Acórdão nº 220/14.0TXLSB-F.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

AA vem apresentar recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, apresentando os fundamentos seguintes (transcrição)[1]: «1º - O Recorrente foi condenado no âmbito do processo n.º 73/01.9PILSB, da então 1° vara Mista de …, numa pena de 13 anos e 4 meses de prisão; 2º - Em 29/06/2010, e após cumprir 2/3 (dois terços) da pena foi colocado em liberdade condicional, quando faltavam 4 (quatro) anos 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de prisão para o cumprimento integral da pena; 3º - O acórdão recorrido, após recurso apresentado pelo recorrente da decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de …, entendeu que o recorrente terá que cumprir integralmente a pena decorrente da Revogação da Liberdade condicional no âmbito do processo n.º 73/01.9PILSB, ou seja, 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses, e 10 (dez) dias de prisão, não beneficiando da possibilidade de nova liberdade condicional aos 5/6 da pena aplicada naquele processo, agindo como se esta pena fosse única; 4º - Refere o Acórdão recorrido: "Na verdade, o n.º 3 do art.º 64 do C. Penal é taxativo a esse título, pois refere, de forma expressa (sublinhados nossos), que a possibilidade de concessão de liberdade condicional, no que se reporta a remanescente de pena, é determinada em relação à pena de prisão que vier a ser cumprida. Assim, o cômputo dos prazos para apreciação de tal possibilidade, terá de ser realizado, por expressa imposição legal, tomando-se em consideração o remanescente da pena e não a totalidade da pena imposta (já parcialmente cumprida)." (Negrito e Itálico Nossos) 5º - E concluiu: "Assim, e no caso presente, estando em questão um remanescente que não atinge os 6 anos de prisão e não podendo haver lugar á soma desta pena com a outra que tem de cumprir (por inaplicabilidade do vertido no art.º 63º do C. Penal e inexistência de outro normativo legal que o preveja), nem sequer seria ponderável a possibilidade de aplicação, a este remanescente de pena, do marco temporal dos 5/6." 6º - Esta decisão, por ter sido proferida em Recurso pelo Tribunal da Relação de …, não admite Recurso ordinário, e transitou em julgado.

7º - Porém, sobre as mesmas questões de direito - consideração unitária da pena para efeitos de contagem e de determinação do momento da concessão da liberdade condicional - e no domínio da mesma legislação o Tribunal da Relação do Porto, decidiu em sentido manifestamente oposto por Acórdão de 03/10/2012, processo n.º 3944/10.8TXPRT-H.PI, publicado em www.dgsi.pt, transitado em julgado (acórdão fundamento); 8º - Como se defendeu no Acórdão fundamento: "Com efeito, nos termos destes artigos, "a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida" (n.º 2 do art.º 64º) e "relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.º 61º (n.º 3 do art.º 64º). Ora, se de acordo com este último preceito "pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.º 61º, tal significa que essa concessão há-de ser enquadrada em qualquer das modalidades aí previstas, incluindo a concessão "ope legis" a que se refere o art.º 61º, n.º4 do CP.

Assim, no caso dos autos, relativamente à pena inicial (de 12 anos e 3 meses de prisão), cuja liberdade condicional (antes concedida) foi revogada, e contrariamente ao decidido no despacho recorrido deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 dessa pena, pois para que tal ocorra basta apenas o decurso do tempo e a concordância do condenado." (Negrito e Itálico Nossos) No entender do Recorrente resulta manifesta a contradição entre os julgados, devendo ser declarada a oposição.» 2.

O Ministério Público no Tribunal da Relação de … apresentou a seguinte resposta: «Questão prévia: O recorrente não apresentou conclusões da sua motivação. Contudo, nos termos do art. 412 nº 1 do C.P.P. deve fazê-lo terminando a motivação com as mesmas onde resumirá as razões do pedido. A lei não distingue motivações mais extensas ou menos extensas, bem elaboradas ou menos bem elaboradas, claras e precisas ou confusas pelo que tal obrigação se aplica a quaisquer motivações, apesar de simples.

Nestes termos e ao abrigo dos artigos 414 nº 2 e 417 nº 3 do C.P.P. deverá ser convidado a apresentá-las sob pena de o recurso ser rejeitado.

* Nos termos dos artigos 437 e 438 do C.P.P. constituem requisitos para o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência a existência de dois acórdãos do S.T.J. ou dos tribunais da relação transitados em julgado, que no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas, tendo o acórdão proferido em último lugar e do qual se recorre transitado em julgado em prazo não superior a 30 dias.

Tem-se entendido também que a oposição entre as decisões tem que ser expressa e que esta oposição respeite à própria decisão, não bastando que o seja quanto aos fundamentos.

* Em face dos elementos constantes dos autos têm-se ambos os acórdãos mencionados, o recorrido e o fundamento, por transitados em julgado e o primeiro há menos de trinta dias.

O acórdão fundamento data de 2012 e o recorrido de 2017, verificando-se que neste período de tempo não houve lugar a alteração da legislação que lhes serve de fundamento (artigos 61 a 64 inclusive do Código Penal).

* Importa então identificar a questão de direito e saber se é a mesma em ambos os acórdãos e se depois, para resolução da mesma, assentam em soluções opostas.

Afigura-se-nos que o recorrente, apesar de no seu nº 3 não ter transmitido exactamente o teor da decisão do acórdão recorrido, ainda assim acaba por se reportar à questão de direito aqui em causa no seu nº 7 da motivação – consideração unitária da pena para efeitos de contagem e determinação do momento da concessão da liberdade condicional.

Contrariamente ao referido no nº 3 o acórdão recorrido não refere que terá de cumprir integralmente a pena decorrente de revogação da liberdade condicional não beneficiando da possibilidade de nova liberdade condicional aos 5/6 da pena aplicada naquele processo ”agindo como se essa pena fosse única”. Do acórdão recorrido extrai-se antes que a possibilidade de concessão de liberdade condicional, no que se reporta ao remanescente da pena, é determinada em relação à pena que vier a ser cumprida. Assim o cômputo dos prazos para apreciação de tal possibilidade realizar-se-á tomando em consideração o remanescente da pena e não a totalidade.

Donde resulta que não agiu como se esta pena fosse única.

Extrai-se claramente do acórdão que a nova liberdade condicional pode ser concedida relativamente à pena que vier a ser cumprida, autonomizando o remanescente e dando-lhe um tratamento próprio em termos de liberdade condicional, não relevando para o efeito a parte já cumprida. Sucede é que no caso apreciado, não atingindo o remanescente os seis anos de prisão (e não podendo esta pena somar-se à outra pena que tinha a cumprir) a questão ou possibilidade de nova liberdade condicional aos 5/6 da pena nem sequer era de ponderar. É isto que refere o acórdão.

Procurámos precisar o sentido do acórdão recorrido por contraposição ao nº 3 da motivação do recurso no que se refere à decisão.

Ao fazê-lo, fez-se já também a aproximação à questão de direito que aqui se encontra em causa. E vistos já os dois acórdãos, o recorrido e o acórdão fundamento, a questão de direito afigura-se-nos efectivamente a mesma.

Consiste em saber se, em caso de execução sucessiva de penas em que importe cumprir o remanescente de pena de prisão (que não ultrapasse seis anos) que resulte de revogação da liberdade condicional antes concedida, este remanescente se junta ou não à pena já anteriormente cumprida para efeitos de atingir os 5/6 de cumprimento e consequente concessão de liberdade condicional.

Afigura-se-nos que o recorrente se refere também a esta questão quando fala na consideração unitária da pena para efeitos de contagem e determinação do momento da concessão da liberdade condicional, como atrás vimos.

Nestes termos, afigura-se-nos que em ambos os acórdãos se tratou de dar solução a esta mesma questão de direito pois que também a situação de facto era idêntica.

Parece-nos pois verificar-se também este requisito.

Importará então verificar se os acórdãos assentam em soluções opostas e se esta oposição é expressa e respeita à própria decisão.

* No acórdão recorrido, e apesar de o mesmo ter verificado um vício no despacho que havia sido objecto de recurso, a solução foi a de que o cômputo dos prazos para apreciação da possibilidade de concessão de liberdade condicional terá de ser realizado tomando em consideração o remanescente da pena e não a totalidade da pena imposta (já parcialmente cumprida), cfr ponto V do acórdão. Fundamentou-se no artigo 64 nº 3, 1º segmento.

No acórdão fundamento a solução foi a de que podendo “ter lugar a concessão de nova liberdade condicional”, tal “concessão há-de ser enquadrada em qualquer das modalidades” prevista no art. 61, “ incluindo a concessão “ope legis” a que se refere” o número 4, ou seja, colocação em liberdade aos cinco sextos da pena. E assim quanto ao caso concreto, decidiu que relativamente à pena inicial, cuja liberdade condicional fora revogada, “deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos 5/6 dessa pena.” Em resumo, admitiu na nova liberdade condicional a junção da pena cumprida com a pena remanescente fazendo o cômputo dos prazos em relação à totalidade da pena e como se a liberdade condicional anterior não tivesse sido revogada.

Estamos assim em nossa opinião perante soluções opostas perante o mesmo quadro factual, dando diferente resposta à mesma questão, num caso separando a pena cumprida do remanescente e no outro admitindo a junção deste à pena.

* Dir-se-á ainda que a oposição entre as decisões é expressa e respeita à própria decisão, que não somente aos...

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