Acórdão nº 119/14.OTARGR.L1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução19 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No recurso penal nº 119/14.OTARGR.L1, da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, a arguida AA nos mesmos identificada, notificada do Acórdão do acórdão de 15.12.2016, do mesmo Tribunal, por não se conformar, dele interpôs recurso nos termos do artigo 437.º, n.º 2, CPP,” por ser oposto ao decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15.11.2016 (proc. 130/12.6GBVNO.E1 - Secção Criminal- 2.ª subsecção),” apresentando na motivação as seguintes CONCLUSÕES: l.º - O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.12.2016, proferido no processo 119/14.00TARGR.L1 - 3.ª Secção, ora recorrido, está "em oposição com outro, … de diferente relação .. ": o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15.11.2016 (proc. 130/12.6.GBVNO.E1- Secção Criminal- 2.ª subsecção), o acórdão fundamento - os quais decidiram sobre a mesma questão fundamental de direito, a saber: tendo sido arquivado o inquérito pelo Ministério Público, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente com o simples objetivo de revogação do despacho de arquivamento, que não observe as exigências legais previstas nos. arts. 287.º/2 e 283.º/ 3/b/c CPP, deve ou não por isso considerar-se nulo e inadmissível a instrução (287.º/3 do CPP), sendo consequentemente indeferido? 2.º - As decisões em oposição de modo expresso: Na parte da decisão no Acórdão recorrido lê-se "revogando o despacho recorrido ... " -que havia indeferido o requerimento de abertura de instrução (abreviadamente RAI), o qual tinha por fundamento não preencher os requisitos legais (arts. 287.º/2 e 283.º/3/b/c CPP), sendo por isso nulo e inadmissível a instrução (287.º/3 do CPP) - "... determinando que o processo prossiga os seus termos. “ (cfr. parte III, p.14 do Acórdão recorrido); enquanto na parte da decisão do Acórdão fundamento se lê: "indefere-se o RAI por o mesmo não conter as indicações exigidas pelos art. 283.º, 3 al.b) e c) e 287.º, n.º2 do CPP" (cfr. ponto 2.º da decisão p. 16 do Acórdão fundamento).

3.º - Existe identidade dos factos essenciais quer no caso do acórdão recorrido quer no do acórdão fundamento: 1) existe arquivamento do inquérito pelo M.P. ((cfr p. 5 do Acórdão recorrido; e p.l do Acórdão fundamento); 2) existe um RAI apresentado pelo assistente que não observa o artigo 287.º/2 CPP com o simples objetivo de o Juiz de Instrução revogar o despacho de arquivamento (p. 6-7 acórdão recorrido; p. 12 do acórdão fundamento ); 4.º - Os Acórdãos referidos apoiam-se em asserções antagónicas para chegarem àquelas decisões distintas sobre idêntica factualidade resolvendo a mesma questão fundamental de direito; com efeito, o Acórdão no recorrido pode ler-se: "6- A questão que, porém, se coloca tema ver com os requisitos do requerimento do assistente que, confrontado com um arquivamento subsequente a uma suspensão provisória do processo, pretende acionar esse controlo judicial.

Será que a esse requerimento, que, em geral, "não está sujeito a formalidades especiais", se aplica o disposto na parte final do n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processe Penal, devendo respeitar o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º daquele diploma? Será que nele tem de constar, sob pena de rejeição, para além das disposições legais à luz das quais é qualificada jurídico-penalmente a conduta, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido? A resposta a esta questão é, a nosso ver, negativa." Já no Acórdão fundamento se lê: "Sendo assim, podemos concluir que, por força da conjugação dos art.s 287.º, n.º 2, com o art.º 309.º, n.º 1, a instrução requerida pela assistente, em caso de despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo M.ºP.º - aquele que aqui importa ter agora em conta -, não pode destinar-se à simples impugnação de tal despacho." "Este requerimento, embora não sujeito a formalidades especiais, deve conter, mesmo em súmula, os elementos que são enunciados no art.º 287.º, n.º 2 do mencionado diploma ... " 5.º - As normas jurídicas violadas pelo Acórdão recorrido foram as enunciadas no n.º 2 e 3 do artigo 287.º, e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal, as quais não foram alteradas legislativamente no período que mediou entre a data do Acórdão fundamento (15.11.2016) e a data do acórdão recorrido (15.12.2016); 6.º - O Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão ora recorrido, interpretou o n.º 2 do artigo 287.º/2 CPP no sentido de que existe uma primeira parte da disposição que estabelece que o requerimento de abertura de instrução "não está sujeito a formalidades especiais" e que existe uma parte final do mesmo n.º 2 em que se prescreve uma série de requisitos (entre os quais os previstos nas alineas b) e c) do n.º 3 do art. 283.º CPP) os quais, se não observados, não impõem necessariamente a rejeição se o requerimento se cingir a verificar a legalidade e, portanto, a pedir a revogação, do despacho de arquivamento - permitindo assim que houvesse, pelo menos, dois inquéritos e duas instruções para o mesmo facto, ou noutra acepção, que houvesse uma instrução sem acusação e com o objeto do processo co-conformado pelo despacho do Juiz de Instrução de deferimento do requerimento, em cumprimento do Acórdão recorrido que, por si mesmo, a outro ato do processo - com distinta função - atribuiu ex novo, e sem qualquer arrimo na lei, a função que a lei comete ao requerimento de abertura de instrução - e, em consequência, interpreta o n.º 3 do artigo 287.º CPC como não aplicável por entender admissível a instrução.

A ora Recorrente entende, pelo contrário, que tais normas devem ser interpretadas como o foram no Acórdão fundamento, devendo o n.º 2 do artigo 287.º ser interpretado como aplicado mesmo às situações em que o requerimento de abertura de instrução apenas vise a revogação judicial do despacho de arquivamento, pois onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, desde logo porque ao arrepio do princípio do acusatório e dos direitos de defesa do arguido, ambos de valor constitucional, sob pena de se erigir, como fez o Acórdão recorrido, em constituinte do objeto do processo e impondo ao Juiz de Instrução a posição de auxiliar e co-conformador do objeto do processo, através de acórdão e despacho "manipulativos", pela imparcialidade que a lei lhes impõe enquanto Juízes, por se estar na fase da instrução no nosso sistema de estrutura acusatória e, portanto, violar necessariamente o caso decidido que se formou com o arquivamento, o qual concretiza o princípio constitucional non bis in idem (cfr. arts. 29.º/5 e 32.º/5 CRP); devendo, em consequência, o n.º 3 do artigo 287.º CPP ser interpretado no sentido de que uma tal instrução, requerida em violação do artigo 287.º/2 e das al. b) e c) do artigo 283.º CPP, deve ser indeferida por legalmente inadmissível.

7.º - A jurisprudência deve ser fixada no sentido de que: É inadmissível a instrução por ser nulo o requerimento da sua abertura apresentado pelo assistente, ainda que com o simples objectivo de o Juiz de Instrução revogar o despacho do M.P. de arquivamento do inquérito, quando não observar expressamente as exigências formuladas pelo n.º 2 do artigo 287.º, e pelas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do Código do Processo Penal.

O Ministério Público notificado da interposição do recurso, veio dizer o seguinte: 1º O recurso em causa foi interposto pela arguida AA em 06.02.2017, do acórdão proferido nesta 3ª Secção do TRL, datado de 15.12.2016, notificado à arguido por postal enviado em 19.12.2016, considerando-se notificada em 04.01.2017, acórdão transitado em julgado em 16.01.2017, com o fundamento de tal acórdão se encontrar em oposição com o acórdão proferido no Tribunal da Relação de Évora, Secção Criminal, 2ª Subsecção , datado de 15.11.2016, no âmbito do processo 130/12.6GBVNO.El, transitado em julgado em 04.01.2017.

2º Fundamenta a ora recorrente que o âmbito de apreciação em tais acórdãos, transitados em julgado, proferiu julgados expressos, porém divergentes, em termos de direito, sobre uma base factual idêntica, no domínio da mesma legislação.

3º Embora os pressupostos formais para admissão do recurso se encontrem preenchidos, nos termos do art. 438º do CPP , considera-se não se encontrarem preenchidos os pressupostos de natureza substancial previstos no art. 437º do CPP.

4° Tal como decidido no acórdão do STJ de 02-10-2008 (proc.08P2484), referenciado no recurso interposto: "O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que: (i) - as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito; (ii) - que as decisões em oposição sejam expressas; (iii) - que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas.

2 - A expressão "soluções opostas", pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos, se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.° do CPP.

4° Justamente, no presente recurso a questão jurídica é distinta nos dois casos em análise.

No acórdão recorrido decidiu-se que "o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente na sequência de ter sido determinado o arquivamento do processo depois de ele ter estado provisoriamente suspenso não está sujeito a formalidades especiais", não se aplicando o disposto na parte final do nº2 do art. 287° do CPP por referência ao disposto nas alíneas b) e c) do nº3 do art. 283° do CPP.

Nele se fundamenta, de entre o mais...

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