Acórdão nº 420/06.7TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução01 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA, médica, intentou a presente ação, na forma de processo comum, contra BB, SA, pedindo que esta seja condenada a: - Reconhecer o direito da A. à não prestação de trabalho suplementar e trabalho noturno, por padecer de doença crónica; - A pagar à A. uma indemnização, por danos morais, no valor de € 125.000,00, acrescida de juros de mora, a partir da data da citação. Para tanto, alega, em síntese: A R. tudo fez para criar o máximo de obstáculos à pretensão da A. em deixar de integrar as escalas das urgências (por motivos de saúde e conforme recomendação médica), mesmo depois de ter sido decretada providência cautelar nesse sentido; para além disso, assumiu outros comportamentos de pressão, “perseguição e achincalhamento”, tratando-a desigualmente em relação a colegas de idêntica categoria profissional, com o intuito de obter o seu afastamento das funções que sempre exerceu ou que a mesma acabasse por aceitar a conversão do seu contrato num de prestação de serviços; estes factos causaram-lhe instabilidade psicológica e emocional, ansiedade e depressão, tendo deixado de produzir trabalhos científicos e participar em jornadas e congressos médicos.

  2. A R. contestou, por impugnação, embora, posteriormente, tenha confessado o primeiro dos pedidos formulados pela A. (não voltar a prestar trabalho suplementar e noturno).

  3. Quanto ao segundo pedido, foi o mesmo julgado parcialmente procedente na 1.ª Instância (a R. foi condenada a pagar à A. a quantia de € 45.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora).

  4. A. ré apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, julgando parcialmente procedente a apelação, reduzido a indemnização para € 10.000,00.

  5. A autora interpôs recurso de revista.

  6. A R. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.

  7. O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

  8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:[2] - Se está demonstrada uma conduta discriminatória da R. em relação à A. e, na afirmativa, se ela é enquadrável na figura do assédio moral; - Se os factos provados impõem que a indemnização seja fixada no montante arbitrado na 1.ª instância.

    Cumpre decidir.

    II.

  9. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:

    1. A A. é licenciada em medicina (…).

    2. A A. foi contratada pela CC, em 2 de Abril de 1980, para exercer funções, na qualidade de médica, no "sector de transplantação renal".

    3. Desde então, e até à data, a A. tem exercido a sua actividade profissional, como Médica Especialista em Medicina Interna, a tempo parcial, na Unidade de Transplante Renal (UTR) do Hospital da CC.

      (…) E) Pelo menos desde Agosto de 1998, a Autora presta a sua actividade da parte da tarde, durante todos os dias da semana com excepção da terça-feira.

    4. A A. tem vindo a prestar trabalho para além do período estipulado, designadamente nas escalas de urgência que a ré organiza para os serviços do hospital.

    5. O trabalho suplementar e nocturno realizado pela Autora em escalas de urgência e fins-de-semana era remunerado separadamente como abonos variáveis.

    6. A A. foi escalada, por ordem do conselho de administração, para os dias 21 de Abril (24 horas), para os dias 29 e 30 de Abril (48 h consecutivas), nos dias 5, 12 e 19 de Maio, nos dias 2, 9, 11, 16, 23 e 30 de Junho, nos dias 14, 21,24, 28 e 30 no mês de Julho e nos dias 4, 24, 25, 26 e 27 do mês de Agosto (72 horas consecutivas) – cfr. Abril 2005 (fls. 126 e 337 PC); Maio 2005 (fls. 127 e 338 PC); Junho 2005 (fls. 128 e 339 PC); Julho 2005 (fls. 129 e 340 PC); Agosto 2005 (fls. 61, 130 e 341 PC).

    7. Foi remetida carta de citação, com a decisão de exclusão da A. das escalas de urgência para o estabelecimento, de fls. 66 da providência cautelar (PC), de 12.08.2005, em nome de “Hospital da CC”, R. .., em Lisboa, conforme A/R assinado a fls. 75 da PC, tendo a Ré, por requerimento entrado em a 30.08.2005, a fls. 86 da PC, invocado a sua falta de citação, e deduzido, à cautela, oposição, conforme fls. 86 da PC. Na audiência final da providência cautelar de 13.09.2005, a fls. 193 da PC, foi a A. convidada a sanar a falta de personalidade da Ré apresentando novo Requerimento Inicial, o que veio fazer a fls. 195 da PC, a 19.09.2005, tendo a Ré invocado novamente a sua falta de citação (fls. 242 da PC), incidente que veio a ser julgado procedente por despacho de fls. 248 da PC, de 11.10.2005, apresentando a Ré nova oposição a 25.10.2005, a fls. 299 da PC. A A. foi escalada para a urgência nos dias 22, 24 e 29 de Setembro de 2005 (fls. 217 PC) e para os dias 06, 14, 20, 27 e 29 de Outubro de 2005 (fls. 257 e 261 PC).

    8. Na sequência de 11 sessões da audiência final da providência cautelar apensa foi proferida decisão, a 21.12.2005, confirmando a decisão cautelar de exclusão da A. das escalas de urgência proferida a 12.08.2005 antes de exercido o contraditório (fls. 505 e 529 da PC).

    9. Por comunicação do Director Cínico do Hospital da Ré, de 02.01.2006, foi deliberado incluir a A. nas escalas de urgência da UTR em regime de chamada (fls. 566 da PC), o que veio a acontecer, escalando-se a A. para os dias 12, 19 e 26 de Janeiro de 2006 (cfr. fls. 571 da PC).

    10. Vários médicos que trabalhavam para a UTR deixaram de ser integrados nas escalas de urgência, como foi por exemplo o caso da Dra. DD e da Dr.ª EE.

    11. A A., com conhecimento da coordenadora da UTR, preparou um trabalho científico com alguns dados recolhidos no desempenho no âmbito das funções por si desempenhadas na UTR, dados esses que seriam apresentados num Congresso Internacional, marcado para os dias 1 a 8 de Julho de 2005.

    12. Pela primeira vez em mais de vinte e cinco anos de trabalho no Hospital foi exigido à A. que preenchesse uma "Comunicação de Licença", situação essa que até à altura, e pese embora a existência de uma circular que determinasse esse preenchimento, nunca lhe tinha sido antes exigida.

    13. A. A. preencheu tal comunicação a pedir a autorização em 15 de Junho de 2005, e apenas em 29 de Junho de 2005, véspera da partida para o estrangeiro, para … – …, lhe foi dado a conhecer o despacho que lhe impunha ou licença sem vencimento ou inclusão dos dias em período de férias (cfr. certificado de participação de fls. 505 destes autos e documentos de fls. 53 a 59 da PC – docs. 22 a 25 do RI da PC).

    14. Até Junho de 2005, no que diz respeito aos médicos com vínculo laboral, as idas a congresso eram feitas sem que fosse feito qualquer desconto no vencimento ou em dias de férias e quanto aos demais, em regime de avença, sem qualquer alteração desta.

    15. A Ré decidiu fazer regressar a A. ao serviço de Consulta Ambulatória, sem esclarecer a A. dos critérios de distribuição das consultas e sem atender às pretensões da A. que pretendia ficar com as consultas que eram da Dr.ª FF, não procurando a Ré um consenso entre as pretensões da A. e as necessidades da Ré, conforme constitui prática uniforme quer no sector quer no Hospital CC.

    16. A A. já havia manifestado junto dos colegas da UTR que as consultas do ambulatório eram menos adequadas ao seu perfil profissional.

    17. As consultas de rotina a doentes pós-transplantados (ou consultas de ambulatório) são dadas noutro local que não o piso de internamento (o que necessariamente determina um maior alheamento da realidade do internamento), sendo que neste piso apenas têm lugar o acompanhamento dos doentes internados consultas dos doentes urgentes, das situações com patologias mais complicadas e imbricadas e/ou que precisam de um acompanhamento mais frequente ou demorado, diferenciado ou abrangente.

    18. A A. desde a fundação da UTR e durante 8 anos, realizou as chamadas consultas de ambulatório, consultas essas que deixou de fazer pelo menos desde 1997 já que em virtude da experiência adquirida e da mais valia que a sua presença constituía no piso de internamento havia vantagem na sua dedicação exclusiva aos doentes internados, aos doentes que tinham episódios de urgência e aos doentes que dada a sua complexidade necessitavam de cuidados clínicos mais diferenciados e seguimento clínico...

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