Acórdão nº 2911/09.9TDLSB-A.E1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução26 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo dos arts. 437º e ss. do Código de Processo Penal (CPP), do acórdão daquele tribunal proferido em 26.2.2013, no processo principal, por se encontrar em oposição sobre a mesma questão de direito com o acórdão da mesma Relação de 27.9.2011, proferido no proc. nº 380/08.0TABJA-A.E1.

Por acórdão deste Supremo Tribunal de 2.12.2013, proferido em conferência, nos termos do art. 441º, nº 1, do CPP, foi julgada verificada a oposição de julgados, e ordenado o prosseguimento dos autos para fixação de jurisprudência.

Cumprido o disposto no art. 442º, nº 1, do CPP, apenas o Ministério Público apresentou alegações, que se transcrevem: 1- Da oposição de julgados.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos em epígrafe, de 2/12/13, decidiu verificada a oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, ordenando o prosseguimento do recurso, nos termos e para os efeitos do artº 441º, nº 1 do CPP.

A mesma questão de direito que assentou em soluções opostas centra-se na problemática de saber se, estando o acusado ausente no estrangeiro, declarado contumaz nos autos, conhecida que for a sua residência, a prestação de TIR, levada a cabo através de carta rogatória remetida às autoridades judiciárias competentes, faz caducar a sua situação de contumácia no processo em causa.

O acórdão recorrido, transitado em julgado a 3/4/13, decidiu positivamente, ou seja, pela legitimidade, validade e eficácia da expedição e cumprimento da carta rogatória para prestação de TIR, tendo em vista a cessação da situação processual de contumácia do arguido acusado.

Em contrapartida, o Acórdão da mesma Relação de Évora, transitado em julgado em 24/10/11, indicado como Acórdão Fundamento, proferido no processo 380/08.0TABJA-A.E1, decidiu negativamente, ou seja, a prestação de TIR efetuada por carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias estrangeiras competentes, não constitui apresentação válida, nos termos do artº 336º, nº 1 do CPP, não tendo, por consequência, a virtualidade de fazer cessar a declaração de contumácia (…). Cfr. exposição do M.P. no Tribunal recorrido.

II.1 A argumentação do Acórdão Fundamento.

O Acórdão fundamento apresenta em abono da sua tese, a consideração de que “a contumácia é a situação processual de suspensão dos termos de um processo-crime, por ausência do arguido, e que conduz a que se imponha, ao declarado contumaz, um conjunto de medidas que, por lhe dificultarem a vida, se consideram adequadas a persuadi-lo a comparecer”. Fazendo apelo às anotações ao artº 337º do CPP, Comentário e Notas Práticas dos Magistrados do Ministério Público, do Distrito Judicial do Porto”, o referido Aresto regista os efeitos processuais necessários da contumácia, dos quais nos permitimos realçar, a imediata passagem de mandados de detenção para que o contumaz seja detido e apresentado em tribunal a fim de lhe ser tomado termo de identidade e residência (…)”, bem como “ser notificado do despacho que recebeu a acusação”. (sublinhado nosso). Mais adiante, concluindo o seu raciocínio, o mesmo Acórdão afirma que “a suspensão do processo que resulta da declaração de contumácia só termina com a apresentação ou detenção do arguido”, pelo que, sem a presença do arguido, o processo não pode prosseguir para a fase de julgamento. Ou seja, “o atual regime da contumácia assenta na ideia da inconveniência do julgamento na ausência do arguido”, sem prejuízo, porém, de “a suspensão dos termos ulteriores do processo não implicar que não deva diligenciar-se pela localização do arguido contumaz e pela realização de todos os actos susceptíveis de porem termos à situação de contumácia e, portanto, de permitirem a realização dos termos ulteriores do processo”. No mesmo sentido, cita os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 12/5/08, processo nº 0745380, e de 23/1/08, proc. 0745416.

Após deixar registado que a tramitação do processo com vista à localização do arguido não viola o disposto no nº 3, do artº 335º do CPP, o acórdão ora em análise sustenta que outra questão é a da possibilidade de prestação de TIR pelo arguido, através da cooperação judiciária internacional em matéria penal equivaler à apresentação do arguido que conduz à caducidade da declaração de contumácia, de acordo com o disposto no artº 336º, nº 1 do CPP. E decide negativamente. Porque, explica, “assente que a tramitação do processo com vista à localização do arguido não viola o disposto no nº 3, do artº 333º, do Código Processo Penal, convém lembrar que a questão suscitada (…) não é a da possibilidade de prestação de termo de identidade e residência através de instrumentos de cooperação judiciária em matéria penal, mas a de saber se tal diligência equivale à apresentação do arguido que conduz à caducidade da declaração de contumácia, (…).

“Equacionar a questão de outra forma – limitando-a à da possibilidade da prestação de termo de identidade e residência através de instrumento de cooperação judiciária em matéria penal – seria permitir a prática de actos não consentidos pela suspensão do processo a que a declaração de contumácia obriga” (…) (fls. 20).

“O Instituto da contumácia surge como uma das marcas distintivas do Código de Processo Penal de 1987. Tornou-se inútil com a reforma desse diploma legal de 1998. E “renasceu” com a reforma do Código de Processo Penal”. (fls. 20) Da natureza residual que o Acórdão ora sub judice atribui hoje à declaração de contumácia, atribui-lhe, entre outros, o efeito de só abranger os arguidos que, por não terem prestado termo de identidade e residência, desconhecem a pendência de um processo que prosseguiu nos termos do nº 5, do artº 283º do CPP e só poder ser utilizado por uma vez, em relação a cada arguido. O disposto no artº 336º, nº 3 do CPP, impõe que o arguido contumaz se apresente ou seja detido, para além de ser sujeito a termo de identidade e residência, ser notificado da acusação e da possibilidade de requerer a abertura da instrução no prazo a que se refere o artº 287º do CPP (cfr. fls. 20).

Daí que, decide o Acórdão fundamento, “rejeitarmos a ideia de que o nº 3 do artº 336º do CPP, não contemple as situações em que o arguido está ausente em morada conhecida no estrangeiro, nem aqueles em que o mesmo, apesar de ter prestado termo de identidade e residência não foi notificado da data designada para julgamento por ausência de depósito da notificação postal simples. E que, por isso, as normas do nº 1 e do nº 2 do mencionado preceito legal devem ser interpretadas restritivamente – considerando-se que a contumácia cessará com a prestação de termo de identidade e residência pelo arguido, mesmo que tal prestação não ocorra na sequência da detenção ou apresentação do arguido em juízo (…) nesta última situação, deve o arguido considerar-se regularmente notificado e os autos terão que prosseguir para realização da audiência de julgamento desde que as cartas contendo a notificação tenham sido remetidas para a residência que indica no termo de identidade e residência prestado ou que atualizou (…)” No que tange ao arguido declarado contumaz “foram-lhe impostas medidas que visam fazê-lo comparecer em tribunal e interessar-se pela resolução de processo-crime (…), acrescendo que o arguido declarado contumaz que se apresente ou seja detido, para além de ser sujeito a termo de identidade e residência, deve ser notificado da acusação e da possibilidade de requer a abertura de instrução no prazo a que se refere o artº 287º, do CPP. Juridicamente, a contumácia não é a “grande teimosia” ou a “recusa obstruída” de comparecer em Juízo. E por assim ser, as garantias de defesa que se reconhecem do arguido em processo crime não consentem que se façam operar todas as consequências decorrentes da prestação do termo de identidade e residência a alguém que desconhece a pendência de um processo crime em que figure como arguido e onde já se encontra acusado (…)”. Invocando um último argumento em defesa da sua tese, o Acórdão fundamento afirma que, a acatar solução oposta, tal “provocaria também, que voltasse a correr o termo prescricional que com ela se interrompeu e suspendeu a que não são aplicáveis os prazos máximos da suspensão e o alargado de prescrição. Ora, não estando efetuada a notificação do arguido para julgamento, nem garantida a sua realização – podendo ocorrer situação de não notificação da data para julgamento por ausência de depósito da notificação postal simples, já não será possível declará-lo novamente contumaz nem proceder ao seu julgamento, com a prazo de prescrição a correr”.

Pelas razões que sinteticamente acabamos de expor, o Acórdão fundamento decidiu que “A prestação de termo de identidade e residência, ainda que concretizado por carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias competentes (…), não constitui apresentação válida, nos termos do artº 336º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Assim sendo, não teria a virtualidade de fazer cessar a declaração de contumácia (…)”.

Neste mesmo sentido, decidiram ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 26/3/08, proc. 0840057 e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/12/2006, proc. 44/94.0TACBR-A.S1.

Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a fundamentação e decisão do Acórdão fundamento não procede, não lhe cabe razão, pelo que a solução para a questão de direito sub judice deve ser julgada em conformidade com a decisão prosseguida pelo Acórdão recorrido e respectiva motivação. Com efeito, III- A Decisão recorrida A fundamentação desenvolvida no Acórdão recorrido, clara e pormenorizada, ponderando cuidadosamente os fins tidos em vista pelo legislador com a introdução dos institutos jurídicos da prestação do termo de identidade e residência e da declaração de contumácia é quase exaustiva na análise e...

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