Acórdão nº 478/14.5JFLSB-E.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Agosto de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução21 de Agosto de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I.

  1. AA, preso na Zona Prisional da Polícia judiciária, à ordem do processo n.º 478/14.5JFLSB, veio, por intermédio de advogado, requerer, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a presente providência de habeas corpus, ao abrigo do disposto no artigo 222.º, número 1, e número 2, alínea c), do Código de Processo Penal.

    Alega, em suma, o requerente: “I Questão única: da ultrapassagem do prazo fixado pelo artigo 219.º, n.º 1, do CPP A. Síntese da tramitação processual Por douto Despacho de 24 de Abril de 2015, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi determinada a prisão preventiva do Arguido AA.

    A 25 de Maio de 2015, o Arguido, aqui Requerente, recorreu daquela douta Decisão para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

    Por douto Despacho de 29 de Maio de 2015, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi admitido o Recurso supra referido, e ordenada a notificação do Ministério Público para, querendo, responder ao Recurso apresentado.

    Por douto Despacho de 2 de Julho de 2015, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi ordenada a subida dos autos de Recurso ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

    A 9 de Julho de 2015 foram os autos de Recurso recebidos no Tribunal da Relação de Lisboa.

    A 13 de Julho de 2015 foram os autos de Recurso distribuídos à Exmo. Senhor Juiz Desembargador Agostinho Torres, da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, conforme se atesta em http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasTribunaisSuperiores.aspx: b. Do prazo máximo para a decisão do Recurso Nos termos do artigo 219.º, n.º 1, do CPP, «Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo Ministério Público, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos forem recebidos» [destaque e sublinhado nossos].

    Conforme tem sustentado Paulo Pinto de Albuquerque, «O recurso deve ser julgado no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos “forem recebidos”, isto é, em que os autos derem entrada no TR» (...). «Caso não sejam julgados dentro do prazo, o atraso dá causa a uma aceleração processual e, eventualmente, a responsabilidade disciplinar. O prazo tem uma natureza meramente ordenadora, a que a lei não associa nenhuma outra consequência. O legislador português não optou pela solução expressa do artigo 309.º do CPP italiano, que prevê a extinção automática da medida de coação em caso de desrespeito pelo prazo, como, aliás, também não quis consagrar o prazo apertado de vinte dias para a decisão do recurso» (...).

    Esta conclusão não pode, no entanto, valer para o recurso da decisão de aplicação de medidas cautelares privativas da liberdade. Com efeito, o TEDH já concluiu, no acórdão Rehbock v. Eslovénia, de 28.11.2000, que a demora de 23 dias na decisão sobre a legalidade da prisão preventiva violava o artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, jurisprudência esta alargada pelo acórdão Picaro v. Itália, de 9.6.2005, à obrigação de permanência no domicílio, e reiterada pelo acórdão Mamedova v. Rússia, de 1.6.2006, referente a demoras de 26, 29 e 36 dias. Neste caso russo, o recurso tinha sido interposto no dia 1.12.2004 e só foi decidido a 27.12.2004, pelo que o TEDH considerou que tinha sido ultrapassado o limite temporal da “brevidade” (bref délai) para conhecimento do recurso, invocando como fundamento a jurisprudência Rehbock. Por isso, o tribunal de recurso não deve devolver o processo para o tribunal inferior quando verifique a existência de um vício processual, mas possa decidir desde logo o recurso (acórdão Mooren v. Alemanha (GC), de 9.7.2010). Mais: o recurso de decisão que aplica medida cautelar privativa da liberdade também deve ser decidido com “brevidade”, mesmo depois de o arguido ter sido libertado em virtude da revisão da medida pelo tribunal recorrido na pendência do recurso (o referido acórdão Picaro v. Itália, de 9.6.2005). A consequência desta jurisprudência é inelutável: o artigo 219.º, n.º 1, é inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, da CRP e do artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, este conjugado com o artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, na medida em que prevê que o recurso da decisão que aplica medida cautelar privativa da liberdade possa ser julgado dentro de prazo superior a 23 dias. Consequentemente, também se impõe uma interpretação do artigo 222.º, n.º 2, al.ª c), do CPP, conjugado com o artigo 225.º, n.º 1, al.ª a), conforme ao artigo 5.º, § 4.º, da CEDH, nos termos da qual a demora no conhecimento do recurso interposto de decisão que aplicou a prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação para além do prazo de 23 dias constitui prisão ilegal (rectius, inconstitucional), para efeitos do dito artigo 222.º, n.º 2, al.ª c), e justifica a interposição imediata de habeas corpus, com a concomitante responsabilidade civil do Estado, nos termos do artigo 225.º, n.º 1, al.ª a).

    O Bundesverfassungsgericht germânico já decidiu que nem a sobrecarga de trabalho nos tribunais, nem a substituição do relator nem ainda as férias dos membros da secção do tribunal de recurso justificam o prolongamento da prisão preventiva

    [1].

    Posto isto: Conforme ressalta à saciedade do supra exposto, decorreram mais de 30 dias desde que o Recurso apresentado pelo Arguido contra a Decisão que determinou a sua prisão preventiva foi recebido no Tribunal da Relação de Lisboa, Não tendo, até ao momento, sido proferida Decisão sobre o Recurso apresentado.

    Assim, a situação actual de prisão do Arguido é manifestamente ilegal, reconduzindo-se o fundamento da sua prisão ilegal à previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

    O Requerente não ignora a jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça vertida, nomeadamente, nos Acórdãos proferidos em 08.02.2007, 16.03.2011 e 20.02.2013, respectivamente, nos Processos n.ºs 07P462, 155/10.6JBLSB-C.S1 e 14/03.0YFLSB.S1[2], Onde, grosso modo, se considerou que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que “a demora de 23 dias na decisão sobre a legalidade da prisão preventiva violava o artigo 5.º, § 4.º, da CEDH” tem de ser adaptada ao nosso ordenamento jurídico, pois no CPP português o recurso do despacho que aplicou ou manteve a prisão preventiva não suspende o andamento do processo nem a contagem do prazo da prisão preventiva, pelo que a investigação prossegue e a medida coactiva pode ou não ser alterada ou revogada no processo principal, independentemente do resultado do recurso.

    Porém, com todo o devido respeito, e salvo melhor opinião, essa jurisprudência não se coaduna ela própria com ordenamento jurídico nacional e, sobretudo, com as normas constitucionais vigentes em matéria de aplicação na ordem jurídica portuguesa do Direito Internacional Público, Pois que não é a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que deve ser interpretada à luz do CPP, mas sim o inverso.

    Com efeito, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP, «1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. 3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos».

    Em anotação às supra referidas normas, sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira que «Na medida em que o direito internacional recebido prevaleça sobre o direito ordinário interno, este não poderá contrariar aquele, ficando o Estado impedido de validamente editar normas que sejam discrepantes com as de direito internacional, enquanto se mantiver a vinculação do Estado a estas normas internacionais (o que, no caso de normas de direito internacional geral, não depende sequer da vontade do Estado)»[3].

    Ora: Nos termos do artigo 5.º, § 4.º, da Convenção Europeia dos Direito do Homem (CEDH), «Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um...

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