Acórdão nº 106/11.0TBCCH.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA e mulher BB, por si e em representação da sua filha menor, CC residentes na ..., ..., ..., intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra DD, S.A.

com sede na Rua ..., …, Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de € 200 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo € 100 000 pela perda do direito à vida de seu filho menor EE e € 100 000 pelos danos morais sofridos pelos próprios, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação.

Para tanto alegam, em síntese, que no dia 6 de Setembro de 2009, cerca das 14 horas, o condutor FF conduzia o veículo ligeiro de passageiros Audi A4, 1.8 TDI, com a matrícula -FZ-, segurado na R., dentro da povoação da ... e pela Rua … no sentido …, sendo que no mesmo sentido, mas à sua frente, seguia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula -RB, conduzido por GG. Naquele local a estrada é uma grande recta, com bom piso, mede 5,60 metros de largura e tem boa visibilidade. O condutor FF aumentou a velocidade da viatura que conduzia para iniciar a ultrapassagem do veículo RB que seguia à sua frente a uma velocidade de, pelo menos, 50 Km/hora, máximo legalmente permitido no local. Ao iniciar a ultrapassagem, o FF acelerou e imprimiu ao veículo que conduzia uma velocidade superior a 70 Km/hora. Nesse referido dia, hora e local e tendo em conta a marcha do FZ e do RB, o menor EE caminhava visivelmente na referida Rua ..., da esquerda para a direita, tendo iniciado a marcha partindo de um portão que limitava o terreno da habitação de HH, onde momentos antes estava em companhia dos seus pais e de outras crianças que eram permanentemente vigiadas e dos quais repentinamente se separou. Quando o menor começou a atravessar a Rua ..., o condutor do FZ encontrava-se a uma distância de cerca de 20 metros, o que lhe permitia avistar a criança, mas não vinha atento à condução do seu veículo. O condutor FF não buzinou quando se aproximou do local, nem diminuiu a velocidade, não fez qualquer travagem e foi atingir com muita violência o menor EE, tendo este embate ocorrido por inconsideração, negligência, falta de destreza do condutor do veículo segurado e por este circular a uma velocidade excessiva. O embate deu-se com a parte dianteira do veículo na parte exterior do braço e perna direitas e cabeça da criança, sendo que esta já tinha percorrido 1,70 metros da berma do lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido de marcha do veículo. Após o embate, o corpo da criança ficou a cerca de 8 metros do local do embate e junto da berma do lado esquerdo e o veículo FZ imobilizou-se a cerca de 20,60 metros, tendo o respectivo condutor violado várias disposições do Código da Estrada, designadamente as que disciplinam a velocidade e ultrapassagens. O embate provocou no menor EE lesões craneo–meningo–encefálicas e torácico–abdominais que foram a causa necessária e directa da sua morte. A proprietária do veículo FZ era II, casada com o condutor FF, veículo esse que circulava com o conhecimento e consentimento daquela. Os AA. são, respectivamente, os pais e a irmã do falecido EE, que à data do acidente tinha apenas 22 meses de idade, os quais sofreram um profundo desgosto e ficaram em estado de choque com a perda do filho e irmão, por quem sentiam muito amor, afecto, amizade e dedicação, e vão continuar a sofrer no futuro. Esta família passou a ser assistida e medicada por médicos especialistas da área de psicologia e psiquiatria, sendo ainda assistidos desde 9/09/2009 no Centro Médico e Enfermagem de ... e no Hospital Distrital de Santarém. Os AA. AA e BB gastaram a quantia de € 950,00 com o funeral do filho e € 3 000,00 no arranjo estético e compra de terreno da campa.

A R. Seguradora contestou, arguindo a ilegitimidade da A. CC (irmã do falecido) por não ser titular do direito de indemnização e impugnando alguns dos factos alegados pelos AA., nos seguintes termos e em síntese: O veículo RB circulava à frente do FZ com velocidade inferior a 50 Km/hora, sendo que não se aproximava dos referidos veículos qualquer trânsito em sentido contrário e, por isso, o condutor do FZ iniciou a ultrapassagem ao RB depois de previamente ter accionado o pisca-pisca esquerdo e de ter verificado que à sua frente, em toda a extensão da estrada, não era visível qualquer trânsito de veículos ou peões. O FF acelerou o FZ mas não ultrapassou os 50 Km/hora. No decurso da ultrapassagem, quando o FZ rodava a par do RB surgiu repentinamente à frente do FZ o menor EE, que saiu por detrás de um muro de uma casa a correr para o meio da estrada, atravessando esta da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do FZ, de forma súbita e inopinada, quando o FZ já estava a menos de 20 metros dele, tendo o menor feito a travessia sem se deter à entrada da faixa de rodagem e sem verificar se se aproximava algum trânsito. O menor cortou a linha de marcha do FZ de forma brusca e inesperada, metendo-se repentinamente e a curta distância na frente do FZ, não dando tempo do respectivo condutor evitar a colisão com o mesmo. Sendo o menor incapaz, dada a sua tenra idade, a culpa do sucedido recai sobre os seus pais, por força da conjugação dos artºs 489º, 491º, 571º e 1878º todos do Código Civil. O FF era o condutor habitual do FZ e não conduzia por conta, nem em relação de subordinação com a sua mulher, não existindo qualquer relação de comitente-comissário entre ele e a sua mulher.

Conclui, pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, onde se julgou a A. CC parte ilegítima, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu-se a R. Seguradora do pedido.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí julgado parcialmente procedente o recurso interposto pelos AA. AA e mulher BB e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida, decidindo-se: a) fixar a percentagem de culpabilidade na produção do acidente dos autos em 40% (quarenta por cento) para o condutor do veículo FZ e em 60% (sessenta por cento) para a vítima EE (rectificação efectuada pelo acórdão de 11-8-2014).

b) - condenar a R. DD, S.A. a pagar aos AA. a quantia de € 32 000 (trinta e dois mil euros), como indemnização pela perda do direito à vida de seu filho menor EE, e ainda a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 12 000 (doze mil euros), como compensação pelos danos não patrimoniais por eles sofridos em resultado da morte de seu filho menor, acrescidas dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral e efectivo pagamento. 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. Seguradora para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Ao contrário do douto entendimento resultante do Acórdão recorrido, a culpa do acidente dos autos foi exclusiva da infeliz vítima, tendo sido a sua conduta que causou o acidente, 2ª- O acidente foi exclusivamente causado pelo menor, que se meteu na frente do Audi (veículo seguro na Recorrente) de forma completamente inesperada, não se podendo exigir que alguém pudesse prever aquela situação.

3ª- O condutor do Audi não estava obrigado a assinalar a sua presença com sinal acústico, nas circunstâncias do acidente dos autos (reta extensa, com ampla visibilidade), nem fez qualquer ultrapassagem irregular.

4ª- No decurso da referida ultrapassagem, quando o FZ rodava a par do RB, o menor EE iniciou a travessia da Rua ... da esquerda para a direita do FZ sem se deter à entrada da estrada e sem atentar ao trânsito que se aproximava 5ª- O menor EE saiu de um portão que limitava o terreno da habitação de HH.

6ª- Onde momentos antes estava em companhia dos seus pais e de outras crianças que eram permanentemente vigiadas pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT