Acórdão nº 228/07.2TNLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2015

Data29 Janeiro 2015
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra Companhia de Seguros BB, S.A..

pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de e 56.477,39, acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.

A A fundamenta o seu pedido alegando, em síntese: Estando a bordo da embarcação segura na ré, saltou para a água depois de ter sido autorizada pelo timoneiro daquela, o qual a havia imobilizado a cerca de 50 metros da praia e com o motor a trabalhar.

Dentro de água, começou a bater os pés para vir à superfície e iniciou um movimento de rotação do corpo para a esquerda, altura em que sentiu um choque ao nível do joelho esquerdo e ficou sem acção na mesma perna, pois foi atingida com a hélice da embarcação naquele seu membro inferior.

Tal embate, provocado culposamente pelo segurado na ré, causou-lhe lesões corporais que determinaram o seu internamento hospitalar, a sujeição a tratamentos médicos, uma incapacidade temporária para trabalhar e uma incapacidade parcial permanente fixada em 11,85%.

Para além das dores que sofreu, temeu pela vida, passou a ter receio de andar de barco e de se banhar no mar.

Ficou a claudicar e com diversas cicatrizes na perna esquerda.

Regularmente citada, a ré, Companhia de Seguros BB, S.A. contestou, alegando que o proprietário da embarcação segura não teve qualquer intervenção ou actuação ilícita ou culposa na produção do sinistro e que este ficou a dever-se apenas à conduta exclusiva da autora que, ao pretender regressar o mais rapidamente possível a terra, acabou por ir embater na hélice do engenho flutuante.

Concluiu pela improcedência da acção.

Procedeu-se ao saneamento dos autos, conforme fls. 152 a 162.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido (cfr. 251 a 267).

A A não se conformou com esta decisão e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação que, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença da 1ª instância.

Novamente inconformada a A interpôs recurso de revista para este Supremo.

Nas suas alegações de recurso a autora formula a seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que negou provimento ao recurso de apelação interposto pelos recorrentes e confirmou a sentença recorrida, e com fundamento na violação dos artigos 674° n° 1 alínea a) do C.P.C, 483° n° 2 e 562° C.C, 39°, 41 ° e 47° do Regulamento da Náutica de Recreio.

II. Na verdade, nada nos autos permite concluir que o timoneiro não tivesse a possibilidade de evitar o acidente.

III. A Autora saltou com autorização do piloto (pois só assim se pode entender, dado que tendo a A. pedido ao timoneiro que a levasse à praia, o mesmo assim procedeu e dirigiu-se para a praia e colocou o motor do barco em ponto morto e com a popa virada para a praia, de molde a que a A pudesse saltar para a água) IV. Tendo em conta que estamos perante uma embarcação de recreio nos termos do artº 2° alínea a) do Decreto-Lei n° 124/2004 de 25 de Maio, é este aplicável por força do art° 1 ° n° 2 do mesmo diploma; V. O timoneiro da embarcação FLAP era o segurado na R., e como tal sobre ele recai o dever de zelar pela segurança dos tripulantes, e portanto da Autora, nos termos do artº 39° do DL n° 124/2004 de 25 de Maio; VI. Nos termos do art.°. 47° n° 1 alínea c) do DL n° 124/2004 de 25 de Maio, a zona onde o segurado na R. "parou" para a A. saltar, é uma zona interdita, uma vez que ficava a cerca de 50 metros da praia, alínea j) da matéria provada.

VII. Posto que está este enquadramento legal, temos que CC: VIII. Colocou a embarcação FLAT em ponto morto para a A. saltar, em local que importa violação do art.°. 47° n° 1 alínea c) do DL n° 124/2004 de 25 de Maio; IX. Sobre ele recaia um dever especial de segurança da Autora; X. Assim, não tendo ficado provado que o segurado na R. tivesse indicado quaisquer outras informações à A, nomeadamente quanto ao local onde deveria saltar ou como o deveria fazer, ou ainda qualquer outra medida de segurança, tendo a obrigação de o fazer, violou expressamente o dever que sobre ele recaia por força do disposto no artigo 39° do DL n° 124/2004 de 25 de Maio, na medida em que, se era responsável pela segurança da Autora, a deveria ter informado da forma mais correta e em segurança para sair da embarcação, o que não aconteceu! XI. Por conseguinte, verifica-se uma responsabilidade Extra-Contratual de CC, que não adotando o comportamento que lhe era legalmente imposto, prestar os devidos esclarecimentos de segurança para a Autora sair do barco, após ter autorizado esta, e ainda ter "parado" em zona interdita, foi originar o acidente.

XII. Vejamos então a reunião dos pressupostos para determinação desta responsabilidade: XIII. Facto - CC "parou" a embarcação em zona interdita, autorizou a Autora a saltar da mesma, não lhe informando do modo e cautelas para o fazer, e assim a Autora saltou do lado onde estava, vindo a embarcação a nela embater com a hélice; XIV. Ilicitude - Com aquelas condutas, CC violou entre outros, os artigos 39° e 47° do DL n° 124/2004 de 25 de Maio; XV. Culpa - CC devia ter adotado um comportamento que não importasse a violação daquelas disposições, nomeadamente não ter "parado" a embarcação em zona interdita, e ter informado e zelado pela segurança da Autora, de modo a que ela saísse da embarcação em segurança após a ter autorizado, sem ser atingida pela hélice da mesma; XVI. Dano - Daquelas condutas resultaram ferimentos na Autora, provocados pelo embate da hélice no seu joelho; XVII. Nexo de Causalidade - Conforme ensina Pires de Lima e Antunes Varela, art" 563° C.C " A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, licito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano ... " " Determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de originar".

XVIII. Ora, um piloto de uma ER, tem antes de mais a obrigação de conhecer determinados deveres, como os constantes nos artigos 39° e 47° DL n° 124/2004 de 25 de Maio. Posto isto, e sendo que o piloto bem sabia que a Autora não conhecia a embarcação FLAP, pois era a primeira vez que entrava nele, a autorização para sair da embarcação e a omissão de lhe indicar como deveria sair dela, ou seja as medidas de segurança, consubstancia para o comum dos mortais, uma adequação à produção daqueles danos que se verificaram. Isto, na medida em que, uma pessoa que não conhece por nunca ter entrado, numa embarcação, carece de informações sobre a mesma, nomeadamente questões de segurança, e ainda elevadamente depois de pedir ao piloto para a levar para a praia e este a ter autorizado.

XIX. Assim, mostra-se que à face da experiência comum, naquela situação concreta, e com os conhecimentos que dispunha o piloto da FLAP, a sua omissão quanto à informação de segurança transmitida à Autora, é adequada e causal àquele evento. Pois tendo ele prestado aquela informação a que estava obrigado, a Autora sairia de outra forma que não aquela que lhe veio a causar aqueles danos, nomeadamente pelo lado oposto, e desse modo evitava o acidente.

XX. Pelo que, estando reunidos estes pressupostos, verificamos que a responsabilidade pelo sinistro se deveu ao piloto da FLAP, segurado na R, e como tal, deve a R ser obrigada a reparar os danos resultantes do acidente, nos termos dos artigos 39° e 47° do DL n° 124/2004 de 25 de Maio, 483°, 496° e 562°, todos do Código Civil.

XXI. Por tudo o alegado, não se compreende que constando do Acórdão da Relação que a expressão "embarcação parada", só pode ter por significado de "embarcação a pairar sobre as águas, em oscilação", como não podia deixar de ser. Não é concebível a permanência de objectos a boiar no mar absolutamente imobilizados, tal como sucede em terra firme. O que aí se quis afirmar foi que a dita embarcação não se encontrava a ser direcionada ou manipulada pelo respectivo timoneiro, encontrando-se no mesmo lugar, com o respectivo motor sem propulsão.

XXII. Desde logo, encontrando-se a embarcação dentro de água, obrigatoriamente encontrava-se a navegar, não se entendendo a conclusão que a embarcação não se encontrava em actividade de navegação.

XXIII. Efectivamente, não estando a mesma fundeada ou varada, estando dentro de água está a navegar.

XXIV. Caso assim não se entenda, o que de facto se afigura difícil, dada a factualidade descrita, sempre terá que funcionar a responsabilidade objetiva do proprietário da FLAP.

XXV. Conforme dispõe o artigo 410 do Decreto-Lei n° 124/2004 de 25 de Maio, " Os proprietários e os comandantes de ER são solidariamente responsáveis, independentemente da culpa, pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros pelas ER, salvo se o acidente se tiver ficado a dever a culpa exclusiva do lesado." XXVI. Com as necessárias adaptações, conforme ensina Pires de...

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