigada e autodesculpabilizante”, e, no presente recurso persiste na alternativa de se ter tratado de acidente, ou ter agido por medo».

Por isso que se lhe afigura que, «na ponderação global de todas estas circunstâncias, … a pena fixada acata os critérios fixados no art. 77.º do Cód. Penal, sendo ainda adequada à personalidade do agente, acautelando as exigências de prevenção geral, muito elevadas, e especial de socialização, de menor grau». De resto, prossegue, «como tem vindo a ser decidido nesta Alta Instância, situando-se a quantificação da pena dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Ac STJ de 29.04.04, proc. n.º 1394.04 5ª[1]), o que não acontece no caso».

E, assim, conclui, pelo não provimento deste segmento do recurso.

1.8.

Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Recorrente nada disse.

2.

É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto, tal como fixada pelo Tribunal da Relação que, aliás, manteve inalterado o julgamento do Tribunal da 1ª Instância (cfr. fls. 753): «Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): – Da pronúncia: 1. No dia 6 de Setembro de 2012, entre as 09H30 e as 09H45, o arguido, que também é conhecido pela alcunha “Asa”, dirigiu-se ao campo agrícola designado por “Campo da Bouça”, sito no Lugar do Limite...

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