Acórdão nº 36/12.9TBALD.C1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução05 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 36/12.9TBALD.C1-A.S1 Revista Excecional Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Coimbra + Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA, BB, CC e Herança Ilíquida e Indivisa de DD demandaram, pelo então Tribunal da Comarca de ... e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, Companhia de Seguros EE, S.A.

, peticionando a condenação desta: a) a reconhecer que, por força dos contratos de seguro a que aludem, está obrigada a pagar à Caixa FF o valor do capital seguro devido à Caixa em 17 de outubro de 2010; b) a pagar à Caixa FF o valor do capital em dívida a essa data, no montante de €297.600,00; c) a pagar todo o capital que seja considerado em dívida à Caixa FF por força dos contratos referidos na ação 1/12.6TBALD; d) a pagar aos Autores o valor correspondente a todas as prestações que, relativamente aos contratos de mútuo a que se reportam, satisfizeram à Caixa FF desde 10 de outubro de 2010, valor esse estimado em €12.000,00; e) a pagar juros de mora desde a citação.

Alegaram para o efeito, em síntese, que a 1ª Autora era casada com DD, falecido, e os 2º e 3ª Autores filhos de ambos. A 1ª Autora e o falecido marido haviam contratado com a Caixa FF os mútuos que descrevem, no âmbito dos quais aderiram a seguros, cujo prémio sempre pagaram, seguros esses que a mutuante Caixa FF (tomadora e beneficiária) celebrara com a Ré. Nos termos dos seguros, a Ré vinculou-se a satisfazer à Caixa o que estivesse em dívida por força dos referidos mútuos em caso, nomeadamente, de morte da 1ª Autora ou marido (pessoas seguras). Sucede que em 17 de outubro de 2010 DD veio a falecer, isto em decorrência de um acidente quando caçava (atingimento por disparo de arma de fogo). Têm assim os Autores direito a ver pagas pela Ré à Caixa FF as quantias a que se reportam no seu petitório (capital em dívida à Caixa à data do falecimento, e acréscimos), porém a Ré recusa-se a tanto.

Mais requereram, e viram depois deferida, a intervenção da Caixa FF, S.A. como sua associada.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Disse, em síntese e além do mais que para aqui não relava, que vieram a ficar excluídas do âmbito dos contratos de seguro em causa, por alteração das respetivas condições gerais, as coberturas de todas as ações ou omissões praticadas pela pessoa segura quando a esta for detetado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro. Na realidade, e na sequência da entrada em vigor do novo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL nº 72/2008, a Ré havia informado a Caixa FF, nos termos e para os efeitos do art. 3º, nº 2, 2ª parte de tal diploma, da atualização nesse sentido das condições contratuais aplicáveis às apólices em discussão a partir da renovação subsequente, e sendo que era à tomadora Caixa que competia informar atinentemente as pessoas seguras. Ocorre que o falecido DD apresentava, aquando do facto que o vitimou, um grau de alcoolemia de 1,48 g/l, e daqui que as indemnizações cujo pagamento é reclamado pelos Autores estão excluídas das coberturas dos seguros. Acresce que o falecido, ao caçar com arma de fogo sendo portador da referida taxa de alcoolemia, estava incurso na prática de crime, e por isso nunca seria admissível a assunção por via de seguro das consequências do facto criminoso.

Replicaram os Autores, deduzindo, a título subsidiário, pedido de condenação da Ré a pagar-lhes a eles próprios o valor de todo o capital em dívida à data de 17 de outubro de 2010 no montante de €297.600,00.

Seguindo a ação seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os três primeiros Autores.

Fizeram-no sem sucesso, pois que a Relação de Coimbra confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformados, interpuseram os mesmos Autores o presente recurso de revista excecional.

A formação de juízes a que se refere o nº 3 do art. 672º decidiu pela verificação dos pressupostos da admissibilidade excecional da revista, por contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de abril de 2015, proferido no processo nº 294/2002.E1.S1, isto no que respeita ao segmento em que se julgou diversamente a questão de saber se eram (como se decidiu no acórdão recorrido) ou não eram (como se decidiu no acórdão fundamento) oponíveis pela seguradora aos segurados aderentes aos seguros de grupo as alterações contratuais operadas sem que o tomador do seguro tivesse mostrado que as comunicou aos segurados. Afastado da admissibilidade da revista ficou, como decidido expressamente pela formação, o conhecimento das seguintes questões, a que a Relação deu resposta positiva: saber se a morte de DD ocorreu ou não em resultado de uma ação ou omissão da pessoa segura; saber se o facto de o falecido ser portador da taxa de alcoolemia no sangue de 1,48 g/l no exercício da caça exclui ou não a responsabilidade da seguradora com fundamento na atuação criminosa do falecido.

Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões (são mencionadas apenas as que interessam ao conhecimento do objeto da presente revista excecional tal como está agora definido o seu objeto): 11ª. Tal como decidido no acórdão fundamento, é de entender que a seguradora responde diretamente perante o segurado pela falta de informação, sem prejuízo de poder depois acionar, no plano das relações internas, o Banco, caso demonstre que a falta de informação se ficou a dever a culpa deste. A responsabilização direta da seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa-fé, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito de consumo, se deve proteger, em primeira linha, a parte mais débil na relação contratual - o consumidor segurado.

12ª. O ato de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma proteção equivalente à do segurado num cotrato de seguro individual.

13ª. A relação entre a seguradora e o banco é essencial para o acesso do segurado aos bens e serviços em causa, e portanto deve decorrer tendo em vista os objetivos de proteção do consumidor almejados pelo legislador, não podendo nenhuma das entidades referidas ficar isenta dos deveres de informação em relação ao consumidor.

14ª. A previsão legal do dever de informação a cargo do tomador de seguro não significa que o legislador tenha querido excluir a seguradora de idêntico dever. Não se trata portanto de fazer repercutir na esfera jurídica da seguradora a titularidade de deveres de informação e o cumprimento destes a título pessoal.

15ª. A intenção do legislador, dada a particular vulnerabilidade do aderente, não pode deixar de ter sido a de reforçar o dever de informação de uma das partes do contrato de seguro de grupo - o Banco - e não a de dispensar a seguradora de um dever que, de qualquer forma, já resultava dos art.s 5º e 6º do DL nº 446/85 e do princípio da boa-fé consagrado nos art.s 227º, 239º e 762º, nº 2 do C. Civil.

16ª. Também não releva o argumento segundo o qual o DL nº 176/96 constitui direito especial em relação ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, que prevalece sobre estes segundo a regra do direito especial derroga o regime geral ou comum. A classificação de uma norma como norma especial não é um dado apriorístico, mas pressupõe uma prévia interpretação da mesma, de acordo com os cânones de interpretação da mesma (art. 9º do C. Civil); o elemento gramatical ou letra da lei, o elemento racional, que abrange a occasio legis (conjuntura económico-social que presidiu à elaboração da lei) e a ratio legis (a finalidade ou razão de ser da lei), e o elemento sistemático enquanto unidade da ordem jurídica e coerência valorativa da mesma.

17ª. Ora, o contexto em que a norma foi elaborada e a razão de ser da lei - o aumento da proteção do consumidor e das garantias de transparência - indiciam claramente a funcionalização da relação jurídica entre o Banco e a Seguradora à proteção dos interesses da parte mais fraca do contrato, conforme resulta do preâmbulo do diploma (DL nº 176/95), que afirma a importância da informação do consumidor no novo quadro da atividade seguradora.

18ª. A prossecução deste objetivo implica necessariamente um reforço da proteção do aderente e não a sua diminuição, pelo que não podemos considerar o DL nº 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas gerais, enquanto lei geral ou comum. Até porque não se pode considerar que o DL nº 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga. Estaríamos então apenas perante duas leis especiais em relação ao regime geral dos contratos e cuja interpretação e aplicação deve ser harmonizada, sem que nenhuma delas afaste a outra.

19ª. A jurisprudência e a doutrina têm reconhecido à boa-fé um papel cada vez mais amplo, em todas as fases da vida do contrato: na formação e na celebração, na interpretação e integração de lacunas, na execução e nos efeitos da sua extinção por resolução ou anulação. O princípio da boa-fé passou a assumir, para além de uma função integrativa, corretiva e de regulação de condutas, a função de controlo do conteúdo dos contratos, de juízo...

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