Acórdão nº 1524/12.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, e EE, intentaram ação comum contra FF, SA, GG, SA, HH e mulher, II, JJ e mulher, LL, e MM, Lda, pedindo que seja: - declarada a nulidade da deliberação de afetação do terraço da cobertura, em exclusivo, à fração designada pela letra “R”, cancelando-se o respetivo registo; - declarada a nulidade da deliberação de aprovação de afetação e conversão do torreão em parte própria da fração “R”, cancelando o respetivo registo; - declarada a nulidade das modificações ao título constitutivo da propriedade horizontal; - condenados os 4ºs e 5ºs réus a reparar os danos provocados com as obras de substituição do elevador.
Alegam, em síntese, que: - são todos proprietários de frações autónomas de um prédio sito em Lisboa, constituindo conjuntamente com o Banco ...., a totalidade dos proprietários; - em assembleia de condóminos de 29 de junho de 2010 foi deliberado atribuir o uso exclusivo da parcela de terraço que é comum à fração autónoma propriedade dos 4ºs réus e converter o torreão do edifício em parte própria da mesma fração; - essas deliberações, contrariamente ao que ficou a constar da respetiva ata, não foram aprovadas pela totalidade dos condóminos, uma vez que um dos intervenientes era o locatário financeiro da fração propriedade do referido Banco, não se tendo este feito representar; - para que os autores tomassem a decisão de aprovar as alterações à propriedade horizontal foi determinante a intervenção, na referida assembleia, de uma senhora que os induziu a crer que era a futura compradora da fração dos 4ºs réus, levando-os a crer que essa aprovação era um ato de simpatia para com ela; - as obras que aprovadas como contrapartida da alteração da propriedade horizontal não chegaram a ser integralmente concretizadas e as que foram realizadas para a substituição do elevador causaram danos nas partes comuns; - as deliberações são inválidas seja por anulabilidade com fundamento em erro, seja por verificação do vício da nulidade.
Os Autores requereram a intervenção principal, como seu associado, do Banco ..., S.A.
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Contestaram os 1º, 2º, 4ºs e 5º RR., sustentando, nomeadamente, a validade das deliberações impugnadas, tendo os 4ºs e 5º RR. excepcionado a ilegitimidade dos Autores, a sua ilegitimidade, a caducidade do direito de ação e o abuso de direito, e pedido a condenação dos Autores como litigantes de má fé por conhecimento da manifesta falta de fundamento da sua pretensão – concluindo pela improcedência da ação e os 1º e 2º R.R. deduziram, ainda, pedido reconvencional.
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Admitida a respetiva intervenção, o Banco ... SA, apresentou articulado, afirmando não ter sido convocado, na qualidade de condómino, para a assembleia em causa.
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Realizou-se a audiência prévia, onde foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido reconvencional, fixado o valor da ação e saneado o processo (julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa, julgada sanada a ilegitimidade passiva e improcedente a caducidade).
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Efetuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a ação parcialmente procedente, declarando-se: - a nulidade da deliberação obtida na assembleia de condóminos de 29 de julho de 2010 do prédio sito na ... e ..., em Lisboa, de aprovação da afetação, na sua totalidade, do uso do terraço de cobertura desse prédio, em exclusivo, à fração autónoma designada pela letra “R”; - a nulidade da deliberação, obtida na mesma assembleia, de afetação e conversão do torreão do prédio em parte própria da fração autónoma designada pela letra “R”; - a nulidade da alteração do título constitutivo da propriedade horizontal consequente a essas deliberações e ordena-se o cancelamento do respetivo registo, efetuado em 17 de fevereiro de 2012.
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Não se conformando com esta decisão, os Réus JJ e LL e MM, Lda. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
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A Relação de Lisboa veio a julgar improcedentes os recursos de apelação, mantendo a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
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Inconformados com tal decisão, os Réus/Apelantes vieram interpor o presente recurso de revista (que foi liminarmente admitido pela formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil) formulando as seguintes (transcritas) conclusões: - Recorrentes JJ e LL - 1ª. O acórdão de 17/12/2015 não pode subsistir, pois: a) A escritura de alteração da propriedade horizontal do prédio identificado nos Factos Provados sob o n.º 1, foi outorgada em 16/02/2012, em execução das deliberações de condóminos do prédio tomadas por unanimidade em 29/07/2010; b) O voto emitido nessas deliberações, imputável à fracção "I", vale como o acordo por parte daquela fracção à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo menos na relação com os ora Recorrentes; c) Mesmo que não valesse, o vício daí resultante para as deliberações sempre seria a mera anulabilidade, nunca nulidade ou tão pouco ineficácia; d) E, em qualquer caso, à procedência do vício das deliberações (fosse ele de nulidade, anulabilidade ou mesmo ineficácia) sempre obstaria o abuso de direito.
2ª. Não obstante O acórdão recorrido haver confirmado, sem votos de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença da 1.ª instância, estão, ainda assim, reunidos os pressupostos para que a presente revista excepcional seja admitida nos termos e com os fundamentos expostos supra nos pontos 3. a 44., o que se requer.
3ª. Pressupondo a admissão desta revista excepcional, as questões a resolver neste recurso são as seguintes: a) Pode o locatário financeiro aprovar deliberações de condóminos que alterem o título constitutivo da propriedade horizontal? b) Toda a deliberação de condóminos que viole o art. 1419º., nº1 (norma imperativa) está inevitavelmente ferida de nulidade? c) A modificação do título constitutivo da propriedade horizontal. com violação do art. 1419º, nº1, impede o funcionamento do abuso de direito mesmo contra os condóminos que, tácita ou expressamente, aceitaram modificá-lo? 4ª. Em relação à primeira questão, há que começar por dizer que a matéria de facto permite concluir, sem sombra de dúvida, que nas deliberações modificativas do título constitutivo de 29/07/2010, como nas anteriores de 26/05/2009 e 07/07/2009, que tiveram igual propósito, o locatário financeiro sempre foi visto por todos os condóminos e pela administração como quem legitimamente «representava» a fracção "I", independentemente de estar a actuar nome próprio, em nome de outrem ou sob o nome de outrem.
5ª. Feita exta contextualização, podemos agora afirmar que, por força do art.10.º, n.º 2, e) do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, na sua redacção actual, é ao locatário financeiro que compete exercer os direitos próprios do locador em relação à fracção autónoma, tendo este assim legitimidade para aprovar as deliberações em causa, não se verificando qualquer violação do art. 1419º. do Código Civil por ter sido ele a estar na assembleia e não o locador.
6ª. Em qualquer caso, e tão importante quanto o que acima ficou dito, a matéria de facto provada demonstra (ainda) uma tolerância absoluta do locador financeiro em relação à representação que em seu nome vinha sendo exercida pelo locatário financeiro da fracção "I", a qual determina que o mesmo esteja vinculado ab initio pela deliberação, uma vez que nos termos do art. 334.º constituiria um verdadeiro venire contra factum proprium pôr posteriormente em causa a representação que sempre tolerou.
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Passando para segunda questão objecto do recurso, mesmo que não existisse a apontada representação tolerada. a suposta falta de acordo do BBVA não conduz à nulidade mas a mera anulabilidade das deliberações em causa, como tal inoponível aos 4.ºs Réus pelos Autores.
que careceriam de legitimidade para o efeito.
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De facto, a entender-se que o acordo do locatário financeiro não teria sido suficiente e que continuaria a ser exigida a autorização do locador financeiro para estas deliberações concretas, tal não afectaria nos termos gerais a validade da representação da fracção "I" efectuada pelo locatário financeiro, havendo nesse caso apenas um abuso de representação. nos termos do art. 269.º, que poderia ser invocado única e exclusivamente pelo BBVA, nunca pelos Autores. E mesmo pelo BBVA, não poderia sê-lo, como veremos abaixo.
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Ainda que se considere que o caso sob análise não configura abuso de representação, insiste-se que o desvalor das deliberações associado à suposta violação da regra da unanimidade do art. 1491.º. n.º 1, nunca poderia ser a nulidade mas a anulabilidade simples, inoponível aos 4.ºs Réus pelos Autores, que continuariam a carecer de legitimidade para o efeito.
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A respeito do alegado desvalor das deliberações, o acórdão recorrido denota uma confusão manifesta, mas inaceitável, entre normas imperativas e normas dispositivas, por um lado, e entre inderrogabilidade e inviolabilidade, por outro. Uma leitura do texto de Vasco Lobo Xavier, "Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no projecto de Código das Sociedades", Separata da RLJ, 118.º, 1985, n.º15, que se recomenda, de certeza que teria dissipado a confusão, tal é a clareza da exposição.
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Normas imperativas são aquelas cuja disciplina, atenta a importância dos interesses tutelados (indisponíveis por natureza), se impõe às partes, de forma que nem sequer por acordo destas é possível estabelecer disciplina oposta ou divergente àquelas, ou seja são as também chamadas normas inderrogáveis. Pelo contrário, as normas dispositivas são, à partida, as susceptíveis de derrogação pelas partes.
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O que distingue umas das outras não é o facto de umas não poderem ser violadas (supostamente as imperativas) e outras poderem sê-lo (supostamente as dispositivas). O que as distingue é, como se viu, a susceptibilidade de o respectivo conteúdo (entenda-se, disciplina legal) poder ser afastado, ou não, pois, violável, toda a norma...
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