Acórdão nº 20/13.5GDEVR-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 20/13.5GDEVR-A, do 1º Juízo Criminal de Évora, tendo em vista o conhecimento superveniente de concurso de crimes, foi o arguido AA, com os sinais dos autos, condenado na pena conjunta de 10 anos e 6 meses de prisão[1].

O Ministério Público recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada[2]: «1-ª - A soma das penas singulares aplicadas aos vários crimes em concurso (5 anos; 5 anos e 6 meses; 8 meses; 3 anos; 4 meses; 3 anos; e 8 meses) é de 18 (dezoito) anos e 2 (dois) meses de prisão e não de 15 anos e 5 meses de prisão, como indicado no Acórdão recorrido.

2-ª - O valor daquela soma corresponde ao limite máximo da moldura abstracta da pena única aplicável nos autos.

3-ª - Assim, a determinação da moldura da pena única feita no Acórdão recorrido tem subjacente erro aritmético e é adversa do critério legal estabelecido no art. 77º, nº 2, 1-ª parte, do Cód. Penal, que foi violado.

4-ª - Em conformidade, importa alterar o Acórdão recorrido e determinar-se que a moldura abstracta da pena única aplicável nos autos é balizada entre o mínimo de 5 anos e 6 meses (cinco anos e seis meses) de prisão e 18 anos e 2 meses (dezoito anos e dois meses) de prisão.

5-ª - Em ordem à concretização da pena única a aplicar importa ponderar especialmente o conjunto dos factos provados, descritos no Acórdão e que por economia de exposição aqui damos por reproduzidos, e a personalidade do agente - a ilicitude global dos factos e os denominadores comuns entre eles, que estabeleçam conexões de sentido entre uns e outros e sejam reveladores dos caracteres da personalidade do agente, com relevância na análise da culpa das suas condutas.

6-ª - Tendo ainda presentes, como sempre, as necessidades de prevenção que no caso se façam sentir: as necessidades de prevenção geral ou de reintegração e as necessidades de prevenção especial, estas suportadas no prognóstico que as circunstâncias provadas permitam formular sobre o efeito da pena no comportamento futuro do arguido e a sua capacidade de ressocialização.

7-ª - A gravidade do ilícito global, do conjunto dos factos, aferida sobretudo pelo recurso ao arrombamento ou ao escalamento de obstáculos à entrada nas casas e nos estabelecimentos comerciais onde foram cometidos os furtos, é bastante elevada.

8-ª - Tais circunstâncias prejudicam seriamente o sentimento comunitário de segurança e elevam as exigências de prevenção geral ou de reintegração, por forma a manter nos membros da comunidade a convicção da validade das normas jurídicas violadas pelas condutas do arguido.

9-ª - Os crimes de furto praticados pelo arguido - os que estão em concurso nestes autos e os anteriores - numa sucessão apenas interrompida durante o período da prisão daquele, têm como denominadores comuns, que lhes conferem uma unidade de sentido, a falta de hábitos de trabalho, a dependência do consumo de heroína e a necessidade de obtenção de meios de aquisição daquela substância tóxica.

10-ª - Nem as anteriores condenações do arguido e nem o cumprimento de 7 anos e 6 meses de prisão, duma pena única de 9 anos de prisão - que acresciam a exigibilidade de abster-se de praticar crimes, especialmente de furto, e tornam elevadíssimo o grau da sua culpa - foram suficientes para dissuadir o arguido de praticar crimes ofensivos dos direitos de propriedade alheios, como são os de furto.

11-ª - Todos os crimes de furto em concurso nestes autos foram cometidos antes de decorridos S anos sobre a data do último dos crimes de furto por que o arguido havia sido antes condenado, em pena de prisão efectiva superior a 6 meses de prisão, descontado o tempo do cumprimento da pena de prisão pelo arguido.

12-ª - Tais circunstâncias revelam que a prática de crimes de furto é, por assim dizer, um modo de vida, uma carreira ou uma tendência do arguido; 13-ª - São demonstrativas de grave impreparação para manter condutas lícitas, devido a má formação da sua personalidade, por razões que lhe são exclusivamente imputáveis; 14-ª - E suportam prognóstico desfavorável sobre a eficácia da pena para influenciar o arguido a adequar o seu comportamento ao direito vigente, sobre a sua capacidade de ressocialização.

15-ª - Assim, as necessidades de prevenção especial são também muito elevadas e devem ser satisfeitas, tendo presente que uma pena percebida pela comunidade como inadequada, por insuficiente, para as realizar prejudica também a realização das finalidades de prevenção geral.

16-ª - Considerando que a moldura abstracta da pena única aplicável está balizada entre o mínimo de 5 anos e 6 meses e o máximo de 18 anos e 2 meses de prisão, a elevada gravidade da ilicitude global dos factos, as elevadas necessidades de prevenção, o elevadíssimo grau de culpa do arguido e o prognóstico desfavorável sobre a sua capacidade de ressocialização, nos termos antes expostos, entendemos que a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão determinada no Acórdão recorrido é insuficiente e inadequada para realizar as finalidades de prevenção, geral e especial, bem como não corresponde à elevada gravidade da ilicitude dos factos e fica aquém do elevadíssimo grau de culpa da actuação do arguido; 17-ª - E que, assim, foram violadas as normas dos arts. 71-º, n-º 1 e n-º2, als. a), c), d), e) e f) e no art. 77-º, nº 1, segunda oração, do Cód. Penal.

18-ª - Diversamente, por tudo o que dissemos, entendemos que o arguido deve ser condenado numa pena única de 12 anos e 6 meses (doze anos e seis meses) de prisão; 19-ª - Alterando-se, em conformidade com o exposto o Acórdão recorrido».

Não foi apresentada resposta.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: «1.

Do recurso/breve relatório: 1.1 – Por acórdão de 26 de Maio de 2014, proferido pelo Tribunal Colectivo do 1. Juízo Criminal de Évora, exarado a fls. 64 e segs., o arguido AA foi condenado na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão, pena esta resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares aplicadas nos também seguintes processos, todos do 1.º Juízo Criminal de Évora: (i).

Nestes autos, registados sob o n.º 20/13.5gdevr: – 5 (cinco) anos de prisão, por um crime de furto qualificado, da previsão dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2/e) do Código Penal; (II).

No Proc. n.º 268/13.2PBEVR: – 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, por um crime de furto qualificado, da previsão dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2/e) do Código Penal; (III).

No proc. n.º 1099/10.7PBEVR: – 8 (oito) meses de prisão, por um crime de furto simples, da previsão do art. 203.º, n.º 1 do Código Penal; – 3 (três) anos de prisão, por um crime de furto qualificado, da previsão dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2/e) do Código Penal; – 4 (quatro) meses de prisão, por um crime, tentado, de furto simples, da previsão do art. 203.º, n.º 1 do Código Penal; – 3 (três) anos de prisão, por um crime de furto qualificado, da previsão dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2/e) do Código Penal; – 8 (oito) meses de prisão, por um crime de furto simples, da previsão do art. 203.º, n.º 1 do Código Penal.

1.2 – É esta decisão que, inconformado, o magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância traz ao reexame deste Tribunal Supremo, reexame esse limitado, tanto quanto decorre, cremos, das 19 conclusões da respectiva motivação – [constante da peça processual de fls. 53 e segs.] –, à medida concreta da pena unitária aplicada, que na sua óptica, e como diz na 18.ª e penúltima daquelas conclusões, deveria ter sido fixada em 12 anos e 6 meses de prisão.

1.2.1 – Afigura-se-nos que nenhuma circunstância obsta ao conhecimento do mérito do recurso, da competência deste STJ [art. 432.º, n.º 1/c) do CPP], e que deve manter-se o efeito, suspensivo, que lhe foi atribuído.

1.2.2 – Por outro lado, foi o recurso mandado subir em separado, o que, não obstante em clara violação do disposto no n.º 1 do art. 406.º do CPP, se pode admitir atentos os fundamentos aduzidos no respectivo despacho, exarado a fls. 83, tanto mais que os elementos que o instruíram se nos afiguram suficientes para habilitar este Tribunal a conhecer de mérito.

1.2.2 – O recorrente não requereu audiência, nos termos do previsto no n.º 5 do art. 411.º do CPP, pelo que deve o recurso ser conhecido em conferência (art. 419.º, n.º 3/c), do CPP).

* 2 – Do mérito do recurso: 2.1 – Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer o seguinte: 2.1.1 – Liminarmente, que os crimes[3] indicados no acórdão condenatório, ora impugnado, se encontram, na verdade, numa relação de concurso, impondo-se por isso, tal como ocorreu, o cúmulo das respectivas penas, nos termos dos arts. 77.º e 78.º do Código Penal. Constata-se, com efeito, que o trânsito da primeira condenação ocorreu em 18 de Março de 2013, no âmbito do processo n.º 1099/10.7PBEVR, e todos os demais crimes foram praticados antes desta data.

Esclarecido, pois, este ponto, vejamos então a questão que vem colocada pelo recorrente: reexame da medida concreta da pena única aplicada.

2.1.2 – Como é por demais sabido e vem sendo repetidamente afirmado, aliás, pela Jurisprudência e pela doutrina, a medida concreta da pena do concurso – que se constrói, dentro da moldura abstracta aplicável definida no n.º 2 do art. 77.º do CP, a partir das penas aplicadas aos diversos crimes – é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP).

O que vale por dizer, pois, que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global...

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