Acórdão nº 38/14.0TBPCR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução01 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório: AA e mulher BB instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e mulher DD pedindo que: a) se declarasse que os autores são proprietários e legítimos possuidores do prédio identificado em 1 º da p.i, condenando-se os réus a reconhecê-los como tal; b) se declarasse que os autores são proprietários e legítimos possuidores das águas captadas no prédio identificado em 1º, condenando-se os réus a reconhecê-los como tal; c) se declarasse que os réus são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado em 25º da p.i; d) fossem os RR condenados a taparem, de forma definitiva, os dois poços ilegais construídos no prédio de que são proprietários, a suas expensas.

Subsidiariamente, pediram, para o caso de não serem restituídas totalmente as águas captadas no prédio dos autores com a tapagem definitiva dos referidos poços dos réus, que: a) os réus fossem condenados a taparem de forma definitiva os poços, licenciados ou não, que distem menos de 100 metros do novo poço que os autores poderão ter de perfurar, a suas expensas.

  1. os réus fossem condenados a pagarem todas as despesas que resultarem das obras com a nova captação de água no prédio dos autores, relegando-se para liquidação a determinação do valor dada a incerteza quanto à necessidade da nova captação de água e montante das despesas.

    Para fundamentarem o pedido alegaram, em síntese, que procedem, há mais de 20 anos, à captação de águas subterrâneas, utilizando-as, designadamente, para rega agrícola e outros fins no prédio urbano com logradouro de que são donos, que confronta com um prédio dos réus, no qual estes realizaram, em 2012, obras de captação de água que reduziram o caudal disponível da captação dos autores.

    Contestaram os réus por impugnação.

    Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “1. Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acção procedente e, em consequência, decide: a) declarar que os Autores são proprietários e legítimos possuidores do prédio identificado no artigo 1º da p.i, condenando-se os RR. a reconhecê-los como tal; b) declarar que os AA são proprietários e legítimos possuidores das águas captadas no prédio identificado no artigo 1 º da p.i., que foram objeto de licenciamento, condenando-se os RR. a reconhecê-los como tal; c) declarar que os RR. são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artigo 25º da p.i; d) condenar os RR a proceder ao rebaixamento do poço AP1 (dos autores), em 1,50 metro, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente decisão.

    1. Custas a cargo dos RR.” Inconformados, apelaram os réus.

      O Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação procedente e revogou, parcialmente, a decisão recorrida, absolvendo os réus do pedido quanto ao decidido em 1. al. d) e 2 da sentença recorrida.

      Irresignados, recorreram os autores de revista.

      Na alegação apresentada deduziram, no que ora releva, as seguintes conclusões: «18 - Decorre do n.° 2 do artigo 1394° do Código Civil, "sem prejuízo do disposto no artigo 1396°, a diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular, em consequência da exploração de água subterrânea, não constitui violação de direitos de terceiro, excepto se a captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não naturais." 19 - Salvo melhor e douta opinião, e nesse sentido vai a decisão de 1ª Instância a conduta dos ora Recorridos deve ser considerada Ilícita, porquanto estamos claramente face a um desvio de águas por infiltrações provocadas e não naturais, enquadrando-se assim a sua conduta na excepção à regra da liberdade exploratória do proprietário, consignada na parte final do n.° 2 do citado preceito legal.

      20 - Encontra-se provado nos autos a relação de causalidade entre a diminuição e posterior falta de água e as obras de captação levadas a efeito no prédio contíguo aos dos Recorrentes - factos provados pontos 1.11, 1.12, 1.15, 1.16, 1.17, 1.18, 1.19, 1.20, 1.21 e1.22.

      21 - Mais se provou que foram as perfurações levadas a efeito no prédio dos Recorridos que retiraram água do aquífero que também serve o poço dos Recorrentes, rebaixando artificialmente o nível freático local com a ajuda de drenos existentes no terreno - factos provados ponto 1.21.

      22 - Demonstrado o nexo de causalidade entre as perfurações e diminuição do caudal de água dos Recorrentes, em consonância com a prova de que tal desvio de água ocorreu por rebaixamento artificial do nível freático local com a ajuda de drenos existentes no terreno, provada está, salvo melhor e douta opinião, a ilicitude da conduta dos RR.

      23 - O Tribunal de 1ª Instância fundou a sua convicção, para além da posição assumida pelas partes nos autos, no relatório pericial constante dos autos e nos esclarecimentos prestados pelos Srs. peritos em sede de Audiência para tentativa de conciliação, exarados em acta.

      25 - Tudo o atrás vertido devidamente ponderado, salvo melhor e douta opinião, deveria ser interpretado, como bem o fez a 1ª Instância de que a conduta dos ora Recorridos é ilícita, até por força, do douto Acórdão desse Supremo Tribunal de 19-03-2002 (in www.dgsi.pt) a que alude a douta Sentença de 1ª Instância.

      26 - A entender-se, como entendeu o Venerando Tribunal da Relação que não estamos face a uma conduta ilícita, uma vez que, "o certo é que as alterações dos veios ou lençóis de freáticos existentes no prédio dos autores, não afectam o direito de propriedade às águas subterrâneas destes, porquanto não se consubstanciaram numa infiltração provocada. Na verdade, os réus apenas se limitaram a perfurar dentro do perímetro do seu prédio, não ultrapassando a linha vertical, pelo que não afectaram qualquer veio freático de prédio vizinho, que alimentasse o lençol existente no prédio dos autores, ou por ele passasse na direcção de outro." 27 - Sempre se colocaria, e por se tratar de facto alegado (28°, 29°, 30°, 37°, 38° da Petição inicial) e provado - (facto provado 1.9, 1.12, 1.18) a questão de a actuação ser ilícita por violação das exigências administrativas aplicáveis, designadamente o decreto-lei 226-A/2007, de 31 de Maio com as devidas alterações.

      28 - Isto porque, decorre do artigo 41°, n.° 2, al. d) do citado diploma legal, "é observado o afastamento mínimo de 100 metros entre as captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea, podendo, quando tecnicamente fundamentado a ARH definir um limite diferente." 29 - Resultado provado nos autos que as perfurações efectuadas pelos ora Recorridos distam a cerca de 13 e 30 metros do poço já existente e devidamente licenciado para o efeito dos ora Recorrentes.

      30 - Pelo que, a conduta dos ora Recorridos é também ela ilícita por violação das exigências administrativas aplicáveis, designadamente o decreto-lei 226-A/2007, de 31 de Maio com as devidas alterações, facto que não permite desde logo afastar a conduta ilícita, mesmo que, estivéssemos perante a conduta lícita, nos termos do artigo 1394° do Código Civil, o que não é, salvo melhor e douta opinião o caso dos autos».

      Finalizaram, pedindo a revogação do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT