Acórdão nº 15/10.0JAGRD.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução26 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Publico no Tribunal da Relação de Évora veio interpor recurso da decisão que absolveu os arguidos AA, BB, CC, DD e EE da prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que lhes é imputado nos presentes autos; revogou a declaração de perdimento a favor do Estado dos telemóveis e cartões telefónicos, do dinheiro, do veículo pesado de mercadorias semi-reboque e galera apreendidos nos autos e ordenou a imediata restituição dos Arguidos à liberdade, emitindo-se os respectivos mandados.

No julgamento de primeira instância tinha sido proferida decisão em que o Arguido AA foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; o Arguido BB foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; o Arguido CC foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; o Arguido EE foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;) o Arguido DD foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. Recorre-se do acórdão de fls. 5465 a 5558 que decidiu declarar nulo, por falta de fundamentação, o despacho judicial que autorizou a utilização das escutas telefónicas efetuadas e que tal nulidade afetou a prova assim obtida e produzida, considerando-a prova proibida, por alusão ao disposto nos artigos 190° e 126º do CPP.

  1. Nesse acordão concluiu-se que, quem proferiu o despacho a autorizar as escutas, não indicou nem avaliou qualquer elemento probatório que lhe permitisse afirmar a investigação de factos suscetíveis de integrarem a prática de crime de tráfico de estupefacientes, nem, tão pouco, avaliou qualquer circunstância da investigação em curso em que pudesse alicerçar a conclusão da indispensabilidade ou assinalável necessidade para a descoberta da verdade do meio de obtenção de prova que autorizou.

  2. Considerou ainda que “ toda a prova em que o Tribunal “ a quo" fundamentou a decisão recorrida se encontra afetada pela declaração de nulidade das primeiras escutas telefónicas ordenadas, não podendo, por isso, ser utilizada" e, por conseguinte, alterando a matéria de fato provada, absolveu os arguidos da prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

  3. É certo que as decisões - à exceção das de mero expediente - são sempre fundamentadas, nos termos do estatuído no artigo 97°, nº 5 do CPP, sendo o dever de fundamentação uma exigência decorrente da Constituição e da Lei já que, assegurando o processo penal todas as garantias de defesa, nos termos do artigo 32°, nº1 da CRP, somente, explicando e tornando cognoscíveis as razões que levaram à prolação de um determinado despacho judicial é possível aos seus destinatários o exercício dos consagrados direitos de defesa.

  4. Não se pode é cair no exagero de que a motivação do despacho, ora em análise, seja tão completa como se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, pois, a ser assim, ficaria deslegitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação.

  5. Chegar a tais níveis de exigência levaria precisamente à desnecessidade da medida, pois uma tão radical exigência suporia nada mais nada menos que a existência de indícios suficientes de criminalidade que tornariam supérflua a investigação.

  6. Imprescindível é que a motivação permita ao arguido ou suspeito conhecer porque se autorizou a intromissão na sua intimidade e, com base em tal compreensão, decidir se impugna ou não a mesma; é a cognoscibilidade do raciocínio e do juízo de ponderação que levam o órgão judicial a decidir-se pelo sacrifício do direito fundamental o que se procura, em definitivo, com a exigência da motivação das resoluções judiciais.

  7. O despacho judicial em causa mostra-se devidamente fundamentado; estriba-se no acerbo indiciário do relatório policiai que evidencia as características do tráfico ali descrito (onde se identifica a atividade delituosa, os seus agentes-suspeitos - e o número de telefone utilizado por um deles), de modo a considerar que, dadas as características do tráfico ali descrito, nomeadamente o recurso ao contacto telefónico para a sua concretização, mostrando-se as escutas telefónicas indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo a prova, de outra forma, impossível de obter".

  8. Na verdade, a complexidade da atividade ilícita investigada quer quanto à dispersão geográfica quer à diversidade de nacionalidade dos suspeitos envolvidos, crê-se que tais circunstâncias tornavam absolutamente desaconselhável qualquer outro tipo de investigação (vg. outras vigilâncias), que poderiam colocar de sobreaviso os investigados, fazendo perigar irremediavelmente toda e qualquer possibilidade de êxito investigatório.

  9. Trata-se de uma interpretação, ao contrário do que é afirmado no acórdão recorrido, com eco nos doutos acordãos supra citados, e que respeita os acima aludidos princípios constitucionais: o da proporcionalidade, uma vez que está em causa a investigação do crime de tráfico de estupefacientes especialmente grave, existindo o convencimento de que as escutas poderão contribuir decisivamente para atingir a verdade material; 11. Idêntica conclusão se extrai relativamente ao princípio da adequação, uma vez que as escutas se mostram adequadas ao fim que determinou a sua realização, ou seja, a investigação de um crime de catálogo e com características concretas especialmente graves - donde decorre que, caso as escutas não lograssem atingir o escopo que determinou a sua realização, sempre as mesmas trariam mais benefícios / vantagens para a descoberta da verdade do que os prejuízos para os direitos fundamentais dos visados.

  10. Por último, como vimos supra, as escutas mostravam-se imprescindíveis já que qualquer outro melo de obtenção de prova seria absolutamente ineficaz para conseguir os resultados probatórios almejados, não se vislumbrando que fosse, em termos investigatórios, eficazmente possível o recurso a meios menos intrusivos para a esfera jurídica dos visados".

    13. Daqui se poderá extrair já a conclusão parcial de que se não está perante uma falta absoluta de fundamentação e que aquele despacho respeitou os requisitos e condições do artigo 187º do CPP.

  11. A suficiência ou não da fundamentação depende de se poder considerar preenchida a sua razão de ser (os intervenientes, e sobretudo os sujeitos processuais, não podem ter, razoavelmente, dúvidas de que o juiz exerceu o controle que lhe é pedido sobre a admissibilidade das escutas ou da sua transferência).

  12. Por outro lado, a decisão do juiz pode estar certa ou errada na apreciação que faz da situação, mas, depois de proferida tal decisão, tem que ficar sempre salvaguardada a possibilidade de os sujeitos processuais (especialmente o arguido) a ela poderem reagir.

  13. Não oferece dúvidas que os arguidos foram informados da existência das escutas, logo aquando dos interrogatórios como arguidos e, quando tiveram acesso aos autos, desaparecido o segredo de justiça “ interno", puderam ler as transcrições das escutas, de tal modo que requereram a instrução a partir do conhecimento dessas escutas; o tema foi versado em sede de contestação; os arguidos recorreram da decisão de primeira instância, rejeitando a possibilidade de o tribunal formar uma convicção tendo .em conta o apoio das escutas.

  14. A produção do despacho posto em crise surge numa sequência e está contextualizada, não sendo legítimo, no presente caso, presumir que o juiz produziu uma decisão arbitrária porque à revelia de toda a informação que os autos já lhe forneciam.

  15. Admitindo, sem conceder, que o despacho que ordenou as escutas está suficientemente fundamentado, teria como efeito a sua irregularidade, nos termos do artigo 118°, nº 2 e 123º do CPP, mas nunca efeitos ao nível da validade da prova.

  16. A prova assim obtida não é suscetível de ser considerada proibida, nos termos do artigo 126°, nº 3 do CPP, pelo que foram indevidamente violadas, por erro de interpretação as normas dos artigos 97°, nº 7, 187° a 190° do CPP.

  17. A cominação de nulidade prevista no artigo 190º do CPP destina-se à preterição dos requisitos e condições estabelecidas nos artigos 187º a 189 do CPP não se estendendo à falta de fundamentação do despacho que autoriza interceção telefónica.

    Termos em que, e nos demais que doutamente se suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido, designadamente na parte em que considerou ferido de nulidade o despacho de fIs. 76 e 77 dos autos, devendo por conseguinte ser elaborado novo acórdão no Tribunal da Relação de Évora, em que se não levante obstáculo, na formação da convicção do tribunal, à utilização - como prova válida - das escutas...

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