Acórdão nº 2489/13.9YLPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2015
Magistrado Responsável | TAVARES DE PAIVA |
Data da Resolução | 05 de Março de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I -Relatório: Os AA AA e BB intentaram contra a Ré CC, Lda requerimento de despejo, posteriormente distribuído como acção especial de despejo, invocando como fundamento de despejo a cessação do contrato por oposição à renovação por parte do senhorio.
Deduziu oposição a Ré pedindo, no que interessa para o presente recurso, o reconhecimento do direito de retenção e a condenação dos AA a pagar-lhe, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de €222.276,00 acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo pagamento.
Estriba a sua pretensão, alegando que os requerentes autorizaram obras de ampliação e de alteração no locado, que a Ré levou a cabo em 2000, por valor próximo de e 88.000,00. Acresce que no âmbito da obrigação contratual da Ré e de assegurar a manutenção do locado, incluindo do parque infantil onde despendeu a quantia de e 2.795,00. Invoca ainda, que reequipou o estabelecimento de restauração tendo para o efeito celebrado, na qualidade de locatária financeira, um contrato no valor de € 114.420,33.
Conclui, assim, que a considerar-se que o arrendamento cessou por caducidade, tem direito a ser indemnizada das benfeitorias, que aumentaram substancialmente a área coberta do prédio e o seu valor venal e locativo, tendo interpelado os AA a pagar-lhe os valores que investiu, no montante total de € 216 276,09 (art.º 56º da oposição), embora, ao alegar o enriquecimento sem causa, invoque um crédito de € 222 276,09 (cfr. art.º 65º da oposição).
Replicaram os AA pedindo, além do mais, a improcedência da excepção do direito de retenção e a condenação da R a pagar o valor das rendas em dobro desde a data em que o locado deveria ter sido entregue aos AA (Julho de 2013, inclusive), até efectiva entrega do imóvel.
Invocam, para tanto, que a autorização para obras foi dada em 1999 aos anteriores inquilinos e não à R., sendo certo que no contrato com a R., celebrado em 2000, foi clausulado que a arrendatária não teria direito a indemnização por obras efectuadas. Impugna ainda parte da factualidade quanto às obras.
Na sequência do julgamento realizado foi proferida sentença que: (i) julgando a acção parcialmente procedente, declarou cessado em 30.06.2013 o contrato de arrendamento celebrado entre os AA e a R; (ii) reconheceu aos AA o direito ao recebimento da quantia relativa à renda no montante constante do contrato de arrendamento até á efectiva entrega do locado; (iii) reconheceu o direito de retenção do imóvel por parte da R. até que lhe seja paga a quantia de €64.665,17 relativa a indemnização por benfeitorias e respectivos juros a contar da presente data; (iv) relativamente ao equipamento a que se reporta o contrato de locação financeira referido em 42, decidiu que, aquando da entrega do locado, a requerida sua proprietária retirará o mesmo equipamento levando-o consigo.
É desta decisão que, inconformados, os AA interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que alterou a decisão recorrida, na parte impugnada, no segmento I. 2. (iii), reconhecendo à R. o direito de retenção do imóvel até lhe ser paga pelos AA a quantia de € 2 795,60 (dois mil, setecentos e noventa e cinco euros e sessenta cêntimos), a título de indemnização por benfeitorias no locado, acrescida de juros a contar da decisão proferida na 1ª instância, mantendo-a quanto ao demais impugnado.
A Ré não se conformou com esta decisão e interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões: 1. O tribunal a quo para chegar à decisão que adoptou no Acórdão recorreu à interpretação da matéria de direito, a uma disposição legal, ainda que à interpretação de uma simples palavra contida na Lei. O tribunal a quo alterou a matéria de facto baseando-se nessa interpretação da lei, mas não apurou a concreta realidade e a submissão as normas aplicáveis razão por que alterou a decisão do tribunal de 1ª instância.
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A matéria de facto provada no tribunal de 1.a instância, convertida em matéria não provada pelo tribunal a quo no Acórdão recorrido, desconsiderou a prova documental, autêntica, a prova testemunhal prestada em sede de audiência de discussão e julgamento e ignorou as contra-alegações da R., o que conduziu a uma má aplicação e à violação de normas jurídicas essenciais para a boa e correcta decisão da causa, com relevância na decisão.
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Decorre das normas que a personalidade jurídica e o património do societário são independentes dos indivíduos que a constituíram ou que a constituem. Já não é aceitável que o tribunal a quo cinda os factos indiciários e os factos materiais subjacentes a uma negociação e à subsequente outorga de um contrato de cessão de quotas e de dois contratos de arrendamento para fins não habitacionais entre os mesmos sujeitos processuais (art 5.° do CSC).
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Os cidadãos intervenientes naqueles contratos são os mesmos. As partes, quer nos preliminares, quer na celebração e na outorga dos contratos, devem observar o princípio geral de direito de boa-fé e ter sentido ético (art. 227° nº 1 CC.).
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O tribunal a quo sustentou a sua decisão no erro. Desconsiderou a prova documental autêntica junta aos autos que prova que a sociedade CC foi constituída no dia 18-02-1997, por, BB, AA e pela filha de ambos, DD.
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A mesma BB, AA e a filha de ambos, DD, no dia 12-10-1998, cederam as quotas que detinham na R., a EE, ao marido FF e ao irmão deste, GG.
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Nesse mesmo dia 12-10-1998, os AA, na qualidade de proprietários do prédio urbano, sede da R, outorgaram com aqueles, um contrato de arrendamento de duração limitada, para fins não habitacionais, pelo prazo de cinco anos. (art. 369.° CC.).
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Contrato que após negociação, face às obras que a R, iniciou no locado, derrogaram no dia 03-07-2000, celebrando, na sua continuidade e com posse consecutiva sem interrupção ou intervenção de terceiros, outro contrato de arrendamento de duração limitada, para os mesmos fins, mas pelo prazo de 13 anos com a R., de que eram sócios, FF, marido de EE e o irmão daquele, GG, tendo os dois últimos outorgado na qualidade de sócios-gerentes da sociedade, o que encerra a figura jurídica da acessão na posse (art. 1256.°, nº 1, do CC).
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Quando os AA. propuseram a acção não indicaram o valor, como é exigência da lei. Na eventualidade de o não ser, é dever do tribunal, oficiosamente, fixá-lo na sentença, ou no despacho de admissão de recurso. Determinando-se a forma de processo, o valor das custas, a competência do tribunal e a admissibilidade, ou não, de recurso ao tribunal superior (art. 306.°, n.º 1 e 2, do CPC).
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Acontece que os AA., não indicaram o valor da acção, nem pagaram as custas correspondentes, quando propuseram a acção inicial no BNA, e na interposição do recurso pagaram um valor que encontraram como adequado. Questão suscitada nas contra-alegações pela R ao tribunal a quo. Não consta no art. 4.° do D.L 34/2008 de 26-02, revisto pela Lei 7/2012, de 13-02, qualquer isenção de pagamento de taxa de justiça, nem o art. 15.° daquele diploma, dispensa o prévio pagamento de taxa de justiça.
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Não é ao tribunal a quo que compete fixar valor da acção, mas ao tribunal de 1ª instância. Nem na prolação da sentença, nem no despacho de admissão de recurso interposto a 1ª instância fixou o valor da acção, como deveria, razão por que o recurso não deveria ter sido recebido pelo tribunal a quo que o deveria ter mandado descer ao tribunal de 1ª instância, mas não ordenou (arts. 641.°, nº 5, ex vi nº 3, do art. 306.°, ambos do CPC).
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De facto, independentemente, do valor e da sucumbência, a Lei estatui que em recurso de apelação tem efeito devolutivo para desocupação do locado, nos termos do art. 15.° Q da Lei 31/2012. Norma que não coincide, antes colide, com a regra da aI. b), nº 3, do art. 647.°, que fixa efeito suspensivo ao recurso.
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Mas, o STJ em Acórdão de 10-09-2013, decidiu no Proc. 635/08.3TTALM.L 1.S1; É certo que a questão do valor está intimamente ligada à admissibilidade do recurso. E o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 29-01-2014, sobre o mesmo processo, ordenou a descida dos autos ao tribunal de 1.a instância para fixação do valor.
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Embora o art. 3.° da Lei 41/2013 de 26-06, diploma que aprovou o CPC, permita ao juiz a correcção de erro sobre o regime legal, e diga que o tribunal tem poderes de investigação oficiosa, não permite a correcção da deficiente técnica processual, razão por que o tribunal a quo deveria ter convidado os AA. a corrigir as deficiências técnicas que detectou, aceitou e que corrigiu, violando o princípio de igualdade de partes (art. 3.° , aI. b), n.º 2, do art. 640.°, aI. b), n.º 3, do art. 647.°, e aI. a), n.º 3, do art. 639.°, todos do GPC).
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A elaboração do recurso obedece a regras técnicas, tem estrutura semelhante à petição inicial e deve terminar com um concreto pedido. O recorrente deve observar as alíneas a), b), c), do n.? 1, e n.? 2 b), do art. 640.° e 639.°, ambos do CPG, embora o Acórdão recorrido detecte e reconheça, uma deficiente técnica processual, corrigiu-a oficiosamente.
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Lamentavelmente, o tribunal a quo ignorou a quase totalidade das contra-alegações, não se pronunciou sobre a matéria de facto e de direito ali contida, embora as alegações de recurso e as contra-alegações gozem de igual valor perante a Lei (arts. 639.° e 640.° do GPG).
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A matéria de facto provada pelo tribunal de 1ª instância foi alterada pelo tribunal a quo que ignorou a prova documental autêntica e a prova testemunhal transcrita das gravações da audiência de julgamento. O tribunal a quo cometeu erros na valoração da prova, não se pronunciou, sobre a validade e a ampliação do prazo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, matéria versada e alegada nas contra-alegações [(aI. d), do n.o 1 do art. 615.° do CPC)].
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O artigo 27 dos factos provados, matéria reproduzida pelo tribunal a quo no Acórdão, resulta: Os requerentes, em carta de 24-11-1999, autorizaram que as obras fossem efectuadas e...
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