Acórdão nº 31/10.2JDLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | MANUEL BRAZ |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância, após a realização da audiência a que se refere o artº 472º do CPP, com intervenção do tribunal colectivo, proferiu, em 16/03/2015, acórdão que, operando um cúmulo jurídico de penas, condenou o arguido AA, nascido em 26/08/1969, na pena única de 13 anos de prisão e 80 dias de multa a € 5 por dia.
Dessa decisão o MP interpôs recurso para a Relação de Lisboa, concluindo a sua motivação nos termos que se transcrevem: «1. Na realização de um cúmulo jurídico, o Tribunal tem de indicar todas as penas parcelares das condenações que se encontram numa relação de concurso.
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O Tribunal na apreciação da Matéria de Facto não considerou como provadas as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes que se encontrava numa relação de concurso.
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O Tribunal não consignou na Matéria de Facto provada factos essenciais para a realização da Justiça, sendo certo que as certidões dos Acórdãos condenatórios cujas penas estavam numa relação de concurso constavam todas dos autos, conforme se referiu e indicou ao longo da presente Motivação de Recurso.
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Estão pois incorrectamente julgados os Factos dados como provados na decisão recorrida nos Pontos 1,15, 33 e 50 da Matéria de Facto, no que concerne à omissão das penas parcelares aplicadas ao arguido em cada um dos crimes em concurso.
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O Tribunal tomou como referência a soma das penas dos vários cúmulos jurídicos realizados e não as penas parcelares de cada um dos crimes em concurso, violando o disposto nos art°s 77 e 78 do C. Penal.
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Ora como é pacificamente assente quer na Doutrina quer na Jurisprudência, "Nas decisões de cúmulo de penas o caso julgado tem características rebus sic stantibus. Conhecidos novos crimes e havendo necessidade de reformular o cúmulo já realizado, a pena conjunta fixada perde a sua eficácia, retomando autonomia as penas parcelares" – Ac do STJ de 7.12.2011.
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Tendo em consideração as penas parcelares aplicadas, a moldura penal abstracta aplicável a este cúmulo jurídico era a de prisão entre 3 anos e 6 meses (a maior das penas parcelares em concurso) e 42 anos e 3 meses (soma das penas parcelares), reduzida a 25 anos por força do disposto no art° 77 n° 2 do C. Penal, MOLDURA PENAL MUITO DIFERENTE DA QUE FOI ENCONTRADA PELO TRIBUNAL: prisão entre 11 anos e 16 anos e 10 meses de prisão.
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Tendo em atenção o passado criminal do arguido, a sua sistemática não confissão, a não demonstração de qualquer arrependimento, a natureza dos crimes em concurso e as exigências de prevenção geral e especial que particularmente se fazem sentir, entende-se que apenas uma pena de prisão não inferior a 15 anos será justa, adequada e equitativa e realizará as finalidades previstas no art° 40 do C. Penal.
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A decisão recorrida violou, pois, o disposto nos art°s 40, 71, 77 e 78 do C. Penal».
Respondendo, o condenado defendeu a improcedência do recurso.
Este foi admitido.
A Relação de Lisboa, por decisão sumária, declarou-se incompetente, considerando pertencer a competência para o julgamento do recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, para onde o processo foi remetido.
No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor Procurador-Geral- Adjunto, na consideração de que o recurso visa também o reexame da matéria de facto, pronunciou-se no sentido de a competência para o seu julgamento caber à Relação.
Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.
Não foi requerida a realização de audiência.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação: Da decisão recorrida consta o seguinte (transcrição): «1. No âmbito do presente processo comum (Tribunal Colectivo) nº 31/10.2TDLSB, da 6ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, por decisão proferida em 30 de Maio de 2014, transitada em julgado em 29 de Outubro de 2014 o arguido foi condenado pela prática a 31/12/2009 de 3 crimes de falsificação ou contrafacção de documentos e de 3 crimes de burla simples, respectivamente previstos e puníveis pelos artºs 256º nº 1 aIs. e) e nº 3 e 217º nº 1, ambos do Código Penal, numa pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses.
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Porquanto, em data anterior a 31-12-2009, o arguido apoderou-se de três impressos de cheque, com os números ..., ... e... da conta ..., do Banco ..., cujo titular é a sociedade “... e Artigos de Papelaria, Lda.".
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Tais impressos não se encontravam preenchidos.
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Em posse dos impressos aludidos, o arguido formulou o propósito de preencher os montantes, a data, e a localidade da emissão, inventando uma assinatura do titular do cheque, e outra para os dos dizeres do endosso do portador e de, em acta subsequente, levantar os cheques assim preenchidos e desse modo tirar proveitos ilegítimos.
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Assim, e pondo em prática estas ideias, procedeu ao preenchimento dos cheques simulando a emissão dos mesmos a favor de BB, preenchendo os cheques mencionados com o montante de € 1337,00 e apondo, no lugar do endosso, uma assinatura desse suposto Licínio.
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E, em data situada no dia 31-12-2009, o arguido procedeu ao levantamento do primeiro dos cheques no balcão do Oriente do Banco ..., pelas 13 horas e 13 minutos e ao segundo dos cheques no balcão dos Olivais do mesmo banco, o que fez pelas 13 horas e 32 minutos.
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Tais cheques foram pagos ao arguido, que desse modo se apoderou dos seus montantes.
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O arguido ainda apresentou a pagamento o cheque com o nº ..., preenchido em moldes idênticos, no balcão de Moscavide do BCP, o que não logrou por motivos alheios à sua vontade.
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O arguido, ao proceder ao preenchimento e levantamento dos cheques referidos, bem sabia que colocava em causa a fé pública de tais títulos de crédito, o que quis e conseguiu.
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Com efeito, ao assinar e preencher do modo descrito os cheques mencionados, o arguido procurava obter para si benefícios ilegítimos, bem como causar prejuízos ao dono dos cheques.
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Com a sua conduta, o arguido logrou que lhe fossem entregues os montantes dos valores dos dois primeiros cheques mencionados.
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O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo os seus actos legalmente puníveis.
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No âmbito do processo sumaríssimo nº 354/10.0GCMGF do Juízo de Média e Pequena Instância Criminal de Mafra o arguido foi condenado por decisão proferida em 20 de Setembro de 2012 e transitada em julgado a 20 de Setembro de 2012, pela prática em 14 de Abril de 2010 de um crime de furto simples, previsto e punível pelo artº 203º nº 1 do Código Penal, numa pena de 60 dias à taxa diária de € 5,00.
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No âmbito do processo sumaríssimo nº 11/10.8GDVRS da Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António por decisão proferida em 15 de Janeiro de 2013 e transitada em julgado a 16 de Janeiro de 2013, o arguido foi condenado, pela prática em 3 de Julho de 2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punível pelo artº 292º nº 1 do Código Penal, numa pena de 50 dias à taxa diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 (três) meses.
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No âmbito do processo comum (Tribunal Singular) nº 284/10.8GTVR, da Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Tavira, por decisão proferida em 15 de Março de 2013 e transitada em julgado a 1 de Maio de 2013, o arguido foi condenado, pela prática em 3 de Julho de 2010 de um crime de obtenção de alimentos, bebidas ou serviços e de um crime de falsificação ou contrafacção de documentos, respectivamente, previstos e puníveis pelos artºs 220º e 256º nº 1 aI. e) e nº 3, todos do Código Penal, na pena de 11 (onze) meses de prisão.
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Na medida em que, no dia 03 de Julho de 2010, os arguidos António e Sara, na companhia de três crianças, dirigiram-se à Pensão "...", sita na Estrada Nacional 125, nº 134, 8800 Santiago de Tavira, Tavira.
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Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 16 o arguido AA solicitou uma estadia até ao dia 07 de Julho de 2010.
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Para pagamento da referida estadia, o arguido AA entregou no próprio dia 03 de Julho de 2010 a CC o cheque bancário nº ..., sobre o Banco ..., com a assinatura de BB e a quantia de € 240,00.
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Tal cheque foi apresentado a pagamento no dia 05 de Julho de 2010, tendo CC sido informada que o dito cheque era falso e que não pertencia a nenhuma conta bancária, não sendo, por isso, válido para pagamento.
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Quando CC regressou à Pensão referida em 16 verificou que os arguidos haviam abandonado a mesma na manhã desse mesmo dia 05 de Julho de 2010.
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Durante o período que mediou entre o dia 03 e o dia 05 de Julho de 2010, os arguidos e as crianças usaram os quartos e os serviços da Pensão referida em 16.
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Até à presente data, os arguidos não regularizaram o pagamento da dita estadia.
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O cheque referido em 18 é falso.
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O cheque referido em 3 reporta-se a uma conta bancária inexistente, cujos titulares também não têm existência legal.
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À data da dedução da acusação os arguidos encontravam-se detidos, à ordem dos autos de inquérito nº 356/10. 7PAENT, do Tribunal Judicial do Entroncamento, onde se investigava a prática pelos mesmos de vários crimes de burla e falsificação de documentos, tendo a medida de coacção da arguida Sara sido substituída por obrigação de permanência na habitação.
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O arguido AA, ao alojar-se na Pensão referida em 16 actuou na execução de um plano previamente traçado, com o propósito alcançado de não efectuar o respectivo pagamento daqueles bens e serviços.
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O arguido, com a conduta supra descrita, sabia que causaria à ofendida um empobrecimento equivalente ao valor do seu respectivo enriquecimento, uma vez que nenhuma pessoa efectuaria o pagamento no seu lugar, o que quis e conseguiu.
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O arguido AA sabia que atento o descrito em 22 tornaria mais difícil a sua identificação.
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O arguido AA sabia que só obteria o serviço prestado na Pensão referida em 16 por CC se ter convencido de que o arguido AA era o legítimo portador do cheque que apresentava para pagamento e que este seria pago, o que o arguido António sabia que não ocorreria.
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O arguido AA, ao entregar o cheque referido em 3...
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