Acórdão nº 204/12.3GBMMN.E1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | OLIVEIRA MENDES |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 204/12.3GMMN, do 1º Juízo da comarca de Montemor-o-Novo, os arguidos AA, BB e CC, com os sinais dos autos, foram condenados, respectivamente, nas penas conjuntas de 10 anos de prisão, 8 anos de prisão e 5 anos e 6 meses de prisão[1].
Na sequência de recurso interposto pelos arguidos para o Tribunal da Relação de Évora foi a decisão confirmada no que concerne aos arguidos AA e BB, tendo sido concedido provimento ao recurso da arguida CC, a qual viu as penas singulares reduzidas para 3 anos de prisão e 10 meses de prisão e a pena conjunta para 3 anos 3 meses de prisão.
Os arguidos AA e BB interpõem agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada pelo arguido AA[2]: 1- A douta sentença recorrida deu por provados os factos elencados de 1 a 40, os quais se dão aqui por reproduzidos e os quais nos abstemos de reproduzir e condenou o arguido AA, em co - autoria e na forma consumada, pela prática de: - três crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210°, n° 1 e 2, aI. b), por referência ao art. 204°, n° 2, ais. a) e f) do Código Penal e art. 4° do DL 48/95 de 15/03, nas penas parcelares de seis anos de prisão; - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n° 1, aI. c), por referência aos artigos 2º, n° 1, aIs. p), q), x), ae) e aad) e 3°, n° 3 da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de dezoito meses de prisão, fixando ainda, em cúmulo jurídico, a pena única de dez anos de prisão." (sublinhado nosso) 2- Salvo melhor entendimento, esteve maI o Tribunal de 1ª instância, na determinação da medida concreta da pena, respeitante ao crime de roubo, ao não fazer uma correta e equitativa ponderação. Estamos perante um crime punido com uma pena de prisão que pode variar entre os 3 e os 15 anos, e foi aplicada uma pena concreta de 6 anos.
3- Contudo, pior esteve o Tribunal a quo ao manter a decisão da 1ª instância.
4- O Tribunal de 1ª Instância violou o art. 71° do Código Penal não atender a todas as circunstâncias nele descritas.
5- Ora, as penas aplicadas ao Recorrente são manifestamente exageradas e desproporcionais, porquanto não foi tido em conta: - é primário; - tem uma filha menor a cargo; - tem um percurso laboral efetivo, favorável e demonstrativo que ainda pode contribuir de forma útil para o bem comum; - confessou parcialmente os factos; - a sua confissão contribuiu para o apuramento da verdade; - mostrou arrependimento; - permitiu a recuperação de maioria dos bens retirados.
6- Não aplicou devidamente o estatuído no artigo 40° do CP, uma vez que a pena aplicada ao Recorrente excede a medida da sua culpa e põe em casa a sua reintegração.
7 - O Tribunal de 1ª Instância elencou-as mas acabou por "desvalorizar" as circunstâncias atenuantes aplicáveis ao arguido.
8 - Pois só desta forma se explica o ter aplicado uma pena parcelar de 6 (seis) anos a um arguido que é primário, confessou parcialmente os factos, mostrou arrependimento e, até essa data, estava inserido na sociedade.
9 - Sabemos que as necessidades de prevenção especial neste tipo de crimes são elevadas mas as necessidades de prevenção especial foram, a nosso ver, sobrevalorizadas, no caso sub judice.
10 - Face aos factos provados, à postura assumida pelo arguido no decorrer de todo o processo e às circunstâncias atenuantes do mesmo, a aplicação de uma pena parcelar de 6 anos de prisão, longe, portanto, do mínimo legal, afigura-se desproporcionada.
11 - Assim, a fixação do quantum das penas parcelares (6 - seis - anos) ao arguido são manifestamente excessivas e devem, portanto, ser diminuídas no seu quantum.
12 - Quanto à segunda questão, no caso concreto, perante um limite máximo de 19 anos e 6 meses de prisão e um limite mínimo de 6 meses de prisão, o Tribunal de 1ª Instância optou por uma pena final de 10 anos de prisão.
13 - Ora, atendendo aos critérios impostos pelo n° 2 do artigo 77° do Código Penal e alterado o limite máximo da pena a aplicar, o Tribunal de 1ª Instância teria de formular novo juízo e aplicar uma pena final mais reduzida ao arguido.
14 - Sendo reduzido o limite máximo (soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes), também o deve ser a pena final aplicada e, consequentemente, reduzida.
15- Ao condenar o arguido pelo crime de Roubo e de Detenção de Arma Proibida, violou claramente o Tribunal de 1ª instância o principio constitucional ne bis in idem, uma vez que, nos termos do artigo 29°, nº 5 CRP: "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime".
16- Ao manter tal decisão, o Tribunal da Relação, salvo melhor opinião, incorreu no mesmo erro.
Por sua vez, o arguido BB extraiu da sua motivação de recurso as seguintes conclusões: 1. Sabendo que o instituto da dupla conforme, como exceção ao principio do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, faz extrair a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é fator indicador do mérito da decisão, o que, em caso de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecida pelo legislador, justifica a limitação daquele direito, cabe perguntar se o mérito de uma decisão resultante da concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa - e passível de justificar a exceção ao sistema de recursos e ao princípio da mais ampla defesa - se basta com uma decisão qualquer, que se limita a reproduzir a decisão anterior e a tecer considerações gerais, ou se terá concretamente de se pronunciar sobre as diferentes questões suscitadas no recurso interposto da primitiva decisão condenatória? 2. Julgamos poder admitir a ousadia de pensar que a dupla conforme sempre terá de pressupor uma dupla verificação da matéria de facto e do direito aplicável, para que exista uma dupla confirmação considerada válida com a virtualidade de constituir uma exceção aceitável ao princípio do recurso, que é consequência do princípio da mais ampla defesa: só assim é que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa será o fator indicador do mérito da decisão; caso contrário não estaremos perante outra coisa senão perante uma intervenção de uma 2.ª instância puramente administrativa, burocrática, que se limita a cumprir requisitos formais mas que olvida e põe até em causa o princípio norteador mais importante de todo o processo penal, que é o princípio da descoberta da verdade material.
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Nos presentes autos a decisão proferida pela Relação de Évora e que aqui se coloca em crise não faz outra coisa senão validar de cruz a decisão do tribunal de instância sem que se pronuncie sobre qualquer dos pontos específicos (e são muitos) que motivaram o recurso apresentado pelo arguido nessa sede - aliás, cotejando o teor da decisão recorrida e do recurso que a motivou na origem, impõe-se retirar objetivamente como única conclusão a de que a 2ª instância não apreciou o recurso, como lhe competia, procedendo a uma mera concordância formal com a decisão anterior, ainda que sem proceder à análise e à avaliação e ponderação dos inúmeros argumentos concretamente suscitados pelo arguido BB ao longo de 128 páginas, pelo que não houve lugar a uma verdadeira reapreciação da matéria de facto e de direito constante do recurso apresentado pelo arguido, do que resulta não se encontrar preenchido o circunstancialismo a que alude o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, sendo, portanto, recorrível a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
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Além disso, pensamos poder concluir no sentido de que uma decisão condenatória proferida pelo Tribunal de recurso que, como a de que se recorre nos presentes autos, se limita a tecer considerações gerais, vagas e abstratas, que se poderiam estender à situação de qualquer outro processo, limitando-se a reproduzir 'ipsis verbis' os argumentos expendidos pela primeira decisão condenatória, sem cuidar de analisar em termos concretos e de modo aprofundado os diversos argumentos levados ao requerimento de interposição de recurso, e respetivas conclusões, movido pelo arguido objeto de condenação anterior, põe em causa o princípio da descoberta da verdade material e o princípio do recurso que está consubstanciado no princípio constitucional da mais ampla defesa e, nessa medida, viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional, sendo passível a interpretação errada que faz dessa norma de uma aplicação genérica de caráter normativo e suscetível de produzir efeitos jurídicos 'erga omnes' e, por isso, estamos perante um caso de inconstitucionalidade que será formalmente invocado no final do presente...
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