Acórdão nº 17112/01.6TDLSB.L2. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução03 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância proferiu sentença em que, além do mais que aqui não releva, condenou: -a arguida AA – Investimentos Imobiliários, Lda., pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artºs 7º, nº 1, e 103º, nº 1, do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5/06, na pena de 180 dias de multa à razão diária de € 5,00; -cada um dos arguidos BB, CC e DD, como co-autores materiais de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artºs 7º, nº 1, e 103º, nº 1, do RGIT, na pena de 180 dias de multa à razão diária de € 7,00; -cada um dos arguidos/demandados AA, BB, CC e DD a pagarem ao Estado Português, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 6.573.426,85, acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde a data de notificação do pedido; -a demandada civil EE a pagar ao Estado Português, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 16.512,71, acrescida de juros, à taxa anual de 4% desde a data de notificação do pedido; -o demandado civil FF a pagar ao Estado Português, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 20.849,76, acrescida de juros, à taxa anual de 4% desde a data de notificação do pedido.

O arguido/demandado CC e os demandados civis FF e EE interpuseram recurso dessa sentença para a Relação de Lisboa.

A Relação, por acórdão de 02/03/2016, negou provimento aos recursos dos demandados civis FF e EE e do arguido/demandado CC.

Do acórdão da Relação interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os demandados civis CC e EE, tendo o primeiro concluído e pedido nos termos que se transcrevem: «1ª Atendendo à data em que se consumou o alegado crime (26.12.2014), o prazo de prescrição do procedimento criminal iniciou-se nessa mesma data.

  1. De acordo com o estipulado no art. 121º, nº 3 do CP, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.

  2. O limite máximo do crime em consideração é de 3 anos (art. 103º do RGIT, na redacção em vigor na data dos factos), pelo que o prazo ordinário de prescrição será de 5 anos (art. 118º, nº 1, al. c) do CP) e o máximo de 7 anos e 6 meses, ressalvado o tempo de suspensão.

  3. O limite legal máximo já se encontrava decorrido, mesmo em momento anterior à da prolação da acusação pelo Ministério Público.

  4. O processo-crime ficou suspenso, nos termos do art. 47º do RGIT, com a impugnação judicial intentada pela arguida AA; 5ª O arguido CC não impugnou nem deduziu oposição contra o acto de liquidação da administração fiscal, razão pela qual não é compreensível que o exercício de um direito tributário (de impugnar) por parte de um arguido seja susceptível de, por si só, vir alterar a marcha do processo de inquérito criminal quanto aos demais arguidos e a própria situação processual penal dos mesmos.

  5. De acordo com o estipulado no art. 20º, nº 1 da CRP e no art. 6º, § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, todo o cidadão tem direito a ser julgado num prazo razoável. Estender o âmbito de eficácia aos arguidos não impugnantes e, por isso, sem responsabilidade no motivo que deu causa à suspensão do processo, tornaria inconstitucional a norma constante do art. 47º do RGIT, quando interpretada no sentido de fazer estender ao arguido que não impugnou o acto tributário a suspensão do processo-crime motivada por essa impugnação judicial impetrada por outrem.

  6. Mesmo assim, o procedimento criminal encontrava-se prescrito, já que, embora em 24/10/2006, data da entrada da impugnação judicial tributária, a redacção do art. 47º, nº 1 do RGIT, que então vigorava, impusesse a suspensão automática do processo penal, com a entrada em vigor em 01/01/2007 da nova redacção do art. 47º, nº 1 do RGIT, introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, o processo deixou de estar automaticamente suspenso, ficando tal suspensão, ficando tal suspensão dependente de despacho que verificasse das condições que poderiam ditar tal suspensão: a verificação de que na impugnação se discutia a situação tributária de cuja definição dependia a qualificação criminal dos factos impugnados – o que não foi o caso dos autos.

  7. A simples leitura da causa de pedir nos processos judiciais de impugnação e de oposição fiscais, juntos aos autos, comprova que os fundamentos neles invocados são meramente formais (decurso do prazo de caducidade e inadmissibilidade legal da liquidação) pelo que, neles não se questionando os factos constantes do inquérito e que vieram a dar origem à acusação, é cristalino que aqueles não são processos “em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados” como exige o art. 47º do RGIT para haver lugar à suspensão do processo penal.

  8. Logo, o presente processo penal que estava suspenso, automaticamente, desde 24/10/2006, deixou de estar suspenso a partir da data da entrada em vigor da nova redacção do citado preceito legal: em 01/01/2007.

  9. Desde 31/12/2001 até 24/10/2006 (data da suspensão automática decorrente da impugnação judicial apresentada pela AA) decorreu o prazo total de 4 anos, 9 meses e 29 dias.

  10. No dia 01/01/2007, cessou tal suspensão automática, voltando a correr o prazo de prescrição do procedimento criminal. Para se completar o prazo de 7 anos e 6 meses, faltavam, nesta data, 2 anos, 8 meses, e 1 dia, período que terminou no dia 01.09.2009, data em que se completou o aludido prazo de 7 anos e 6 meses, já descontado do período de suspensão automática.

  11. A acusação foi proferida no dia 01.06.2012, ou seja, em data multo posterior à da extinção do procedimento criminal por efeito do decurso do respectivo prazo prescricional, razão pela qual nunca poderia ter proferida qualquer acusação e, muito menos, deduzido pedido de indemnização civil, o qual só seria possível no caso de dedução da acusação validamente proferida (art. 71º do CPP).

  12. A liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2001 foi anulada judicialmente, por ter sido considerada ilegal quer na sentença da 1ª instância do Tribunal Tributário de Lisboa, quer no Acórdão de 05/07/2011, do TCA Sul, proferido por unanimidade e com parecer no mesmo sentido do EMMP, que negou provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

  13. Essas decisões dos Tribunais Tributários julgaram ilegal e anularam a respectiva liquidação do imposto em causa, com fundamento em razões que não são meramente formais.

  14. Decidiu-se na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que a AT não pode considerar a contabilidade da arguida como sendo desadequada para quantificação dos proveitos mas "boa" para os correspondentes custos.

  15. Os Tribunais Tributários (TT de Lisboa e TCA do Sul) decidiram que a AT não tinha o direito de exigir da sociedade arguida o pagamento do IRC em causa, por se tratar de uma segunda liquidação do mesmo imposto, para o mesmo ano e para o mesmo contribuinte, uma vez que a AT já havia procedido, anteriormente, a uma liquidação de IRC quanto aos mesmos factos.

  16. Contrariamente ao entendimento da decisão ora recorrida, não é aceitável que os arguidos sejam agora condenados a um PIC exigido pelo Estado, de valor igual ao imposto que já os Tribunais Tributários competentes anularam, com trânsito em julgado.

  17. Os Tribunais Tributários já se pronunciaram no sentido de não ser exigível o imposto em causa, razão pela qual, mesmo no âmbito de um PIC, só será possível a reclamação de indemnização que destine a repor a situação que existiria caso não ocorresse o dano, o qual foi considerado pelos Tribunais Tributários como inexistente.

  18. Tendo sido anulado o valor do IRC em causa, por acórdão transitado em julgado, essa decisão judicial, constituindo caso julgado no processo penal, nos termos do disposto no art. 48º do RGIT, deveria conduzir, consequentemente, à absolvição do arguido quanto ao PIC, por este ter sido calculado com base no valor daquele imposto.

  19. Existiu quanto a estas matérias (prescrição e caso julgado), manifesto erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, o que impõe que o arguido seja absolvido da condenação penal e do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

  20. O pedido de indemnização civil devia ter sido considerado como improcedente, desde logo atendendo ao facto de, dada a especificidade própria das questões envolvidas, não ser possível a apreciação no âmbito de um processo crime-tributário, de questão essencialmente tributária traduzida no apuramento das consequências de natureza patrimonial (tributária) emergentes da putativa prática de um crime tributário, o qual envolverá, sempre, directa ou indirectamente, a violação de deveres tributários e o não pagamento da prestação tributária a qual constituirá, necessariamente, o objecto do PIC.

  21. No que respeita ao apuramento do dano (prestação tributária em falta), subsiste uma reserva da Administração Fiscal, a quem compete tal apuramento e a sua liquidação de acordo com as normas tributárias.

  22. O art. 129º do CP não determina quando é que uma indemnização de perdas e danos é civil, pressupondo apenas e tão só essa qualificação, mas não impõe que a determinação da responsabilidade se afira através do recurso às leis tributárias quando está em causa uma dívida de natureza tributária.

  23. De qualquer forma, sempre se constata que, no que respeita ao caminho traçado na sentença da 1ª instância e no acórdão recorrido, que para aquela remete, quanto a este aspecto, se verifica que não se encontram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil donde emerge a obrigação de indemnizar.

  24. Na sentença da 1ª instância e no acórdão recorrido, que para aquela remete, não se identificam claramente, com recurso às normas violadas, o direito infringido.

  25. Muito menos se faz referência à culpa do putativo agente infractor e qual a respectiva modalidade, não se aludindo, em termos de articulação, ao imprescindível nexo de causalidade.

  26. Do...

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