Acórdão nº 147/14.6JELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução09 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, da Instância Central – 1.ª secção criminal – Juiz 10, acima identificados, foi submetida a julgamento: AA, nascida a ..., na ..., filha de ... e ..., com residência na ..., atualmente presa preventivamente no Estabelecimento Prisional de ..., à ordem destes autos, a quem foram imputados factos constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela 1-B, anexa ao mesmo diploma legal, vindo o tribunal, a final, por acórdão de 26 de novembro de 2014, a, além do mais, «condenar a arguida como autora material de um crime de tráfico previsto e punível no artº 21 nº 1 do dl nº 15/93 de 22.1, com referência à tabela i-b, anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão» e «na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 (dez) anos».

  1. Do assim decidido, veio a arguida interpor recurso para o Supremo Tribunal de justiça[1], formulando as seguintes conclusões[2]: «1. A Arguida foi condenada pela prática em autoria material de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  2. Foi ainda condenada na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 (dez) anos.

  3. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: “No dia 29 de Abril de 2014, pelas 05:58 horas, a arguida, natural da ..., desembarcou no aeroporto de Lisboa, procedente de Brasília (Brasil), no voo ..., com destino final a esta cidade”.

    “No âmbito do controlo efectuado pelos serviços aduaneiros, foi a bagagem da arguida sujeita a fiscalização.” “No decurso da mesma, foi detectada, na estrutura da sua mala de porão, com a etiqueta ..., uma substância em pó de cor branca suspeita de ser cocaína, com o peso bruto de 4550 gramas (quatro mil quinhentas e cinquenta gramas).” “Esse produto foi submetido a exame laboratorial, tendo sido identificado como sendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 795 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 794,880 gramas.” “Nessa ocasião, mais lhe foi apreendido: - uma mala de viagem, tipo trolley, de cor laranja, marca Conwood, que continha dissimuladas embalagens plásticas contendo produto suspeito de ser cocaína; - 29 dólares americanos; - 60 Bolívares venezuelanos; - 7 reais brasileiros; - 17 dólares de Trinidad e Tobago; - um “ticket” de bilhete de avião, com data de 26 de Abril em nome de ..., com o trajecto de Trinidad para Panamá; - um “ticket” de bilhete de avião, com data de 27 de Abril, em nome de ..., relativo ao trajecto de Panamá para Brasília; - um recibo de itinerário em nome de AA, relativo ao trajecto Caracas/Port of Spain/Caracas entre os dias 29.04.2014 e 19.05.2014; - um bilhete de embarque em nome de ..., relativo a uma viagem de Brasília para Lisboa, de dia 28 de Abril, contendo colado o comprovativo de viagem nº ...; - um “print” de duas folhas com o itinerário de viagem Port of Spain/Panamá/Brasília/Lisboa/Miami/Panamá/Port of Spain; - um recibo de câmbio em nome de AA, no valor de 10 dólares; - cartão de entrada e saída de território brasileiro, em nome de AA; - uma etiqueta de bagagem com o nº ..., retirada da mala apreendida onde se encontrava dissimulado o produto estupefaciente; - um telemóvel de marca Samsung, modelo GT-S5301L, com IMEI ..., com cartão SIM da operadora DIGICEL com o nº ...; - um cartão SIM da operadora móvel DIGICEL, com o nº ...; - A arguida à data da sua reclusão tinha, entre outros documentos pessoais, um cartão de crédito do City Bank com o nº ...; - A arguida conhecia perfeitamente a natureza e características estupefacientes do produto que transportava e que lhe foi apreendido; - Produto esse que aceitara transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia não apurada; - A arguida é natural da ..., residindo e trabalhando no país da sua naturalidade, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em Portugal em trânsito, nas circunstâncias descritas supra.

    - A arguida não tem antecedentes criminais e declarou não ter processos pendentes”.

  4. Conforme se confirma pela factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo não é feita prova do que se pensava ser uma tendência criminosa da Recorrente, uma tendência que seguramente agravaria as exigências de prevenção.

  5. Todavia, a pena concretamente aplicada parece esquecer-se desse facto, acreditando-se ser excessiva e desproporcionada na sua medida concreta (5 anos e 6 meses) face aos elementos constantes dos autos e que o acórdão recorrido considerou provados, desvalorizando por completo as declarações da Arguida que aceitou prestar declarações em sede de Audiência de Julgamento.

  6. Finalizou o acórdão que a Recorrente serviu como vulgo “correio de droga” por aceitar transportar substância estupefaciente (cocaína), facto que aliás foi negado pela própria Recorrente.

  7. Por outro lado, tendo em conta a quantia transportada (795 gramas) e ao facto do produto ter sido apreendido, deveria o douto Tribunal a quo ter determinado que estariam atenuadas as consequências do crime.

  8. Foi ainda considerada a ausência de antecedentes criminais.

  9. Quanto às circunstâncias pessoais foi reproduzida a informação constante do relatório social: “– O processo de socialização da arguida decorreu num ambiente estruturado, no seio de uma família de classe trabalhadora, junto dos pais e de uma irmã doze anos mais nova.

    - A arguida prosseguiu os estudos regularmente, abandonando o ensino universitário quando frequentava o terceiro ano do curso de educação e ensino, na sequência do casamento aos 21 anos de idade.

    - Mais tarde a arguida viria a obter habilitação profissional para leccionar inglês, actividade que desde então tem desenvolvido, segundo refere, de forma regular na escola pública e no ensino privado.

    - À data dos factos, a arguida AA residia com os três filhos, na morada indicada nos autos, nos subúrbios da cidade de ..., num apartamento arrendado, de três assoalhadas, com razoáveis condições de habitabilidade.

    - A arguida encontrava-se a leccionar inglês na escola pública no período da manhã, auferindo um montante equivalente a cerca de seiscentos dólares.

    - No período da tarde a arguida leccionava num instituto privado, onde dispunha de uma remuneração de novecentos dólares, aproximadamente.

    - Ao que tudo indica, a arguida mantém forte vinculação afectiva com os filhos, perspectivando no futuro regressar para junto dos mesmos e retomar a sua actividade como professora no ensino privado, tendo algumas dúvidas quanto à possibilidade de reingressar no ensino público.

    - A arguida apresentar um comportamento adequado às normas do sistema prisional, frequentando aulas de português e leccionando, de forma não institucional inglês a algumas das suas companheiras reclusas”.

  10. O acórdão recorrido justifica a pena concretamente aplicada com necessidades de prevenção geral, que considera serem elevadas “já que se trata de tráfico de estupefacientes”.

  11. As necessidades de prevenção geral subdividem-se nos seguintes fins da Lei Penal: 1)- incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (vertente positiva ou de integração) e; 2) - dissuadir da prática de crimes os cidadãos (vertente negativa ou de intimidação).

  12. Sendo forçoso concluir que esta segurança decididamente não sairia abalada, se fosse aplicada à Recorrente, consideradas todas as circunstâncias deste ilícito, pena mais próxima do limite mínimo de 4 (quatro) anos.

  13. No que concerne às necessidades de prevenção especial, interessará essencialmente ao julgador certificar-se que a pena não fica abaixo de um limite tal que não permita ao seu destinatário convencer-se da gravidade dos seus actos e o deixe duvidar do bom funcionamento do sistema penal, sob pena de vir a reincidir; ou que essa pena se situe acima de um determinado limite que ostracize o condenado da vida em sociedade ad eternum.

  14. Note-se que a Recorrente é cidadã venezuelana, sem qualquer ligação física ou afectiva ao território português, não tendo aqui familiares ou amigos, sendo sua intenção abandonar o nosso território assim que possível.

  15. É do conhecimento geral que a falta de conexão com o território nacional dos estrangeiros que no nosso país cumprem pena, leva a que não lhes seja...

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