Acórdão nº 368/04.0TCSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução30 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório AA - ..., lda, com sede na Rua …, n° .., ..., …, …, contribuinte fiscal n.° …, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra: BB, SA, com sede na Rua …, n° … - …, … Linda-a-Velha, contribuinte fiscal n.° …; CC, com sede na Avenida …, … ° esq. … Cascais, contribuinte fiscal ....

O pedido da Autora foi o seguinte: «Nos termos expostos e nos mais que o Meritíssimo Juiz venha a suprir» deverá ser julgada procedente por provada a presente acção e por via de consequência: Condenar-se as Rés solidariamente ao pagamento à Autora de uma indemnização global de € 67.376,06 (sessenta e sete mil, trezentos e setenta e seis euros e seis cêntimos) acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano a partir da data da citação da presente acção ( ... ).

Foram chamados e admitidos a intervir, na qualidade de intervenientes principais: DD, como associada da ré EE Sociedade de Construções, SA; Companhia de Seguros FF, SA e Companhia de Seguros GG, como associadas da ré CC.

As rés e intervenientes contestaram a acção.

Foi proferido despacho saneador com elaboração dos factos assentes e base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o pedido e, em consequência, absolvo as rés do pedido».

A Autora, AA - ..., lda, interpôs recurso de apelação.

A Ré CC apresentou contra-alegações e requereu o alargamento do âmbito do recurso, nos termos do art. 684.º-A e 690.º -A, do CPC no que diz respeito aos factos n.ºs 4, 10, 11, 17 a 25, 26 e 27.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão em que foi exarada a seguinte decisão: «Pelo exposto, delibera-se: i) Julgar parcialmente procedente a Apelação da Autora e, revogando a sentença recorrida, condena-se a Ré CC no pagamento à A. da indemnização referente ao prejuízos provados nos pontos 16 a 25 da matéria de facto, no montante global de € 20.276,26, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano a partir da data da citação da presente acção e absolve-se a EE, Sociedade de Construções, S.A do pedido.

ii) Julgar improcedente o alargamento do recurso que a Ré CC apresentou nas sua contra-alegações.

Custas em ambas as instâncias pela Autora e Ré CC na proporção de ½ para cada uma».

Inconformadas, a Autora AA e a Ré CC interpõem recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando, respectivamente, as seguintes conclusões: I - Conclusões da Ré CC: «A.

A presente Revista tem por objecto o acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Abril de 2013.

B.

Fundamenta-se nas nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil, e, na violação de lei substantiva.

C.

O tribunal a quo entendeu, simplisticamente, que a Recorrente se encontrava adstrita a um dever de vigilância sobre o contentor dos autos, bem como sobre o seu conteúdo, sendo responsável, nos termos do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, pelos danos causados.

D.

Os factos são simples. Mas a solução choca.

E.

A decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de fundamentação de direito na motivação do acórdão, nos termos da citada alínea b), do n.º 1, do artigo 668.º, do Código de Processo Civil.

F.

Nos termos do disposto no artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a sentença tem obrigatoriamente de ser fundamentada, «devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final».

G.

In casu, o tribunal a quo limitou-se a tecer considerações genéricas sobre o instituto de responsabilidade civil especificado no artigo 493.º, do Código Civil, a reproduzir parte substancial da matéria de facto dada como provada, e a afirmar, sem mais, que «a Ré CC, que era a responsável pelo contentor, tinha um dever de vigilância sobre o mesmo e respectivo conteúdo (…), nos termos do ar. 493.º, n.º 1, e responde pelos danos que esses objectos causarem» H.

Não esclarecendo qual é o facto ilícito praticado pela Recorrente, nem qual é a origem do dever de vigilância que se lhe atribui, nem, muito menos, o grau de culpa que lhe é atribuído, ou a razão pela qual se considera que «não se pode afastar a culpa presumida», não apresenta o tribunal a quo qualquer verdadeira motivação de direito da sua decisão, assim impedindo a Recorrente de conhecer a fundamentação jurídica sobre a qual assentou a sua condenação.

I.

O acórdão recorrido enferma, igualmente, de nulidade por contradição insanável entre a decisão e os seus fundamentos, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 668.º, do Código de Processo Civil.

J.

Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.

K.

No caso concreto, o tribunal a quo julgou «improcedente o alargamento do recurso que a Ré CC apresentou nas suas contra-alegações» L.

Porém tal decisão não se mostra consentânea com aquilo que são os fundamentos da decisão no que respeita à apreciação da matéria de facto correspondente ao quesito 26.º da Base Instrutória, relativamente ao qual a ora Recorrente, então na qualidade de Recorrida, apresentou alargamento do recurso, pugnando pela modificação da decisão de facto no segmento em causa.

M.

Na verdade, o tribunal a quo, na sua motivação, deu provimento à pretensão da ora Recorrente, tendo «consignado que o ponto 26 da presente matéria de facto passará a ter a seguinte redacção: “Na execução dos trabalhos a ré CC actuava com total autonomia técnica relativamente à EE, Sociedade de Construções, SA, gerindo ela própria pessoal e equipamento”».

N.

deveria, pois, o alargamento apresentado ter sido julgado parcialmente procedente, no que respeita ao concreto ponto da matéria de facto identificado; não o tendo feito incorre em nulidade.

O.

Aplicando ao caso concreto a norma contida no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, a decisão recorrida incorre em violação de lei substantiva, na modalidade de erro de interpretação ou de aplicação.

P.

Do elenco de factos provados resulta, apenas, em suma, que a Recorrida «deslocou para o local da obra um contentor destinado a dar-lhe apoio logístico, bem como à BB, S.A.», e que nesse contentor se vieram a verificar três explosões cuja causa se deveu a «uma fuga de gás num tubo que ligava uma garrafa de gás butano a um fogão, sendo que o gás que se foi acumulando no interior do contentor teve como fonte de ignição uma faísca eléctrica de arranque do frigorífico» - supra nºs 20 e 21.

Q.

O artigo 493.°, n.° 1, do Código Civil, dispõe que «[q]uem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar [...] responde pelos danos que a coisa [...] causar[em], salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua» - supra n.° 22.

R.

Nesses termos, a responsabilidade só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel está obrigada a vigiá-la (ANTUNES VARELA) - supra n.° 23.

S.

É pressuposto a verificação de uma especial perigosidade imanente às coisas sob as quais se entende incidir determinado dever de vigilância (MENEZES LEITÃO) - supra n.° 23.

T.

Porém, debruçamo-nos presentemente sobre um fogão a gás alimentado por botija. Tais objectos não estão associados a nenhuma especial perigosidade e não eram, tão pouco, propriedade da Recorrente - supra n.° 23.

U.

Sobre a Recorrente não impendia, pois, nenhum dever especial de vigilância sobre o contentor que a mesma tinha previamente deslocado para o local da obra, a fim de lhe conferir apoio logístico, desde logo, até, porque a Recorrente nele não havia depositado quaisquer materiais perigosos, ou potencialmente perigosos - supra n.° 23.

V.

Por outro lado, «ao lesado apenas compete provar a existência do dever de vigilância e do dano causado pelo acto antijurídico da pessoa a vigiar» - acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/12/2006 - supra n.° 24.

W.

A Recorrida tinha que fazer prova da existência do alegado dever de vigilância, e tinha, antes de mais, de a ter alegado na sua petição. Não o fez; nem uma coisa, nem outra - supra n.° 24.

X.

Assim, não resultou provado nos presentes autos que a Recorrente tivesse praticado qualquer acto ilícito - supra n.° 25.

Y.

Da mesma forma, nada se provou quanto à verificação do necessário nexo causal, em termos de causalidade adequada, entre o alegado dever de vigilância omitido e os danos suportados pela Recorrida, sendo certo que é ao lesado que pertence o ónus da prova desse nexo - supra n.° 26.

Z.

Tal nexo de causalidade adequada, enquanto matéria de facto que manifestamente configura, não consta dos factos dados como provados nos presentes autos, e, assim não constando, tanto é quanto basta para que não se dêem por preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, não podendo a presente acção, pois, deixar de ser julgada improcedente - supra n.° 27.

AA.

O mesmo vale, de igual forma, para a negação da culpa que erradamente vem atribuída à ora Recorrente - supra n.° 28.

BB.

Inexiste nos autos base factual suficiente para sustentar a imputação subjectiva do facto danoso e dos danos à ora Recorrente - supra n.° 28.

CC.

A situação dos autos não integra a previsão do n.° 1 do artigo 493.° do Código Civil, no sentido em que aí se estabelece um sistema de inversão do ónus da prova, com presunção de culpa por parte de quem tem a seu a cargo a vigilância de determinadas coisas - supra n.° 29 a 30.

DD.

Porém, ainda que se admitisse a existência de um dever de vigilância por parte da Recorrente, e ainda que o mesmo fosse considerado integralmente cumprido, os danos sofridos pela Recorrida nunca seriam evitáveis - supra n.° 29 a 30.

EE.

O que se passou foi um caso fortuito, e imprevisível - supra n.° 29 a 30. FF.

A fuga de gás que esteve na origem da explosão não podia, em termos sérios e razoáveis, ter sido prevista - supra n.° 29 a 30.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências...

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