Acórdão nº 194/14.8TEL.SB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No processo comum nº 19/14.8TEL.SB., da Comarca de Lisboa Norte Loures - Inst. Central- Secção Criminal - ... o Ministério Público acusou o arguido AA, filho de [...], actualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ... à ordem dos presentes autos, imputando-lhe a prática de factos integrantes de 7030 (sete mil e trinta) crimes de pornografia de menores, sendo: - 5 (cinco) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.°, n.º 1, alínea c), agravados nos termos do disposto no artigo 177.°, n.º 6, ambos do Cód. Penal; - 6812 (seis mil, oitocentos e doze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.°, n.º 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no artigo 177.°, n.º 6, ambos do Cód. Penal; e, - 213 (duzentos e treze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no artigo 177.°, n.º 5, ambos do Cód. Penal, todos com referência aos artigos 26.° e 30.°, n.º 1 do citado diploma legal.

Realizado o julgamento, por acórdão de 6 de Dezembro de 2016, o Tribunal Colectivo decidiu: “- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelo art. 176°, nº1, aIs. c) e d) e art. 177°, nº 6 e 7 do Código Penal, em que convola a detenção pelo arguido de 4349 ficheiros de conteúdo pornográfico, na pena de 6 (SEIS) ANOS e 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO; - Absolver o arguido do demais que lhe era imputado.

* Objetos Decide o Tribunal declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos a fls. 141 a 144.

* Após trânsito em julgado: - Remeta boletim ao registo criminal; - Remeta certidão da presente decisão, com nota de trânsito ao INML para efeitos de recolha da amostra de ADN e subsequente inserção na base de dados, nos termos previstos na Lei 512008 de 12 de Fevereiro,,[…]” Inconformado com a decisão, dela recorre o Ministério Público, por intermédio da Exma Procuradora da República, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso: 1ª - Constitui objecto do presente recurso o douto acórdão de fls. 924 e seguintes dos autos identificados em epígrafe, na parte respeitante à condenação do arguido pela prática de um único crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido, pelos art°s 176°, nº 1, alíneas c) e d) e 177°, nºs 6 e 7, ambos do Código Penal, e não pelo número de crimes correspondentes aos ficheiros de imagem e vídeo efectivamente detidos, tal como vinha acusado e, em consequência, quanto à concreta pena aplicada.

Zª - Nada temos a apontar ao douto acórdão recorrido quanto aos factos provados e não provados, nem quanto à fundamentação da decisão de facto, cujas considerações, aliás, subscrevemos, porque conformes com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

  1. - É, porém, nosso entendimento que os factos dados como provados, que correspondem, no essencial e ipsis verbis, aos factos narrados na acusação -, com excepção do número de ficheiros de imagem e de vídeo efectivamente encontrados no dispositivo de armazenamento "EQ02" e no disco rígido do computador, denominado "HDD01", apreendidos ao arguido, num total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove), conforme se alcança do teor dos factos assentes sob os pontos 1. a 13., 16. e 19. a 26.-, preenchem, ao contrário do propugnado pelo Tribunal a quo, os elementos típicos dos seguintes ilícitos: - 5 (cinco) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, nº 1, alínea c), agravados nos termos do disposto no art° 177°, nº 6, ambos do Código Penal; - 4131 (quatro mil, cento e trinta e um) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, nº 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no art° 177°, n° 6, ambos do Código Penal; e, - 213 (duzentos e treze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, n° 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no art° 177°, nº 5, ambos do Código Penal, todos com referência aos artigos 26° e 30°, n° 1 do citado diploma legal.

  2. - O conceito de pornografia não tem definição legal no Código Penal.

  3. - Só com a Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro é que veio a ser punida, expressamente, com a introdução da nova redacção do art° 176° do Código Penal, a utilização de menor em espectáculo, fotografia ou filme pornográfico e a divulgação e aquisição de tais materiais.

  4. - Trata-se de uma neocriminalização, resultante da transposição da Decisão¬Quadro do 2004/68/JAI do Conselho, de 22-12-2003 (Jornal Oficial de 20-01-2004), relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil.

  5. - A criminalização da pornografia de menores só pode significar que o bem protegido tem dignidade jurídico-penal e merece tutela jurídica.

  6. - Ora, ainda que se considere o crime de pornografia infantil um crime de perigo abstracto, a verdade é que não se pode descurar que o bem jurídico protegido é, ainda, eminentemente pessoal.

  7. - E se numa primeira linha surge como bem protegido, um bem jurídico supra individual - direito ao salutar desenvolvimento físico e psíquico na infância e juventude - em segunda linha não pode deixar de se entender, salvo melhor opinião, que visa a protecção da liberdade e autodeterminação sexual.

  8. - Aliás, só assim se compreende a sua inserção sistemática no nosso Código Penal, no Capítulo V - Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, mais concretamente, na Secção II - Crimes contra a autodeterminação sexual.

  9. - Assim, não obstante se tratar de um crime de perigo abstracto, sendo punida a actividade potencialmente lesiva do bem jurídico protegido, independentemente de qualquer dano, deve, na nossa perspectiva, antecipar-se a tutela do bem jurídico, e proteger-se o livre e harmonioso desenvolvimento das crianças e jovens - que inclui a sexualidade, uma vez que se pretende proteger aqueles que ainda não têm capacidade, devido à imaturidade decorrente da idade, de se auto determinarem sexualmente - retratadas/filmadas, porque identificadas ou identificáveis, i. e., com"rosto ".

  10. - Nessa medida, haverá que sancionar cada acto isolado em função do número dos potenciais lesados.

  11. - Subscrevemos as considerações teóricas feitas no douto acórdão recorrido, no que concerne à impossibilidade da aplicação do nº 2 do art° 30° do Código Penal, pois, tratando-se de bens jurídicos eminentemente pessoais (cfr. nº 3 do mesmo artigo), não ocorre qualquer circunstância que diminua consideravelmente a culpa do agente, e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção jurídica no crime continuado - cfr. fls. 1021 a 1026.

  12. - O mesmo se diga quanto à integração da conduta do arguido num único crime de pornografia de menores, em trato sucessivo, construção jurídica que não encontra suporte legal como um modo de execução de crime, tratando-se de uma construção doutrinal e jurisprudencial- cfr. mesmas fls. 1021 a 1026.

  13. - Porém, não podemos concordar, repete-se, com a existência de uma única resolução criminosa, que abarca a partilha de ficheiros (5 "upload's" efectuados pelo arguido, identificados nos factos 1. a 5.) e importação de ficheiros de imagem e de vídeo de conteúdo pornográfico ("download's" efectuados pelo arguido, melhor descritos nos factos 6. a 14.), com intenção de os partilhar, que foram apreendidos na sua posse, no dispositivo de armazenamento "EQ02" e no disco rígido "HDD01", num total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros.

  14. - Com efeito, na nossa perspectiva, é de considerar que cada acto individualmente concretizado, in casu imagem ou vídeo importado, detido, partilhado, ou com vista à partilha, corresponde a uma nova resolução criminosa e preenche os elementos típicos do crime, pelo que haverá tantos crimes quanto as condutas determinadas.

  15. - Assim sendo, da matéria de facto assente, especialmente dos factos 1. a 26., resulta que o arguido importou, partilhou e detinha com vista à partilha, um total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros de imagem e de vídeo, renovando a intenção de o fazer sempre que executou tais acções, pelo que cada uma das suas condutas é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele, autónomo de censura, constituindo assim, um crime, em concurso efectivo, com os demais.

  16. - Donde, não podemos concordar com a opção efectuada pelo Tribunal a quo na subsunção jurídica dos mencionados factos provados, num único crime de pornografia de menores agravado.

  17. - De acordo com a qualificação jurídica dos factos por nós propugnada, o arguido incorre na prática dos ilícitos elencados na conclusão 3ª supra.

  18. - O crime de pornografia de menores, previsto no art° 176°, nº 1, alíneas c) e d) do Código Penal, é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão, a que acrescem as agravantes previstas nos nºs 5 e 6 do art° 177° do mesmo Código.

  19. - Dispõe o art° 40°, nº 1 do Código Penal que "a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ", esclarecendo o seu n° 2 que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".

  20. - Depois de escolhida a pena e para a sua determinação o Tribunal deve eleger os factores relevantes para o efeito, valorando-os à luz dos vectores de culpa e prevenção, nos termos do disposto no art° 71 ° do Código Penal que enumera, no seu nº 2, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes factores de...

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