Acórdão nº 2679/13.4TBVCD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução04 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso AA Ldª, propôs em 22/10/2013 uma acção declarativa contra BB, SA, e CC, SA, pedindo:

  1. Que seja decretada a anulação do contrato de compra e venda do veículo identificado nos autos, celebrado entre a autora e a 1ª ré, e esta condenada a restituir-lhe 32.170,00 €, com juros legais de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento; b) Que as rés sejam condenadas a pagar-lhe 1974,00 € a título de indemnização pela privação do uso e fruição do veículo, acrescidos do que se apurar em sede de liquidação de sentença; 212,44 € a título de despesas com a contratação de serviços de transportes durante a imobilização da viatura; e 1.500,00 € a título de danos não patrimoniais causados pela venda de veículo defeituoso e a não eliminação do defeito.

    Alegou, em resumo, que necessitando para o exercício das actividades incluídas no seu escopo social de uma viatura automóvel apta a garantir as deslocações de natureza comercial e as entregas e recolha de máquinas e acessórios, e ainda a prestação de assistência técnica aos equipamentos dos seus clientes, adquiriu à 1ª ré, em 12/11/2012, pelo preço de 32.170,00 €, o veículo automóvel que identifica na petição inicial, em estado novo, acordando uma garantia pelo período de 36 meses.

    Porém, a viatura deixou de funcionar quando com ela circulava, tendo sido objecto de sucessivas intervenções e de imobilização, face à inoperacionalidade de que ficou a padecer e ao abandono a que foi votada.

    Em 20/9/2013 dirigiu uma comunicação escrita às rés, interpelando-as para no prazo de 5 dias úteis contados da respectiva recepção lhe entregarem o veículo em perfeito estado de funcionamento, sob pena de perda de interesse na prestação. Mas porque os defeitos não foram eliminados, entende ter direito à resolução do contrato.

    As rés contestaram, invocando a caducidade parcial dos direitos invocados, a culpa da autora pela não reparação do veículo e a ausência de danos, concluindo pela improcedência da ação.

    Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo:

  2. Julgar validamente resolvido o contrato celebrado entre a autora e a primeira ré, referente à compra e venda do veículo automóvel com a matrícula 00-XX-00; b) Reconhecer à primeira ré o direito de reaver o veículo mencionado em a) e condená-la a restituir à autora 32.170,00 €, deduzidos da quantia correspondente à desvalorização sofrida por força da sua utilização entre 12.11.2012 e 4.7.2013, a liquidar ulteriormente nos termos dos artigos 358º e seguintes do CPC; c) Condenar a primeira ré a pagar juros de mora vincendos sobre a quantia referida em b), a partir da sua liquidação, à taxa comercial em vigor a cada momento; d) Condenar ambas as rés a pagar à autora 750,00 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; e) Condenar ambas as rés a pagar à autora 360,00 € a título de indemnização pela privação do uso do veículo automóvel em causa.

    A 1ª ré apelou, de facto e de direito.

    Por acórdão unânime de 23/2/16 a Relação do Porto julgou procedente o recurso e, revogando a sentença na parte em que condenou a apelante, absolveu-a de todos os pedidos, mantendo no mais o ali decidido.

    Agora é a autora que, inconformada, pede revista, defendendo a reposição integral da sentença da 1ª instância com base em trinta e nove conclusões que se resumem – e reordenam - assim: 1ª - Perante os factos 1), 2), 6) a 8) e 23) a 32) não pode excluir-se a aplicação ao caso dos autos dos diplomas que regulam os direitos dos consumidores - Lei nº 24/96 de 31/7 e Dec- Lei nº 67/2003 de 08/4 - no que se refere à extensão à recorrente do conceito de consumidor e ao consequente alargamento dos prazos de garantia, de denúncia dos defeitos e de resolução do contrato de compra e venda previstos nos artºs 4º, 5º e 5º-A, todos do DL 67/2003; 2ª - No caso dos autos, de acordo com a boa doutrina e jurisprudência, designadamente a fixada no acórdão da Relação do Porto de 11.9.08 (Procº nº 4643/2008), a questão de saber se a recorrente deve ser considerada “consumidor” e se o concreto uso que deu ao veículo preenche uma finalidade não profissional devia ter sido julgada segundo a equidade, o que levaria a concluir ser merecedora da protecção conferida aos consumidores, equiparando-se-lhes, atento o conceito acolhido na Lei 24/96 de 31/7; 3ª - O acórdão recorrido enferma de erro nos seus pressupostos de facto ao excluir a vinculação da 1ª ré do âmbito da garantia de bom funcionamento do veículo prestada à recorrente e referida no facto provado nº 4; 4ª - O acórdão recorrido julgou erradamente ao concluir pela caducidade do exercício do direito de anulação ou resolução do contrato em virtude da denúncia do vício ou falta de qualidade ter sido feita depois dos seis meses subsequentes à sua entrega pela 1ª ré; 5ª - O acórdão recorrido errou ao não interpretar extensivamente o artigo 917º do CC, de molde a abranger todas as acções baseadas no cumprimento defeituoso, tal como defendem a doutrina e jurisprudência citadas na sentença e, designadamente, o acórdão da Relação do Porto de 28/6/11 (Procº 821/10-6TBPFR-AP.1), no qual se afirma que “ caduca a acção se o comprador não denunciar os defeitos até trinta dias depois de os conhecer e dentro de seis meses após a entrega da coisa ou decorridos que sejam seis meses após a denúncia”; 6ª - O acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente o artº 921º, nº 4, do CC ao desconsiderar que tendo sido contratualizada a garantia por 36 meses contados da entrega da viatura (13.11.12), o prazo de caducidade para a acção ainda não se esgotara à data em que a recorrente teve conhecimento do defeito e o denunciou (4.7.13); 7ª - O acórdão recorrido errou ao não efectuar a compatibilização dos factos 7) 16) e 17), dos quais resulta que a recorrida e a 2ª ré reconheceram o direito da recorrente à reparação do veículo, impeditivo da caducidade nos termos do artº 331º, nº 2, do CC; 8ª - Ao não reconhecer à autora, perante os factos 3), 9), 10), 11), 14) e 15), o direito à resolução do contrato, o acórdão recorrido violou os artºs 432º, 801º, nº 2, 802º, nº 2, e 808º do CC; 9ª - Aplicou erradamente os artºs 342º do CC e 607º, nº 4, do CPC ao afirmar que recaía sobre a autora o ónus de demonstrar que a 2ª ré recusou a reparação do veículo e ao desconsiderar ter resultado provado que esta não reparou a viatura nem a entregou à recorrente em perfeito estado de funcionamento; 10ª - E desprezou a prova fixada nos autos, designadamente os factos 3) a 15), que consubstanciam a transformação da mora em incumprimento definitivo através da interpelação admonitória efectuada e como consequência da perda do interesse da autora, apreciada objectivamente.

    A recorrida contra alegou, defendendo a confirmação do julgado pela Relação.

    II.

    Fundamentação

  3. Matéria de Facto 1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à importação e exportação de máquinas industriais, representações e serviços de assistência técnica.

    2) Para o exercício da atividade referida em 1, a Autora necessita de uma viatura automóvel apta a garantir as deslocações de natureza comercial e, bem assim, a entrega e recolha de máquinas e acessórios e ainda a prestação de assistência técnica aos equipamentos dos seus clientes.

    3) Para tais utilidades, a Autora adquiriu à primeira Ré, no dia 12.11.2012, pelo preço de 32.170,00 €, um veículo automóvel, ligeiro, de passageiros, da marca ..., modelo ..., com a matrícula 00-XX-00, em estado de novo.

    4) O veículo adquirido pela Autora, referido em 3), encontra-se abrangido pela garantia do construtor, enformada pelo documento n.º 10 junto com a petição inicial.

    5) A garantia referida em 4) é válida para o período de 36 meses, contados desde 13/11/2012, ou até aos 150.000 km percorridos pela viatura, acrescendo que durante os primeiros 24 meses tal limite de quilometragem não é aplicável.

    6) No dia 4/7/2013 circulava a viatura referida em 3) ao serviço da Autora, em via pública do concelho de ..., quando o respetivo motor deixou de funcionar e a mesma se imobilizou.

    7) A Autora contactou de imediato o serviço de assistência em viagem da 2ª Ré, a qual determinou, ainda nesse dia, o reboque da viatura para...

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