Acórdão nº 2004/08.6TVLSB.L2.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2004/08.6TVLSB.L2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência) Reclamação para a Conferência + Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): AA interpôs, nos termos dos art.s 688.º e seguintes do CPCivil, recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência contra o acórdão de 10 de novembro de 2020 proferido por este Supremo Tribunal de Justiça no processo de que o presente é apenso (fls. 1495 e seguintes).

Alegou para o efeito, e entre o mais, que esse acórdão está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de março de 2017, proferido no Processo n.º 103/13.1YRLSB.S1, e de que juntou cópia com nota de trânsito em julgado.

+ Foi proferida decisão pelo relator a rejeitar o recurso por não ser identificável a suposta contradição de julgados.

+ Dessa decisão reclama agora o Recorrente para a conferência, pretendendo que o recurso seja admitido.

+ A parte contrária, C..., S.A.

, respondeu à reclamação, concluindo pela manutenção da decisão sob reclamação.

+ Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

+ A decisão do relator é do seguinte teor: “Como decorre claro do art. 688.º, n.º 1 do CPCivil, uma das condições para o recurso extraordinário para a uniformização de jurisprudência é que o acórdão de que se pretende recorrer esteja em contradição com outro acórdão anteriormente proferido pelo Supremo sobre a mesma questão fundamental de direito.

Conforme jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça, uma questão fundamental de direito considera-se decidida de forma oposta quando corresponde a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica fundamental. As decisões são divergentes se têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo - tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito - são análogas ou equiparáveis. O conflito jurisprudencial pressupõe, pois, uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto.

Acresce que a questão de direito em que assenta a alegada divergência deve assumir um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, isto é, deve integrar a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto (não sendo suficientes para o efeito considerações jurídicas marginais ou acessórias com natureza simplesmente de obiter dicta). Também não integram uma real oposição de julgados representações meramente implícitas ou pressupostas.

Daqui que, e como resulta do que diz Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pp. 116 e 117), o requisito da mesma questão fundamental de direito não se verificará quando o núcleo da situação decidenda, à luz da norma aplicável, não seja idêntico. Do que resulta, conclui, que o conflito jurisprudencial se verifica apenas quando os mesmos preceitos são interpretados e aplicados diversamente a enquadramentos factuais idênticos.

Ora, no caso vertente constata-se que o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento não se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito assim delineada.

Claramente.

No caso do acórdão-fundamento estava-se em presença de uma condenação proferida por tribunal arbitral espanhol suportada em incumprimento de certas obrigações que para um advogado sócio de duas sociedades de advogados decorriam dos estatutos sociais de uma delas e do convénio de integração profissional e regulamentações das relações sociais dessa sociedade e de uma outra sociedade.

Fora estabelecido que em caso de incumprimento dessas obrigações por parte dos sócios havia obrigação de indemnizar pelos danos causados e, adicionalmente, a título de cláusula penal, ao pagamento de uma importância a calcular em certos termos.

O litígio foi submetido, como competia, a decisão de tribunal arbitral espanhol, que fez valer a cláusula penal compulsória assim estabelecida. Face ao estabelecido nessa cláusula penal, o tribunal arbitral condenou o referido sócio a pagar ás sociedades de advogados a quantia de €4.516.536,78.

O acórdão-fundamento não tolerou o reconhecimento da sentença arbitral com base nos seguintes pressupostos: «Ora, sabendo-se que no último ano (2010) em que o requerido se manteve ligado à segunda requerente obteve um rendimento líquido de €180.000, o patamar a que tal condenação se alcandorou – superior a 4,5 milhões de euros – é verdadeiramente “colossal”, em si mesmo. E ainda o será mais se, feitas as contas, verificarmos que o requerido teria que dedicar todo aquele seu (não desprezível) rendimento anual, ao longo de mais de 25 anos da sua vida para poder satisfazer a sanção (…).

Trata-se de um montante que, por atingir uma ordem de grandeza absolutamente desproporcionada, colide estrondosamente com os nossos bons costumes, mesmo descontando a sua propalada brandura. No caso, atendendo às descritas circunstâncias, a pena estabelecida é de tal maneira elevada que, mais do que meramente excessiva, não pode deixar de se reputar opressiva e sufocadora.

Por outro lado, o reconhecimento desse resultado e, por consequência, do direito exercido pelas requerentes, redundaria no beneplácito ao pretendido efeito de um negócio jurídico, a que subjazeria um visado esforço do requerido que, de tão desmesurado – se não mesmo praticamente inviável - , seria idóneo considerar admissível a restrição, em patente demasia, da liberdade pessoal e económica do mesmo.

O que significaria que a consolidação desse resultado se traduziria na permissão da violação, na procedência ou na fonte, dos fundamentalíssimos direitos de liberdade de escolha de profissão e de livre iniciativa económica, consagrados constitucionalmente (…)».

Como se vê, o acórdão-fundamento trabalhou sobre um substrato factual consistente numa relação travada em torno de duas sociedades de advogados e um seu sócio. E a sua ratio decidendi sustentou-se basicamente na relação (que também fez parte do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT