Acórdão nº 103/13.1YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução14 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: “AA, S.L.P.

”, com sede em Barcelona, e, “AA & Associados R.L.”, com sede em Lisboa, pediram (em 10/1/2013) contra BB o reconhecimento da sentença arbitral proferida em Barcelona, em 30/8/2012, mediante a qual o requerido foi condenado a pagar-lhes a quantia de € 4.516.536,78, com fundamento no incumprimento pelo mesmo do “Convénio de Integração Profissional das Relações Sociais” de ambas as requerentes, subscrito por todos os respectivos sócios, designadamente o próprio requerido, no qual se previu a cláusula penal em que se estribou tal condenação, bem como que todos os litígios que, no seu âmbito, se suscitassem seriam resolvidos definitivamente mediante arbitragem, a qual seria executada por um árbitro, em Barcelona e de acordo com a lei espanhola.

O requerido opôs-se ao pretendido reconhecimento, em suma, com os seguintes fundamentos: 1º - Nenhuma das requerentes se vinculou à convenção escrita em que se baseou a arbitragem que desencadearia a sentença a reconhecer; 2º - Considerando a lei espanhola, escolhida para regular a arbitragem, a convenção seria inválida porque a deferiu a um árbitro singular, quando essa lei exige que seja colegial a arbitragem de litígios entre membros de sociedades de advogados; 3º - A convenção arbitral é ineficaz porque, com o dito convénio, em qualquer das suas versões, se pretendeu obter um resultado material idêntico ao da fusão entre as duas sociedades e vincular os sócios da segunda requerente ao mesmo, como se este encerrasse os respectivos estatutos, sem que estes fossem apresentados a registo junto da Ordem dos Advogados de Portugal – contrariando normas de ordem pública e com vocação de aplicação imediata e necessária [arts. 4º do DL 513-Q/79 de 26/12 e 43º da LSA (DL 229/2004 de 10/12, que aprova o regime jurídico das sociedades de advogados)] – sendo que, aliás, tal organismo declarou a ineficácia do dito convénio, pelo que a cláusula arbitral nele contida é, também, ineficaz; 4º - A matéria em litígio era inarbitrável, por força do disposto no art. 204º do EOA (Lei 15/2005 de 26/1), vigente em 2009; 5º - O resultado da sentença arbitral em causa é contrário à ordem pública internacional do Estado português, pelos seguintes motivos: a) viola o princípio da segurança jurídica (art 2º da CRP), de que deve gozar o acto administrativo mediante o qual o Conselho Geral da Ordem de Advogados declarou a ineficácia do dito convénio; b) viola normas de concorrência (arts. 101º/1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia e 9º da Lei nº 19/2012, de 8/5, que aprovou a Lei da Concorrência); c) viola normas fundamentais, designadamente dos direitos de liberdade de escolha de profissão (art 47º da CRP) e da livre iniciativa económica (art. 61º da CRP); d) viola as normas dos artigos 811º/3 e 812º/1 do CC e o princípio da proporcionalidade (art. 18º da CRP). As requerentes responderam, refutando tais fundamentos.

A Relação de Lisboa recusou o peticionado reconhecimento, por considerar que: 1º - a sentença arbitral respeita a um litígio não abrangido por convenção de arbitragem, dado inexistir convenção relativamente à segunda requerente; 2º - a convenção de arbitragem não colegial é inválida, em função da lei (espanhola) a que as partes a sujeitaram; 3º - a matéria em litígio é inarbitrável, em face do art. 204º da L 15/2005 de 26/1 (Estatuto da Ordem dos Advogados vigente em 2009); 4º - o resultado da sentença arbitral em causa nos autos – condenação do requerido na importância de € 4.516.536,78, decorrente da aplicação da lei civil espanhola – contraria o princípio integrante da ordem pública internacional do Estado português, consagrado no art. 812º do CC português.

As requerentes interpuseram recurso de revista desse acórdão da Relação, em que adversaram cada um dos motivos de recusa em que se estribou a decisão recorrida, tendo, quanto ao último deles (contrariedade à ordem pública internacional do Estado português), explanado as seguintes conclusões: «63ª Uma vez que na delimitação deste fundamento de recusa o Tribunal a quo extravasa daquilo que comummente é aceite como sendo a ordem pública internacional, recorda-se que:

  1. Apenas a ofensa da ordem pública internacional constitui fundamento de recusa de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras.

  2. O conjunto de princípios e regras que integram a ordem pública internacional tem um âmbito muito mais restrito do que a ordem pública nacional; c) A ofensa da ordem pública internacional não se reconduz a todo o acervo de normas injuntivas do ordenamento jurídico e causa, d) A ordem pública internacional é apta a veicular os princípios e normas fundamentais da ordem jurídica do foro que tenham aplicação a situações transnacionais e que sejam partilhados pela comunidade internacional.

  3. A contrariedade à ordem pública internacional do Estado português é causa de recusa do reconhecimento de sentença arbitral estrangeira apenas quando o reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado português. É necessário que da aplicação da sentença resulte uma intolerável e flagrante ofensa os princípios fundamentais estruturantes da presença de Portugal no concerto das nações.

  4. Este fundamento de recusa da não permite a revisão do mérito da causa.

  1. Ora, não se está perante uma sentença arbitral cujo reconhecimento ou execução conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado português.

  2. Em primeiro lugar, não existe em Portugal nenhum princípio de ordem pública nacional que imponha ao tribunal a redução de uma pena convencional manifestamente excessiva, quer tal redução lhe seja pedida pelo devedor quer o não seja. O único princípio de ordem pública é o de que as partes não podem retirar ao tribunal, por convenção, o poder de o fazer. É isto que é reconhecido quer pela doutrina quer pela jurisprudência nacionais.

  3. Mas é, pelo menos, duvidoso que um tal princípio de limitação da autonomia da vontade privada se integre naquilo a que o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 09.10.2003 apelidou de “princípios fundamentais estruturantes da presença de Portugal no concerto das nações” e possa ser, desse modo, integrado no conceito geralmente aceite de ordem pública internacional. De qualquer modo, essa averiguação extravasa claramente do contexto deste processo, onde uma tal limitação convencional se não verificou.

  4. Mesmo que existisse, em Portugal, um qualquer princípio de ordem pública internacional que impusesse aos tribunais a redução das penas convencionais excessivas, o que não ocorre, nem mesmo assim se verificaria in casu qualquer infração desse princípio nos termos apontados pelo Acórdão.

  5. Desde logo, porque o Oponente não solicitou tal redução ao tribunal arbitral, pelo que nenhum tribunal português, à luz do direito nacional, poderia, sequer, ter reduzido a cláusula estabelecida no Convénio.

  6. A interpretação do Tribunal a quo, se fosse aceite na sua substância pela jurisprudência portuguesa, resultaria na atribuição de uma capitis deminutio às decisões arbitrais proferidas em Espanha, recusando-lhes liminarmente o reconhecimento sempre que envolvessem condenações com base em cláusulas penais porque, sendo ou não excessivos os valores arbitrados, tendo ou não tendo sido pedida a redução pelo devedor, sempre existiria, em pano de fundo, uma norma de direito de espanhol que impediria a redução caso a pena fosse manifestamente excessiva.

  7. Acresce que o processo não contém elementos para se avaliar da alegada excessividade da cláusula penal pactuada, como sejam a superioridade em relação ao dano efetivo e outros que se revelem adequados, de índole objetiva e subjetiva.

  8. O Acórdão desconsiderou que, como reconhecido na Sentença arbitral, os interesses das Recorrentes subjacentes à cláusula penal compulsória foram prejudicados de forma vultuosa, pelo “desvio”, da sua organização económica comum, de um acervo patrimonial imaterial (clientela, advogados, pessoal administrativo), assim como desconsiderou a consciência do Recorrido na violação das suas obrigações, a gravidade dessa violação e, bem assim, o valor do correspondente benefício obtido pelo Recorrido com a violação da sua obrigação e que tem o seu reflexo na valorização do mesmo “estabelecimento” com que entrou no capital da sociedade de advogados que hoje é sócio.

  9. Também não se entende como é que a qualidade de uma pessoa, singular ou coletiva, possa ter qualquer influência no juízo de excessividade de uma penalidade que lhe seja aplicável. Uma pessoa singular multimilionária está em muito melhores condições de pagar uma qualquer quantia do que uma pequena sociedade que explora um pequeno quiosque de venda de jornais.

  10. A douta decisão recorrida omite, porque é certamente superior que à remuneração bruta do Recorrido que refere, qualquer referência ao montante que o Recorrido auferiu em virtude da transferência, que patrocinou, de clientes e da equipe – advogados e funcionários administrativos – para a sociedade de advogados de que se tomou sócio.

  11. De resto, as cláusulas penais dos artigos 18º e 19º do Texto Articulado foram desenhadas de modo a refletir o valor de um goodwill perdido em caso da sua violação, calculado do modo como os sócios, incluindo o Recorrido, entendiam que tal deveria ser feito.

  12. O valor a que chegou o Tribunal Arbitral respeitou escrupulosamente os métodos escolhidos, averiguando de forma criteriosa os valores em jogo, sujeitando-os a duas perícias, sobre as quais discreteou na Sentença, corrigindo aquilo que lhe não parecia adequado.

  13. Em parte alguma da Sentença recognoscenda considerou o Árbitro que a cláusula era excessiva e que não a poderia moderar por estar impedido pela lei espanhola. Pelo contrário, ao abordar a questão da possibilidade de “moderar” a penalidade quantificada, o árbitro declara que “o incumprimento deve ser qualificado como total, sem que se possa falar de...

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