Acórdão nº 17933/12.4T2SNT.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA e BB intentaram acção declarativa de simples apreciação contra CC e DD, pedindo que:

  1. Se considere falso e impugnado o facto justificado na escritura de justificação promovida pelos RR. e outorgada em 1-6-12 no Cart. Not. de EE, em Sintra; b) Se declare nula e sem nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, de forma que os RR. não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado e objecto da presente impugnação ; c) Se declare que os RR. não adquiriram pela usucapião e não são donos e possuidores do prédio a que a escritura se refere: d) E se ordene o cancelamento de quaisquer registos operados com base no documento impugnado.

    Alegam que os RR. são apenas usufrutuários de ½ indivisa do prédio em questão, sendo os AA. proprietários da outra ½.

    Os RR. declararam na referida escritura de justificação serem donos e legítimos possuidores da ½ pertencente aos AA., dizendo tê-la adquirido por usucapião, em virtude de estarem na sua posse em nome próprio, contínua, pública e pacífica desde 1975, em resultado de compra não formalizada efectuada aos AA. Porém, esta alegada venda nunca ocorreu e os RR. não possuem a totalidade do prédio, sendo falsas as declarações nesse sentido que constam da escritura de justificação.

    Contestaram os RR., afirmando a veracidade dos factos que foram declarados na escritura de justificação notarial como geradores da aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre a ½ indivisa do prédio em causa registada a favor dos AA.

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, declarando impugnado o facto justificado pelos RR. na escritura mencionada e declarando ainda que os RR. não haviam adquirido, por usucapião, o direito de propriedade sobre a ½ indivisa do prédio em questão, considerando a invalidade da escritura para efeitos de inscrição no registo do facto justificado.

    Recorreram os RR. e a Relação julgou procedente a apelação e, afirmando a aquisição por parte dos RR. da ½ do prédio registada a favor dos AA. por via da usucapião, revogou a sentença e considerou improcedente a acção de impugnação da escritura de justificação notarial.

    Os RR. interpuseram recurso de revista em que concluíram o seguinte:

  2. Resulta do acórdão recorrido uma errada interpretação do direito e consequentemente violadora do estatuído nos arts. 1258° e segs., 1258º, 1440°, 1442° e 1446°do CC.

  3. Com a escritura de 25/9/75 a propriedade do imóvel em litígio passou a pertencer, em partes iguais aos AA e aos filhos dos RR., ou seja, passou a existir propriedade em comum, tal como é configurada no nº do art. 1405º do CC e foi reservado o usufruto a favor dos alienantes no que se refere à ½ indivisa vendida aos AA., e reservado também o usufruto a favor dos RR. no que se refere à ½ indivisa vendida aos filhos desta.

  4. A R. passou, por via de tal constituição do usufruto, a exercer de imediato e até hoje, de modo inalterado, a posse sobre o prédio, sem que em algum momento se tenha verificado a alteração do animus (modificação da convicção com que exerce o poder de facto, sem ambiguidades cfr. Ac. do STJ de 19/9/13 (Granja da Fonseca) do referido exercício.

  5. Assistindo a qualquer dos usufrutuários o poder de se servir da totalidade da coisa comum, só pode adquirir a propriedade no caso de se operar a inversão do título da posse, pela forma prevista no art. 1265° do CC.

  6. Jamais ocorreu a inversão do título que habilitasse outra decisão senão a da 1ª instância, porquanto nenhum dos justificantes demonstram actos que a consubstanciasse.

  7. A Relação parte uma premissa falsa para fundamentar o acórdão proferido. Assume que os RR. eram proprietários de ½, quando não é assim. Os RR. eram, desde o início da posse, usufrutuários.

  8. Todos os actos praticados pelos RR. no prédio sub iudice, até à escritura de justificação celebrada em 2012, foram-no, na qualidade de usufrutuários da ½ pertencente aos filhos conforme foi por eles confessado na escritura de justificação. São actos cuja manifestação exterior não colide com essa qualidade.

  9. A posse inicial dos RR. foi adquirida em consequência do usufruto sobre ½ indivisa, que conferiu aos RR. o direito de usar, fruir e administrar como um proprietário prudente e o direito real (menor) de usufruto tem no seu conteúdo externo, a mesma visibilidade que tem a do (possuidor como se) proprietário, como resulta dos factos provados.

  10. Embora, também, os pais do A. marido e da R. fossem usufrutuários, certo é que só os RR. detiveram a posse do prédio, posse, essa, titulada e adquirida pela qualidade de usufrutuários.

  11. Os AA., não obstante fossem proprietários de ½ indivisa, estavam impedidos de exercer plenamente o direito de propriedade, onerado e diminuído pelo usufruto constituído a favor dos pais, usufruto que só com a morte deste se extinguiu. Os AA. não tinham a posse da ½ indivisa de que eram proprietários porquanto a mesma pertencia aos usufrutuários seus pais.

  12. Até 4/6/05, data do óbito do pai, FF, a posse era detida em simultâneo, pelos seguintes usufrutuários: os pais do A. e da R. - usufrutuários de ½ indivisa - e a R., usufrutuária da restante ½ indivisa.

  13. Foram os pais do A. marido e da R., e não os AA., quem tolerou e permitiu aos RR. a prática de todos os actos que os mesmos praticaram sobre o imóvel, de que só os RR. beneficiaram ao longo de todos estes anos.

  14. Conforme é confessado pelos RR., o modo de exercício dos actos materiais iniciou-se logo após a escritura de 1975 e permaneceu imutável ao longo dos anos. Nenhum facto é indicado em todo o processo que seja determinativo da alteração do animus com que os RR. sempre agiram relativamente ao prédio. Perante os AA. e perante terceiros o comportamento dos RR. manteve-se imutável ao realizar obras e impedir o acesso ao imóvel desde 1975.

  15. Jamais poderia ser permitido que a tolerância dos pais do A. marido relativamente aos actos praticados pela filha, ora R., habilitasse esta à aquisição da ½ indivisa por usucapião. Permitindo tal habilidade estar-se-ia a, por caminhos ínvios, permitir que os pais deserdassem um dos filhos ou pelo menos não respeitassem a quota-parte a que o mesmo tem direito.

  16. O facto de terem sido os RR. quem promoveu e pagou as benfeitorias (e obras sobre todo o prédio), resulta do facto do usufruto ter sido, desde o início exercido relativamente a todo o imóvel, ou seja também na quota parte dos filhos da R., proprietários inscritos. Foi esse, desde o início, o modo concreto de exercício do direito, por parte dos detentores do direito ao usufruto simultâneo.

  17. Na escritura de justificação de 2012, os RR. confessam serem usufrutuários da ½ indivisa pertencente aos respectivos filhos.

  18. Para que tivesse havido inversão do título de posse seria necessário que os RR., em algum momento tivessem passado a efectuar obras e a exercer a posse com um animus diferente do inicial. No entanto, tal momento não está determinado nos autos nem foi alegado. Porque assim é resulta claro e evidente que o animus dos RR. permaneceu inalterado ao longo dos anos.

  19. A demolição das casas existentes no prédio, logo em 1976, facto mais relevante de todos os praticados pelos RR., com a passividade dos pais da R. mulher, usufrutuários, prova que o animus com que exerciam a posse de usufrutuárias se manteve inalterada desde então.

  20. Sendo a R. a única titular da posse sobre o imóvel só ela detém, como sempre deteve, desde 1975, o direito de autorizar quem quer que seja a utilizar e aceder ao bem. Ora, por maioria de razão, não é verdade que "a necessidade de autorização dos RR. para que os AA. entrem e utilizem o imóvel" signifique que houve inversão do título de posse. A necessidade de autorização para aceder ao prédio significa, isso sim, que estando a R. na posse do imóvel como usufrutuária, no qual vive e onde guarda os seus haveres, só ela pode permitir a quem quer que seja que aceda ao mesmo. Tal direito decorre da posse que a mesma detém, direito cujo exercício não determina, por si só, a inversão do título de posse.

  21. A posse da R., porque titulada pelo usufruto foi, sempre, e não havia razão para que não fosse, exercida perante todos, AA. incluídos, de forma pública e pacífica.

  22. É manifestamente irrelevante para a decisão a proferir nos presentes autos que o Tribunal da Relação tenha aditado aos factos dados como provados pela 1ª instância que os factos aludidos nas alíneas i, t. m, n, o, p, t, u, v e ab ocorreram à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

  23. Os AA. sabiam e sempre souberam, bem como os restantes vizinhos que os RR. habitavam a casa. Apenas quando os RR. passaram a pretender, por via da escritura de justificação, aceder ao direito de propriedade dos AA., foram violados os direitos dos AA., violação a que reagiram ao propor a presente acção.

  24. Os AA. através dos presentes autos não se opõem à posse dos RR.; opõem-se, isso sim, a que os RR. procurem adquirir a propriedade do imóvel por via de uma posse titulada por usufruto à qual não se opuseram nem se poderiam opor.

  25. Não tendo havido inversão do título cabia aos RR. o ónus de provarem as afirmações constantes da escritura de usucapião, nomeadamente que adquiriam a propriedade de ½ indivisa do prédio por compra aos AA.

  26. A sentença da 1ª instância que julgou a acção procedente e anulou a escritura de justificação resultou da convicção do Tribunal que, em sede de julgamento, teve oportunidade de aferir de perto, de modo imediato e com base nas reacções das testemunhas, o respectivo grau de ciência, a veracidade e convicção com que testemunhavam. Como bem julgou: "não lograram os RR. provar que ao ocuparem, utilizarem e fruírem o prédio em causa, ignorassem que lesavam direitos ou interesses alheios e agissem na convicção de serem donos da totalidade do prédio".

  27. O silêncio dos AA. deveu-se ao respeito pela posse da usufrutuária.

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  28. Os RR., porque usufrutuários, não tinham que provar a posse nos presentes autos porquanto...

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