Acórdão nº 1549/10.2TBFLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução27 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso AA e BB, esta por si e em representação do primeiro autor, propuseram contra CC e seus pais, DD e EE, uma acção ordinária, pedindo a condenação dos Réus a indemnizar o autor por todos os danos causados (patrimoniais - 1.039,22 €; morais - 30.000,00 €), bem como a autora (morais - 10.000,00 €).

Alegaram em resumo que: - No dia 19/6/07 o autor foi vítima de actos praticados pelo menor CC, que consistiram na prática de dois crimes de violação agravada previstos e punidos, à data, nos artigos 164º, nº 1, e 177º, nº 4, do Código Penal: - Nesse dia, o réu CC, então com 13 anos de idade, aproveitando-se da superioridade física que tinha sobre o autor, então com 7 anos de idade, obrigou este, em duas ocasiões, a chupar-lhe o pénis; - O autor, logo no dia após a ocorrência dos factos, teve que ir durante a noite com o pai para o trabalho, pois sentia medo em casa, o que ocorreu durante 15 dias; - Recusou-se a ir à escola e teve de submeter-se a consultas de psiquiatria e psicologia, que agora ainda frequenta, sendo as de psiquiatria de seis em seis meses e as de psicologia duas vezes por mês; - Desde 19/6/07 apresenta sintomatologia compatível com quadro de stress pós-traumático, com insónia inicial, pesadelos recorrentes, vivência de imagens intrusivas associadas ao abuso, maior agressividade e instabilidade motora com agravamento do quadro de hiperactividade pré-existente e défice de atenção, verbalizando medo de ficar doente; - Sente vergonha, medo, instabilidade psico-afectiva, afectando o seu desempenho nas várias dimensões do seu quotidiano familiar, escolar e social; - Manifesta grande sofrimento emocional do foro psicológico, com estado depressivo, perda de interesses, desânimo e algum embotamento emocional, comportamentos de evitamento, temendo frequentar locais aos quais associava a presença do réu CC, intensas reacções emocionais face a estímulos que recordem a situação vivida, estado de ansiedade, com respostas de sobressalto e apreensão, instabilidade emocional, irritabilidade fácil, desorganização comportamental, alteração do sono e do apetite; - Teve que iniciar medicação com antidepressivo e neuroléptico, mantendo medicação com Ritalina LA 30, Rubifen 10 e Tricum AC; - Os factos foram fotografados, com conhecimento do réu CC, com a câmara fotográfica de um telemóvel de uma menor que os presenciou, tendo ambos mostrado tais fotografias aos vizinhos e a quem lhes apeteceu, o que fez com que o autor se sentisse envergonhado pelos actos a que foi obrigado e pelo seu conhecimento público, e fortemente humilhado por parte de outros colegas que tomaram conhecimento da situação; - A medicação que toma representa para os seus pais um gasto mensal médio de 30 euros, chegando por vezes a € 73, tendo, até ao momento, a família despendido em medicamentos para o autor a quantia de € 1.039,22; - O acontecimento acima relatado afectou a saúde da autora, que já desde 2003 tinha acompanhamento psiquiátrico, vendo agravado o seu estado depressivo; - A família foi falada por toda a vizinhança, havendo quem fizesse troça do acontecimento, levando a que a autora, mãe do autor, sentisse vergonha e humilhação; - A autora teve de assistir à transformação do seu filho, operada após as práticas descritas, o que implicou a alteração e deterioração dos relacionamentos familiares do seu agregado.

Os réus contestaram, por excepção e por impugnação, alegando que: - Há litispendência entre a presente acção e a que corre termos no 3.º Juízo deste mesmo Tribunal, com o n.º 1536/10.0TBFLG, sendo a presente aquela em que a citação ocorreu em segundo lugar; - O réu CC é parte ilegítima, pois é menor e não responde por danos, visto ser inimputável em razão da idade; - O réu CC, na ocasião dos autos, apenas mostrou o pénis ao autor e porque este lho pediu insistentemente; - Os réus EE e DD sempre tiveram diligência e cuidado na vigilância do seu filho e sempre lhe deram a melhor das educações, não sendo exigível uma actuação constante de vigilância, incompatível com a liberdade de movimentos e com as necessidades da vida quotidiana.

Houve réplica, a sustentar a improcedência das excepções invocadas.

No despacho saneador (fls 231 e 232) foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade do réu CC e de litispendência.

Realizado o julgamento e estabelecidos os factos, foi proferida em 18.8.14 a seguinte decisão: “Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência:

  1. Condeno os Réus, CC, DD e EE, a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e até integral pagamento, sobre o capital em dívida de € 25.000,00, à taxa de 4%; b) Absolvo os Réus do restante peticionado”.

    Os réus apelaram, de facto e de direito, e por acórdão de 4/5/15 a Relação do Porto deu provimento ao recurso, absolvendo-os do pedido.

    Agora é o autor AA, representado por sua mãe, a também autora BB, que, inconformado, recorre para o STJ, pedindo a revogação do acórdão da Relação e a reposição da sentença da 1ª instância com base, em resumo, nas seguintes conclusões úteis: 1ª) Deve considerar-se que há caso julgado relativamente aos factos descritos no ponto 2) da sentença da 1ª instância, e revogar-se, consequentemente, o acórdão da 2ª instância; 2ª) A decisão homologatória proferida no processo tutelar educativo deve ser considerada uma sentença condenatória, pois pressupõe necessariamente que o menor praticou os factos descritos na proposta do MP, sob pena de ilegitimidade da medida tutelar; 3ª) A intervenção tutelar educativa implica a prática, em concreto, dum facto considerado pela lei como crime e a necessidade de correcção da sua personalidade no momento da aplicação da medida; 4ª) Foi a verificação destes pressupostos que levou à aplicação das medidas tutelares educativas de admoestação e obrigação de frequentar sessões de orientação em instituição psico-pedagógica na área sexual; 5ª) A sentença homologatória transitou em julgado, tornou-se definitiva e tem a mesma força das demais sentenças; 6ª) A questão, entre as partes, encontra-se resolvida, com valor de caso julgado, ficando apenas por solucionar o pedido cível, conforme dispõe o artº 91º da LTE; 7ª) O entendimento expresso no acórdão recorrido, no sentido de que não existe caso julgado quanto aos factos objecto de decisão consensual e homologatória, leva à conclusão de que o ofendido teria podido posteriormente ao processo tutelar iniciar um novo processo contra o recorrente pelos mesmos factos; 8ª) O trânsito em julgado implica, nos termos do artº 623º do CPC, a presunção ilidível de que o réu CC cometeu os factos que integram os pressupostos da medida tutelar e os elementos do tipo legal, presunção que os recorridos não ilidiram; 9ª) Foram violados pela Relação os artºs 483º, 496º, 563º, 342º, 487º, nº 1, e 491º do CC e 623º do CPC.

    Os recorridos contra alegaram, defendendo a manutenção do julgado pela Relação.

    II.

    Fundamentação

  2. Matéria de facto (as letras entre parêntesis referem-se às alíneas da “especificação” e os números aos quesitos da base instrutória): 1) - No 3º Juízo do Tribunal Judicial de ..., correu termos um processo tutelar educativo com o n.º 603/07.2GAFLG, em que o menor visado era CC (A).

    2) - No âmbito do processo tutelar educativo referido no artigo antecedente, foi proferida pelo Ministério Público, em 29 de Julho de 2009, a seguinte promoção: “O Ministério Público requer, atento o disposto nos art.ºs 89º e 90º da Lei Tutelar Educativa, a abertura da fase jurisdicional do processo tutelar educativo relativamente ao menor CC, nascido em … de … de 1993, natural da freguesia de .. (…), concelho de …, filho de DD e de EE, estudante, residente em ..., ..., …-..., titular do Bilhete de Identidade nº ..., Porquanto: No dia 19 de Julho de 2007, no pátio da residência da menor FF, sita na Rua …, nº …, ..., neste concelho e comarca de ..., o menor CC, então com 13 anos, aproveitando-se da superioridade física que tinha sobre o menor AA, nascido em … de … de 1999, e na sequência de ambos os menores estarem a brincar dentro dum tanque com água aí existente vestindo ambos os menores apenas cuecas, o menor CC obrigou o menor AA a chupar-lhe o pénis tendo para isso empurrado com as mãos e segurado na cabeça do menor AA em contacto com o seu pénis contra a vontade do...

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