Acórdão nº 1031/10.8SFLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução20 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 1031/10.8FLSB, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, tendo em vista o conhecimento superveniente de concurso de crimes, o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado na pena conjunta de 6 anos de prisão Interpôs recurso o Ministério Público.

São do seguinte teor as conclusões extraídas da respectiva motivação[1]: «1ª O Acórdão recorrido decidiu condenar o arguido numa pena única de 6 anos de prisão, após cumular penas aplicadas a crimes por ele praticados em datas separadas entre si pelo trânsito em julgado intercalar de sentença condenatória relativa à prática de outros crimes.

2ª - Em concreto, pelo trânsito em julgado da sentença proferida em 3-2-2005, no âmbito do Proc. nº 64/04.8 PXLSB, do 2º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, transitada em 21-6-2005, que condenou o arguido numa pena única de 7 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por 4 anos, pela prática de crimes de condução ilegal e desobediência, em 30 e 31-3-2004.

  1. - Em simultâneo, o Acórdão recorrido absteve-se de levar a cabo o cúmulo jurídico que legalmente se imporia efectuar neste caso, por conhecimento superveniente de concurso relevante de crimes, face ao disposto nos arts. 77º, nº 1 e 78º, nº1, do C. Penal.

  2. - Ou seja, o cúmulo da pena aplicada ao arguido pela prática do crime de burla qualificada objecto do Proc. nº 597/05.9 TDLSB, da 2ª Vara Criminal de Lisboa, com as penas que lhe foram aplicadas pelos múltiplos outros crimes por si praticados antes da data de trânsito em julgado da sentença proferida no supra referido Proc. nº 64/04.8 PXLSB.

  3. - Com consequente e necessária reformulação do cúmulo jurídico anteriormente efectuado quanto a tais crimes, por último, no âmbito do Proc. nº 27/04.3 PDOER, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, que incluiu as penas aplicadas quanto a todos os crimes em concurso praticados pelo arguido que eram então conhecidos (bem como a pena que lhe foi aplicada no Proc. nº 1980/06.8 TDLSB, do 1º Juízo Criminal de Lisboa, relativa a crime praticado após 21-6-2005, indevidamente incluído nesse cúmulo jurídico, por força de decisão já transitada).

  4. - Com efeito, resultando do C.R.C. do arguido ter sido o mesmo condenado em diferentes processos por crimes praticados antes de 21-6-2005, o disposto nos arts. 77º, nº 1 e 78º, nº1, do C. Penal, imporia a reformulação desse anterior cúmulo, de modo a nele incluir a pena aplicada pelo crime objecto do referido Proc. nº 597/05.9 TDLSB, praticado também ele em data anterior a 21-6-2005 (entre 11-6-2004 e 14-7-2004), muito embora o Acórdão aí proferido apenas tenha transitado em 24-5-2011.

  5. - Porém, o Acórdão recorrido preferiu cumular as penas que foram impostas ao arguido no Proc. nº 597/05.9 TDLSB e nos presentes autos, nos quais o mesmo foi condenado pela prática de três crimes de roubo, cometidos em 7-11-2010 e 18-1-2011, muito depois de 21-6-2005.

  6. - Fundamentando-se, depois de admitir a manifesta inexistência de concurso entre as penas aplicadas ao arguido nos presentes autos e nos processos a seu tempo integrados no cúmulo efectuado no Proc. nº 27/04.3 PDOER, na suposta existência de concurso relevante entre as penas aplicadas no presente processo e no Proc. nº 597/05.9 TDLSB (se bem se percebe, por a condenação proferida neste último processo apenas ter transitado em 24-5-2011), bem como na alegada inconveniência duma eventual reformulação do cúmulo a seu tempo efectuado no Proc. nº 27/04.3 PDOER.

  7. – Uma vez que o facto de o arguido se encontrar a cumprir “um remanescente do período de liberdade condicional” entretanto revogada, à ordem do Proc.

    nº 27/04.3 PDOER, levaria a que não se visse “qualquer vantagem em reformular” a “pena conjunta” aplicada neste último processo.

  8. - Foi assim decidido efectuar cúmulo jurídico entre a pena aplicada ao arguido no Proc. nº 597/05.9 TDLSB e as que lhe foram aplicadas pelos crimes julgados no âmbito dos presentes autos, apesar de estes últimos terem sido praticados no período de liberdade condicional concedida no âmbito do Proc.

    nº 27/04.3 PDOER, relativo a crimes com os quais aqueles que foram objecto do Proc. nº 597/05.9 TDLSB deveriam ter sido cumulados, por existir concurso relevante entre eles.

  9. - São precisamente estas decisões que o Ministério Público impugna, por com elas não se poder conformar, pelas razões que se procurará expor.

  10. - Tal como resulta do Acórdão recorrido, esta decisão baseou-se no entendimento de que poderia haver concurso relevante, para efeitos do disposto nos arts.

    77º, nº 1 e 78º, nº1, do C. Penal, não apenas entre os crimes objecto do Proc. nº 597/05.9 TDLSB e aqueles pelos quais foram aplicadas as penas cumuladas no âmbito do Proc.

    nº 27/04.3 PDOER, mas também entre o crime objecto daquele primeiro processo e os que foram julgados nos presentes autos.

  11. - Entendimento conjugado com a conclusão de que a opção pelo cúmulo efectuado seria de algum modo mais favorável ao arguido do que a reformulação do anterior cúmulo.

  12. - Julga-se, no entanto, que tal entendimento resulta de errada interpretação do escopo e pressupostos de aplicação dos referidos arts.

    77º, nº 1 e 78º, nº1, do C. Penal, que foram assim violados pelo Acórdão recorrido.

  13. - Com efeito, a ideia de que será sequer possível agrupar de diferentes formas crimes que estejam entre si em suposto concurso, para efeitos de realização do cúmulo jurídico previsto no art. 77º, nº 1, do C. Penal, parece-nos radicar numa interpretação completamente equivocada do disposto no art. 78º, nº 1, do mesmo diploma – no fundo similar àquela que terá levado à adopção, até certa altura, da tese de que seria admissível o chamado cúmulo por “arrastamento”.

  14. - Ou seja, aquilo que estará subjacente ao entendimento de que haverá mais do que uma maneira de agrupar penas relativas a crimes em suposto concurso, para efeitos de cúmulo jurídico, será uma interpretação do disposto no nº 1 do art. 78º do C. Penal de acordo com a qual a expressão “depois de uma condenação transitada em julgado”, para efeitos de eventual realização de cúmulo por conhecimento superveniente do concurso de crimes, poderá referir-se a qualquer “condenação transitada em julgado”, desde que os crimes cujas penas devam ser cumuladas tenham sido praticados “anteriormente” a tal trânsito.

  15. - Dentro desta linha de ideias, no chamado cúmulo por “arrastamento”, desde que o arguido tivesse sido condenado por crime praticado antes de ter transitado em julgado uma qualquer sentença relativa à prática de outro crime, teria sempre “direito” a que a pena imposta pelo último crime a ser julgado fosse cumulada com a relativa ao crime apreciado na sentença ainda não transitada aquando da respectiva prática.

  16. - E ainda, por “arrastamento”, a que tal pena fosse cumulada com as penas relativas a outros crimes com os quais este último crime pudesse estar em concurso, para efeitos do disposto no art. 77º, nº 1, do C. Penal, ainda que essas penas tivessem sido impostas por sentenças transitadas antes da prática do último crime a ser julgado.

  17. - De forma similar, no entendimento acolhido pelo Acórdão recorrido, desde que o arguido tenha sido condenado por crime praticado antes de ter transitado em julgado uma qualquer sentença relativa à prática doutro crime, as penas relativas a ambos esses crimes poderão ser objecto de cúmulo jurídico, independentemente da existência de quaisquer outras condenações, desde logo intercalares, relativas a crimes com os quais algum dos primeiros possa estar em concurso, para efeitos do disposto no art. 77º, nº 1, do C.P.P.

  18. - Funcionando como único obstáculo ao agrupamento discricionário de crimes para efeitos de cúmulo(s), com base na respectiva prática antes do trânsito em julgado duma qualquer sentença condenatória, que não sejam incluídos no mesmo cúmulo crimes praticados depois do trânsito em julgado da condenação por qualquer um deles (assim se evitando o cúmulo por “arrastamento” propriamente dito).

  19. - Sucede que, ainda que o entendimento acolhido no Acórdão recorrido possa não ser tão manifestamente erróneo e injustificável, em termos dogmáticos e político-criminais, como aquele que levou à adopção do chamado cúmulo por “arrastamento”, não deixa o mesmo de configurar uma incorrecta interpretação do disposto no art. 78º, nº 1, do C. Penal, desde logo no que se refere à determinação do escopo que o legislador quis atribuir à possibilidade de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente dum concurso de crimes relevante para efeitos de “concurso de penas”.

  20. - Tal como claramente refere Paulo Dá Mesquita na sua obra “O concurso de penas”, aquilo que primeiramente importará, neste âmbito, será assumir que a lei penal pretende distinguir clara e inequivocamente as situações de concurso de crimes relevante para efeitos do disposto no art. 77º, nº 1, do C. Penal (ou de “concurso de penas”), das situações de concurso de crimes que envolverão, em vez disso, uma “sucessão de penas” (com cúmulo material das mesmas, através da sua execução sucessiva).

  21. - Sendo para tanto essencial, uma vez que a definição legal do que deverá ser tratado em termos de “concurso de penas” consta do referido art. 77º, nº 1, interpretar o nº 1 do art. 78º do C. Penal em estrita consonância com o disposto naquela primeira disposição legal.

  22. - Logo, ao contrário do que foi feito no Acórdão recorrido, mostra-se totalmente inadmissível afastar a obrigatoriedade legalmente imposta de reformulação de um cúmulo que abrangeu penas impostas por crimes inegavelmente em concurso, de conhecimento superveniente, com outro crime posteriormente julgado, tal como sucedeu neste caso.

  23. - Sob pena de clara violação daquilo que expressamente dispõe o art. 77º, nº 1, do C. Penal, quanto à necessidade de aplicação duma “única pena” a todos os crimes cometidos antes duma qualquer (mas, agora, no sentido de primeira), condenação transitada em julgado...

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