Acórdão nº 229/14.4TNLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução25 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB Seguros, S.A.

, pedindo a condenação desta a entregar-lhe a quantia de € 55.068,91, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que celebrou com a R. um contrato de seguro que tem por objecto uma embarcação de recreio (S...) de que é proprietário. Precisou que esta sofreu um acidente, pois foi atingida por uma onda de grande dimensão, a qual, conjugada com uma súbita mudança da direcção do vento, provocou a quebra do mastro no primeiro vau. Adiantou que, tendo em vista a salvação da S..., teve de libertar a parte quebrada do mastro e todos os elementos agarrados ao mesmo, circunstância que incrementou os danos registados a bordo, sendo que a reparação de todos eles ascende ao montante de € 55.068,91.

Salientou que o sinistro em causa está coberto pelas condições da apólice e que a R., depois de ter recebido a participação do evento danoso, aceitou pagar apenas o valor de € 17.032,33, tendo contraposto que o capital seguro excede o valor da embarcação segura, mas sem razão, pois a S... vale mais do que € 55.068,91, e a R. nunca pediu a redução do contrato de seguro nem restituiu ao A. quaisquer sobreprémios (arts. 128.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto Lei n.º 72/2008, de 16-04).

A R. contestou a acção, contrapondo que o valor venal das peças a substituir ascende a € 17.032,33, ao qual importa deduzir a franquia de € 1000. Por isso enviou ao A. um recibo de indemnização no montante de €16.032,33, e reiterou junto do mesmo a decisão de apenas lhe entregar tal quantia.

Aduziu que o valor do interesse seguro, ao tempo do sinistro, não corresponde ao que está vertido na apólice, pois o contrato foi celebrado em 2008 com o capital seguro no montante de € 100.000 e este jamais foi actualizado pelo A. como era seu dever, sendo certo que os anteriores proprietários da embarcação fizeram o respectivo seguro em 2003 pelo mesmo valor. Por isso, e dado que o valor venal da embarcação era, à data do sinistro, inferior ao capital seguro, verificou-se uma situação de sobresseguro no decurso do contrato, a qual determina que a prestação da R. para com o A. esteja limitada ao valor venal do bem seguro e nesse contexto não possa exceder os € 16.032,33.

Num outro plano, argumentou que não está em mora, pois foi o A. quem recusou o valor indemnizatório proposto, pelo que não há lugar a qualquer pagamento de juros de mora.

Terminou pedindo a improcedência da acção ou a procedência parcial da mesma, mas limitada ao montante de € 16.032,33, absolvendo-se a R. quanto ao demais.

A fls. 158 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. no pagamento ao A. da quantia de € 16.032,33, acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir do trânsito em julgado da sentença.

Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 245 foi decidido o seguinte: “Face ao exposto, julga-se procedente a Apelação e, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância condena-se a Ré/Apelada BB - SEGUROS, SA, a pagar ao A./Apelante AA, a quantia de € 55 068,91 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.” 2.

Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1. A proposta de seguro, dada por reproduzida na alínea b) dos factos provados, indica as verbas em que se decompõe o capital seguro, no valor de € 100.000.

  1. Nessa proposta, autonomizou-se, entre outras, as seguintes verbas: mastro (€ 20.000), vela grande (€ 10.000), genoa (€ 7.000), casco (€ 20.000) e aparelhos de apoio à navegação (€ 8.000).

  2. O documento junto à p.i. sob doc. 5, cujo teor constitui uma extensão do facto alegado no art. 13° desse articulado, o qual foi julgado provado - alínea n) dos factos provados -, e o relatório de peritagem (doc. 3 da contestação), que foi um dos elementos que serviu de base à decisão vertida naquela alínea n), permitem determinar as parcelas cuja soma perfaz o custo de reparação, no valor de € 55.068,91 (com IVA incluído), mencionado na referida alínea dos factos provados.

  3. Essas parcelas são as seguintes: mastro (€ 26.495,17), vela grande (€ 9.699,69), genoa (€ 7.323,63), casco (€ 4.998,63) e aparelhos de apoio à navegação (€ 6.551,78).

  4. Assim, a decisão de facto, ainda que indirectamente, permite determinar, por um lado, as verbas em que se decompõe o capital seguro de € 100.000 (e, consequentemente, por que verbas foram seguras as partes da embarcação afectadas pelo sinistro) e, por outro, as parcelas em que se decompõe o custo total de reparação, no valor de € 55.068,91.

  5. Está provado que a embarcação "S...", embora se encontrasse segura pelo valor de € 100.000, valia, à data do sinistro, € 60.000 (alíneas d) e y) dos factos provados), ou seja, sofrera uma desvalorização de 40%, por referência ao capital por que fora segura.

  6. Verifica-se, pois, existir uma situação de sobresseguro, que se encontra regulada no artigo 5° do Capítulo IV das CGA.

  7. O número 5.1 estabelece que, sendo o capital seguro superior ao valor dos bens seguros à data do sinistro, "..., o Seguro só é válido até à concorrência do valor dos Bens, ...", estipulando o número 5.2 que "Segurando-se diversos bens por quantias e verbas designadas separadamente, os preceitos do número anterior são aplicáveis a cada uma delas, como se fossem Seguros distintos".

  8. Com recurso à equidade, parece razoável considerar-se que os bens autonomizados na proposta de seguro sofreram desvalorização equivalente à da embarcação segura, pelo que, tal como esta, valiam, à data do sinistro, sensivelmente, 60% dos respectivos capitais garantidos.

  9. Do que resulta que os bens seguros por valores indicados separadamente, atingidos pelos estragos resultantes do sinistro, tinham, à data em que este ocorreu, os seguintes valores: mastro - € 12.000; vela grande - € 6.000; genoa - € 4.200; casco - € 12.000; aparelhos de apoio à navegação - € 6.000.

  10. Em relação ao mastro, à vela grande, à genoa e aos aparelhos de apoio à navegação, em virtude de os seus custos de reparação excederem os respectivos valores venais, a responsabilidade da R. encontra-se limitada a estes últimos, nos termos dos números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV das CGA.

  11. A situação é diferente quanto ao casco, pois o seu custo de reparação é inferior ao seu valor venal, pelo que a indemnização deve corresponder àquele custo, nos termos do número 4.3 da Secção II do Capítulo II das CGA, cuja aplicação não é, neste caso, condicionada pela regra do número 5.1 do Capítulo IV das CGA.

  12. Assim, nos termos dos números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV e do número 4.3 da Secção II do Capitulo II das CGA (este último aplicável, apenas, aos danos no casco), a indemnização não deve ultrapassar os € 33.198,63 (€ 12.000 + € 6.000 + € 4.200 + € 6.000 + € 4.998,63).

  13. A esse valor deve ser deduzida uma franquia de € 1.000, correspondente a 1% do capital seguro, prevista nas condições particulares da apólice, dadas por reproduzidas na alínea c) dos factos provados, do que resulta que a responsabilidade da R. se encontra limitada ao valor de € 32.198,63.

  14. Apesar de as partes da embarcação afectadas pelo sinistro (mastro, vela grande, genoa, casco e aparelhos de apoio à navegação) se encontrarem seguras por quantias designadas separadamente, o tribunal a quo desconsiderou os números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV das CGA e, por conseguinte, não teve a preocupação de apurar o valor venal daqueles bens à data do sinistro, para o que deveria ter recorrido à decisão de facto, estendendo, nos termos pugnados, a desvalorização sofrida pela embarcação segura às suas partes, por referência aos respectivos capitais seguros.

  15. Atendendo à regra contida nos referidos números 5.1. e 5.2, o disposto no número 4.3 da Secção II do Capítulo II das CGA, aplicado pelo tribunal a quo à totalidade dos danos, apenas deveria ter sido aplicado aos danos sofridos pelo casco, sendo que, quanto aos danos incidentes sobre as demais partes da embarcação afectadas (isto é, o mastro, a vela grande, a genoa e os aparelhos de apoio à navegação), a indemnização encontra-se limitada ao valor desses bens.

  16. Pelo exposto, no acórdão recorrido, desconsiderou-se os números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV e, por conseguinte, aplicou-se, indevidamente, à totalidade dos danos o número 4.3 da Secção II do Capítulo II das CGA, quando esta disposição apenas deveria ter sido aplicada aos danos sofridos pelo casco, já que, nesse caso, o seu custo de reparação é inferior ao respectivo valor venal (diferentemente do que se verifica com as demais partes da embarcação afectadas pelo sinistro).

  17. Naquele acórdão, além das referidas disposições contratuais, o tribunal a quo desconsiderou e/ou interpretou indevidamente os arts. 49°/ 1, 2 e 3...

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