Acórdão nº 223/15.8JAAVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 2017
Magistrado Responsável | FRANCISCO CAETANO |
Data da Resolução | 23 de Março de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.
Relatório AA [...] foi condenado no processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 223/15.8JAAVR da ....ª Secção Criminal-..., da Instância Central de ..., quanto à parte crime (única que releva no recurso), como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave e qualificada, dos art.ºs 143.º, 144.º, alíns. b) e c) e 145.º, n.ºs 1, alín. b) e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, alíns. e) e h), todos do Código Penal, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
Dessa decisão interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto onde, por acórdão de 8 de Agosto de 2016, foi decidido negar-lhe provimento, confirmando integralmente essa decisão.
Ainda inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões, por sua vez reeditadas das apresentadas para a Relação e que se transcrevem: I. “ O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito (nos termos do disposto no art.º 434º, conjugado com o art.º 410º nº2 alínea c) do CPP) da sentença proferida nos presentes autos que condenou o Recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave e qualificada, previsto e punido 143º, 144º alíneas b) e c) e 145º, alínea b) e nº2 por referência ao art.º 132º nº2 alíneas e) e h) do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, bem como o acórdão proferido no âmbito do recurso para o Tribunal da Relação do Porto; II.
O Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos, dos quais por economia processual se transcrevem apenas os que revestem interesse para os presentes autos: III.
“1. No dia 12 de Junho de 2015, cerca da 1 hora e 30 minutos, o arguido AA deslocou-se ao estabelecimento de bar denominado “...”, situado na ..., acompanhado de BB (com a alcunha de “...”), tendo ambos entrado e permanecido naquele bar a beber bebidas alcoólicas e a conviver.
IV. 2. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1, o arguido tinha na sua posse uma faca do tipo faca de cozinha, dotada de lâmina em aço inoxidável com cerca de 10 (dez) centímetros de comprimento e cabo em madeira com cerca de 11 (onze) centímetros de comprimento.
V. 3. Cerca das 2 horas daquele dia 12/06/2015, quando ambos ainda se encontravam no interior do aludido bar, o referido BB envolveu-se em discussão com CC, o qual integrava um grupo de pessoas em que se incluía a DD.
VI. 4. Nessas circunstâncias o arguido AA desferiu um soco no referido CC.
VII. 5. Então, o mencionado BB e o arguido AA acabaram por se envolver em agressões físicas com algumas de tais pessoas.
VIII. 6. A DD, com o intuito de fazer cessar a contenda, colocou-se entre o arguido AA e uma das pessoas que o mesmo pretendia agredir, ocasião em que o arguido desferiu um soco na face daquela.
IX. 7. Acto contínuo e sem que nada o fizesse prever, o arguido pegou na faca referida em 2 e empunhou-a no ar, segurando-a pelo cabo com a mão direita, com a respectiva lâmina apontada para baixo, e com esta desferiu um golpe na direcção da face da DD, atingindo-a a nível da região ocular direita, onde a lâmina ficou empalada.
X. 12. Logo após os factos descritos em 7 a 9, o arguido tentou fugir do local, logrando ainda sair para o exterior do referido estabelecimento, onde foi agarrado e detido por várias pessoas que se encontravam no interior do bar, que foram no seu encalço e que o retiveram até à chegada ao local da Guarda Nacional Republicana.
XI. 14. O arguido conhecia as características da faca referida em 2, que utilizou nos moldes descritos em 7, estando ciente das potencialidades letais da mesma.
XII. 17.O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.
XIII. 34. Na sequência da separação conjugal, o arguido encontra-se desde há cerca de 1 ano medicado com medicação antidepressiva e indutora do sono (“Sertralina 50mg”; “Castilium 10”).
XIV. Tendo ainda, com interesse para a decisão do presente recurso, considerado como não provado o seguinte factos: XV. - O arguido AA apenas tenha agredido outras pessoas quando já havia agressões por parte do BB e de outros frequentadores do ...
XVI. Ora, atento os factos provados, bem como os não provados, conjugados com as declarações prestadas pelas testemunhas, dúvidas não nos restam de que andou mal o Tribunal a quo.
XVII. Na verdade e atendendo ao supra exposto, existiram factos que o Tribunal a quo deu como provados, em completa contradição com a prova produzida, XVIII. Sendo que existem factos que foram dados como não provados, que no entender do ora Recorrente, podiam e deviam, atenta a prova, ter sido dado como provados.
XIX. Havendo ainda factos que, não obstante terem ficado devidamente comprovados na audiência, a verdade é que o tribunal a quo, deles fez uma rasura, ignorando por completo.
XX. Na verdade e no entender do ora arguido os factos em causa subsumem-se no seguinte: XXI. Dá o tribunal como provado que o arguido agiu deliberada e conscientemente, XXII. Acontece que o tribunal a quo dá igualmente por provado que o ora Recorrente teria ingerido diversas bebidas alcoólicas, bem como se encontrar a ser medicamentado por antidepressivos.
XXIII. Sendo que, conforme se dá como provado, o ora Recorrente ao ingerir as bebidas alcoólicas, estando a tomar medicamentos, aumenta exponencial, os efeitos destes, levando a lapsos de memória e perda de consciência, pelo que e contrariamente ao que faz crer o Douto Acórdão, a verdade é que o mesmo não poderia, em momento algum, ter a consciência necessária à prática do acto de que vem acusado.
XXIV. Tanto mais que, conforme dá como provado o Douto Acórdão, o ora Recorrente já teria tido problemas com o álcool (ponto 28 e 38 dos factos provados).
XXV. Aliás, da análise dos testemunhos que acima se transcrevem, e para onde se remete, dúvidas não nos restam de que atenta a quantidade de álcool ingerida, bem como o facto do mesmo se encontrar a ser medicamentado, certamente que o mesmo não teria, de todo, a consciência necessária para poder agir livre, deliberada e conscientemente conforme se dá como provado no poto 17.
XXVI. Pelo que, no entender do ora Recorrente, andou mal o tribunal a quo quando, não obstante reconhecer que o arguido se encontrava alcoolizado e medicamentado com medicamentos para a depressão, reconhece e dá como provado que este teria o discernimento necessário para agir conscientemente! XXVII.
Ainda no que concerne a este ponto entende o arguido que o tribunal a quo andou mal, pois da análise da prova produzida, e não obstante individualizar todos os actos à noite em questão, deveria este ter ido mais atrás no tempo, XXVIII.
Deveria o tribunal a quo ter dado como provado que desde o fim da tarde que o arguido se encontrava a ingerir bebidas alcoólicas, XXIX. Sendo que tais factos deveriam ter sido dado como provados, atenta as declarações prestadas pelas testemunhas, quer de acusação – BB, quer de defesa – EE, os quais declaram, sem qualquer razão para se colocar em causa tais depoimentos, que o arguido teria ingerido diversas bebidas alcoólicas.
XXX. Aliás, conforme declarações prestadas, (BB Gravação 10/03/2016, com início a 00:03:15 e fim 00:30:30, e EE Gravação 14/03/2016, com início a 00:00:00 e fim 00:07:42).
XXXI. Dúvidas não nos restam de que é por demais evidente que o ora Recorrente, aquando dos actos, não se encontrava de todo consciente dos seus actos.
XXXII.
Devendo, na opinião do ora Recorrente, o tribunal a quo ter dado como provado que este, antes mesmo de ter-se deslocado para o ... teria, em diversos outros estabelecimentos, ter ingerido diversas outras bebidas.
XXXIII.
Pelo que, no entender do ora Recorrente, andou mal o tribunal a quo quando, por defeito, não dá como provado, nem não provado, factos que são por demais evidentes e que na sua opinião influenciam a decisão dos presentes autos.
XXXIV.
Posto isto, deveria o tribunal a quo ter dado como provado estes factos e não subsumir os mesmos à hora e local em concreto.
XXXV.
Não o fazendo, andou mal o tribunal a quo.
XXXVI.
Por outro lado e ainda no que concerne à análise da matéria de facto, entende o ora Recorrente que andou igualmente mal o tribunal a quo quando dá como não provado a existência de agressões anteriores ao acto perpetuado pelo arguido.
XXXVII.
Facto que, como se fará ver, terá influência clara na decisão em causa, bem como na medida da pena a aplicar.
XXXVIII.
Na verdade, aquando dos momentos anteriores à agressão, ficou criada “na mente” do arguido uma situação clara em que existiria uma agressão ao colega que com ele se havia deslocado ao bar.
XXXIX.
Agressão que não correspondia à verdade, mas que, atento o estado em que o mesmo se encontrava, dúvidas não nos restam de que o mesmo, erradamente, o aceitou como verdadeiro.
XL. Assim e atento o exposto, o ora Recorrente no meio da confusão que se gerou criou a ideia de que o seu colega BB estaria a ser vitima de uma agressão e foi em seu encalce.
XLI. Sendo que tal possibilidade é claramente evidente nas declarações prestadas pelas testemunhas, (nomeadamente DD Gravação 29/02/2016, com início a 00:04:06 e fim 00:37:29; FF Gravação 29/02/2016, com início a 00:01:44 e fim 00:22:54; CC Gravação 10/03/2016, com início a 00:03:18 e fim 00:07:02; BB Gravação 10/03/2016, com início a 00:05:54 e fim 00:32:42; entre outras).
XLII. Analisada a prova testemunhal ali exposta e acima transcrita, dúvidas não restam ao ora Recorrente de que andou mal o tribunal a quo quando não dá como provada a existência de conflito anteriores à primeira intervenção do ora arguido.
XLIII. Na verdade e se bem que as testemunhas possam variar quanto à forma da agressão, a verdade é que existe uma troca de palavras entre dois dos intervenientes, sendo que existe um empurrão entre ambos.
XLIV. Sendo que tal “agressão” anterior, conjugado com o facto de que o arguido tinha a sua mente...
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