Acórdão nº 59/14.3JACBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Março de 2015
Magistrado Responsável | SOUSA FONTE |
Data da Resolução | 18 de Março de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1.
A arguida AA, nascida em ..., filha de ... e de ..., ..., ..., residente na ..., respondeu, no processo em epígrafe, perante o Tribunal Colectivo da Secção Criminal – J2, da Instância Central do Tribunal da Comarca de ..., sob a acusação de ter praticado, como autora material e em concurso efectivo, um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas c) e e), e um crime de furto, p. e p. pelo artº 203º, nº 1, todos do CPenal.
A demandante civil BB deduziu pedido de indemnização civil (fls. 445 a 449), requerendo a condenação da Arguida no pagamento do montante global de €60.250,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e danos não patrimoniais sofridos pela ofendida CC e por ela própria provocados pela Arguida..
A final, o Tribunal decidiu: a) – declarar a extinção do procedimento criminal na parte relativa ao crime de furto, por falta de legitimidade do Ministério Público para promover os respectivos termos; b) – condenar a Arguida, como autora material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea c), do CPenal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão; c) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB e, em consequência, condenar a Arguida/demandada a pagar-lhe a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
1.2.
Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso o Ministério Público, que o dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça (fls. 708) e a Arguida, que o dirigiu ao Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 719).
1.2.1.
A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público retirou da motivação as seguintes conclusões: «1. O douto Acórdão recorrido condenou a arguida como autora material de um crime de homicídio qualificado p. e p. nos termos dos artigos 131º e 132º nºs 1 e 2 alínea c) do CPenal.
2. Condenou-a na pena de 17 anos de prisão.
3. Na escolha da pena foi ponderado: - a elevada gravidade do facto; - a intensidade do dolo – dolo directo; - o grau de ilicitude – acentuado –, atenta a forma como foram praticados os factos, as mais de 20 facadas que a arguida desferiu na cabeça e no pescoço da vítima e a sua indiferença face ao sofrimento daquela; - as consequência dos seus actos – um enorme sofrimento da vítima e a morte; - o forte alarme social deste tipo de crime e o seu veemente repúdio pela comunidade; - a conduta da arguida no Estabelecimento Prisional e a sua personalidade.
4. Contudo todos estes factos não foram convenientes valorados; 5. com violação dos artigos 70º e 71º ambos do CPenal.
Termos em que o douto acórdão recorrido deve ser revogado na parte em que aplicou à arguida AA a pena de 17 anos de prisão, e substituído por outro que a condene numa pena de prisão nunca inferior a 20 anos».
1.2.2.
Por sua vez, a Arguida concluiu a sua motivação do seguinte modo: «1. Foi a arguida condenada na pena de 17 (dezassete) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelo art. 132º, alínea e) do Código Penal.
2. Entende a recorrente, que face à matéria dada como assente pelo Tribunal a quo, que não se verifica in casu, aquela qualificativa, porquanto, pese embora a vítima fosse pessoa de idade avançada, encontrava-se laboralmente activa, sendo pessoa dinâmica.
3. Não operando aquela qualificativa de forma automática, é nossa opinião que, no caso dos autos, a mesma não se encontra preenchida, sendo que o desvalor da conduta da arguida e o concreto resultado a que a mesma conduziu, não eleva o grau de ilicitude e/ou culpa.
4. Ainda que tal questão não proceda, e a considerar-se que efectivamente a recorrente foi autora de um crime de homicídio qualificado, consideramos que a pena a aplicar se poderia situar num quantum inferior.
Assim: 5. A acção criminosa da arguida confinou-se a um único acto (cuja gravidade não se pretende branquear).
6. As exigências de prevenção especial não se revelam particularmente acentuadas, uma vez que a arguida não regista antecedentes criminais pela prática de crimes contra as pessoas, dispondo de condições para uma oportuna reintegração familiar, social e profissional.
7. Face ao percurso de vida da recorrente – anterior e posterior aos factos – tudo indica que se tratou de um acto isolado, grave, mas sem perspectiva de repetição.
8. O acórdão proferido violou o disposto nos Art, 40º, 71º, 131º e 132º alínea e) do Código Penal».
1.3.
Os recursos foram recebidos sem indicação do tribunal ad quem, para subirem imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo, como refere o despacho de fls. 725. E foram remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça.
1.4.
A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pela Arguida (fls. 729).
Começou por sustentar que é o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer desse recurso, visto que a Arguida «delimita o seu recurso a matéria de direito», para depois concluir que: «. … 3. Face à matéria dada como provada – a consumação de um homicídio, em que a vítima era octogenária, que vivia sozinha, sem ajuda de terceiras pessoas, morta violentamente (mais de 20 facadas) – factos estes do conhecimento da recorrente – que esteve em agonia e sofrimento bastante tempo – o Tribunal a quo bem andou em considerar que o crime foi praticado com especial censurabilidade; 4. pelo que bem andou em condenar a recorrente como autora de um crime de homicídio qualificado.
5. A pena a que foi condenada a recorrente (17 anos de prisão) ao invés do entendido pela recorrente (elevada) está aquém do defendido pelo Ministério Público; 6. uma vez que não valorou convenientemente os circunstancialismos intrínsecos e extrínsecos ao comportamento da recorrente, a idade da vítima, a gravidade do facto, o dolo directo, o grau de ilicitude, a frieza na atuação da recorrente, as consequências do seu acto, o sofrimento e agonia da vítima, o repúdio e o alarme social que tais condutas causam na comunidade; 7. pelo que, ao contrário do pretendido pela recorrente, os 17 anos de prisão não é uma pena excessiva, mas sim, pequena, 8. tendo em atenção a conduta praticada pela recorrente, tal como defendeu o Ministério Público.
9. O acórdão recorrido não violou o disposto nos artigos 131º e e 132º alínea e) do CPenal, violou sim o disposto nos artigos 40º e 71º do mesmo diploma mas não no sentido interpretativo da recorrente».
1.5.
Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso do Ministério Público e, consequentemente, da «improcedência total do recurso interposto pela arguida», apoiada nas seguintes considerações: «… 3 – Partindo da mesma base factual dada como provada e que os recorrentes não contestam, dela extraem conclusão de direito oposta.
3.1. O MP pretende a agravação da pena de 17 anos de prisão para a de 20 anos, considerando os objectivos de prevenção geral e especial das penas e o circunstancialismo “fútil” em que a arguida actuou, a ausência de razão séria para tal e, nomeadamente, a desproporção entre arguida e vítima do ponto de vista físico, da idade e da surpresa da vítima, desprevenida em absoluto contra a ameaça que representava para si a arguida.
Na verdade, é surpreendente, sociologicamente, que cada vez com maior facilidade se mata outrem, sem qualquer justificação e com uma frieza e desprezo pela vida humana sem precedentes.
A matéria de facto fixada na decisão da 1ª instância, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, é verdadeiramente esclarecedora do desafecto e desinteresse da arguida por alguém que conhece, que lhe abriu as portas do estabelecimento, pelo à vontade e confiança com que a vítima a tratou. Sem que nada fizesse desconfiar a vítima, a arguida agrediu-a à facada, provocando-lhe a morte. Nem vê-la no chão, arrastando-se, ferida de morte, a demoveu, desferindo-lhe várias facadas, deixando-a em sofrimento, ainda com vida volta ao espaço comercial para verificar o conteúdo das gavetas do balcão de atendimento.
A arguida tinha, à data dos factos, 32 anos, a vítima 82 anos, obviamente a arguida movimenta-se com destreza e agilidade, é uma mulher jovem. A vítima, era uma idosa, com todas as fragilidades e incapacidades próprias da idade.
Acompanhando na integra o bem elaborado recurso interposto pelo MP no tribunal a quo, bem assim a sua resposta ao recurso interposto pela arguida, oferece-se-me apenas sublinhar: … O modo violento e de surpresa com que a arguida praticou os actos, previamente munida de uma faca, quando estava sozinha com a vítima no estabelecimento desta, já fechado, aumentando a dificuldade de aquela ser ouvida ou assistida, a frieza com que a arguida deixou a vítima no chão, ainda com vida e foi “espiolhar as gavetas do balcão, a juventude daquela face a “idade avançada” desta, dificultando qualquer esboço de defesa da vítima, apanhada completamente de surpresa pelo ataque da arguida, permitem elaborar um juízo de censura grave face à irrelevância das circunstâncias que militam a favor desta, ou seja, a sua origem e meio social e familiar humildes e o bom comportamento prisional. Mas não ficou provado o seu arrependimento, a sua confissão ou colaboração com a justiça na descoberta da verdade (cfr. Acórdão recorrido, fls. 649 e segs.). Considerando a moldura penal do crime de homicídio qualificado e a factualidade fixada, a pena aplicada mostra-se aquém das exigências de prevenção geral e especial, sem olvidar a culpa e ilicitude do acto.
Pelo exposto e pelo que mais explana o MP na sua motivação de recurso e conclusões dela extraídas, acompanhando a sua posição, deve conceder-se provimento ao recurso, fixando-se em 20 anos a pena de prisão a aplicar à arguida.
3.2. Do que se deixou referido, resulta a não razão da arguida na sua pretensão de ver desqualificado o...
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