Acórdão nº 145/14.0JAPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | NUNO GOMES DA SILVA |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
1. – No âmbito do processo nº 145/14.0JAPRT da 1ª Secção Criminal, J2, da Instância Central da Comarca do Porto o arguido AA foi condenado pela prática em autoria material e concurso efectivo por cada um de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, dos arts. 131º e 132º, nº 1 e nº 2, al. e), 22º, 23º e 30º, n º1, todos do Código Penal, nas penas de 5 anos e 6 meses de prisão e 5 anos de prisão (ofendidos BB e CC, respectivamente).
Em cúmulo jurídico destas penas, foi condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Foram ainda julgados procedentes os pedidos de indemnização formulados pelos demandantes “Centro Hospitalar do Porto, E.P.E”, e, “Administração Regional de Saúde do Norte, IP” sendo o arguido condenado a pagar-lhes as quantias de € 6 496,33 e € 134,80, respectivamente, acrescidas de juros de mora contados, à taxa legal, desde a notificação para contestar e até integral reembolso.
O magistrado do Ministério Público interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1 . O arguido AA foi condenado pela prática de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, nas penas de 5 anos e 6 meses de prisão e de 5 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
-
O Ministério Público não se conformando com o douto Acórdão, datado de 03.07.2015 e proferido a fls. 845 e ss., dos autos, dele vem interpor RECURSO, que incidirá sobre a matéria de direito, por entender que as referidas penas não asseguram suficientemente as finalidades da punição – a protecção de bens jurídicos e a reintegração do referido arguido na sociedade – devendo ser outras, e mais graves, quer as penas parcelares quer a pena única, a impor ao arguido AA, face à gravidade das suas condutas, às exigências de prevenção e ao elevado grau de culpa.
-
Importa salientar a alteração não substancial de factos que o Tribunal entendeu ter resultado provada conforme resulta da ata de fls. 840 e ss., da qual se salienta, que, agora, foi considerado provado que o arguido atingiu os ofendidos, cada um deles, apenas com uma “facada”, que lhes provocou “ferida perfurante abdominal”.
-
Salienta-se também que nos relatórios de perícia médico-legal de 472 e ss., relativo ao ofendido CC, e de fls. 544 e ss., relativo ao ofendido BB, não se faz uma distinção clara entre as lesões que resultaram da agressão e aquelas que resultaram das intervenções cirúrgicas a que os ofendidos foram sujeitos, designadamente, face ao teor das fichas do INEM, relatórios de urgência e notas de alta.
-
Aliás, o Tribunal, na alteração não substancial da matéria de factos, refere, por um lado, que o arguido desferiu uma única facada no ofendido BB e, por outro lado, exclui das lesões produzidas nos ofendidos todas aquelas que resultaram das intervenções cirúrgicas a que os mesmos foram sujeitos, na sequência da assistência médica que lhes foi prestada em consequência das ofensas, neles, perpetradas pelo arguido.
-
As feridas, produzidas nos ofendidos pelo arguido, são perfurantes, e, no caso do CC, apenas com 1 cm, de largura, o que significa que a arma branca foi utilizada, não em movimentos circulares ou a abanar os braços, mas com o intuito claro perfurar os ofendidos.
-
Em face de tais lesões, merecem inteira credibilidade os depoimentos dos ofendidos BB e CC, referidos na motivação, do douto Acórdão, de acordo com os quais foram, ambos, atacados, de forma inopinada, pelo arguido AA, o qual, sem qualquer motivo, que pudesse de algum modo justificar a sua conduta, desferiu, em cada um deles, uma facada no abdómen.
-
Versão que é confirmada, no essencial, pela testemunha DD, o qual referiu que “ouviu o arguido perguntar quem estava ali”, “prosseguindo o seu caminho. Logo de seguida ouviu o BB e o CC queixarem-se e foi ajudá-los …”.
9. O arguido, desferiu as facadas que atingiram os ofendidos, de forma violenta e com o intuito de atingir os órgãos internos dos ofendidos, como resulta, quer da largura da ferida de entrada, com 1 cm, no abdómen do ofendido CC, quer da profundidade das facadas como se extrai dos ferimentos produzidas nos órgãos internos.
-
Face às características das lesões que os ofendidos apresentam, mostra-se que a versão do arguido - de que agiu em sua defesa utilizando para o efeito uma faca, com movimentos circulares ou de que “usou a faca para o largarem, começando a abanar os braços”, não tem qualquer apoio nas lesões que efetivamente produziu nos ofendidos, nem é merecedora de qualquer credibilidade.
-
De facto, se o tivesse feito, os ferimentos que provocou nos ofendidos seriam superficiais e largos, na entrada, e não profundos e estreitos, na entrada, como de facto são.
12. Mostra-se pois que o arguido agiu com forte intenção de matar, sabendo que nos locais atingidos, do abdómen, se situam órgãos essenciais à manutenção da vida, sabendo também que as “facadas” que desferiu nos ofendidos, com a força necessária a atingir os órgãos internos, eram idóneas a causar a morte destes.
-
Sobre a medida das penas unitárias: O douto Acórdão, refere que as exigências, quer de prevenção geral, quer de prevenção especial, são elevadas.
-
Considerando, porém, as circunstâncias agravantes referidas no douto Acórdão, quer os antecedentes criminais do arguido, quer a forma displicente como encara – e demonstrou-o em audiência de julgamento – os factos praticados; a total ausência de arrependimento; e a total ausência de preocupação com a vida dos demais, temos de considerar que as exigências de prevenção especial são mesmo muito elevadas.
-
De facto, o arguido “tem uma personalidade agressiva e violenta sendo permanentes as situações de conflito e agressão, nomeadamente com a família”.
-
As penas fixadas, para cada um dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, de 5 anos e de 5 anos e 6 meses de prisão, uma é inferior à terça parte do limite máximo da moldura abstrata e, a outra, excede esse limite, mas apenas em 20 dias. Sendo muito baixas, face à gravidade dos crimes praticados e às exigências de prevenção, resultantes da personalidade e dos antecedentes criminais do arguido. 17. Na determinação da pena concreta deverão ser consideradas, para além das circunstâncias referidas em 14, ainda e designadamente; - o dolo direto; - as fortes exigência de prevenção geral; - as muito fortes exigências de prevenção especial; - a ligação familiar que une o arguido a uma das vítimas, …; e, - as concretas sequelas que as vítimas hoje apresentam.
-
O limite mínimo da pena é fixado pelas necessidades de prevenção geral e o limite máximo da pena pela culpa do agente. Dentro desses dois limites intervêm as exigências de prevenção especial, sendo a medida concreta da pena determinada, dentro daqueles limites máximo e mínimo, pelas exigências da prevenção especial.
-
Já vimos que são elevadas as exigências de prevenção geral e deverão ser consideradas muito elevadas as exigências de prevenção especial.
20. A culpa do arguido é intensa na forma de dolo direto.
21. Pelo que, as penas, parcelares, a impor ao arguido AA não poderão ser inferiores a 7 anos de prisão, no que respeita a crime praticado contra o ofendido CC, e a 8 anos de prisão, no que respeita a crime praticado contra o ofendido BB.
22. Para a fixação da pena única a lei fornece ao Tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena, um critério especial: “na determinação concreta da pena (do concurso) serão considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
-
Germano Marques da Silva considera que “dentro dos limites máximo e mínimo da penalidade do concurso, o juiz deverá determinar em obediência ao critério legal constante do art.º 77.º, n.º 1, a pena a aplicar: deverá atender em conjunto à gravidade dos diferentes factos ilícitos e ao grau de culpa do agente e à sua personalidade. … importa determinar uma única pena concreta a aplicar ao agente pela prática de vários crimes em concurso que responda às finalidades da punição: tutela dos bens jurídicos e reintegração do delinquente na sociedade, no que é necessário atender á gravidade dos factos ilícitos e ao grau de culpa, na perspectiva da tutela dos bens jurídicos, e à culpa e personalidade do agente, na perspectiva da sua reintegração”.
-
A Jurisprudência vem entendendo, embora como critério complementar e meramente indiciário, que na formulação da pena conjunta, na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade se considere que, tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade (ou, em casos de grande intensidade da culpa, ou da gravidade dos factos 2/3) e um terço de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso; tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave entre um terço e, nos casos excecionais de menor culpa ou gravidade, um quarto, de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso.
-
Como resultou comprovado o arguido: agiu com dolo direto; são fortes exigências de prevenção geral; deverão ser consideradas muito fortes exigências de prevenção especial; existe uma ligação familiar forte que une o arguido a uma das vítimas, …; são graves as concretas sequelas que as vítimas hoje apresentam; o arguido tem antecedentes criminais; o arguido encara de forma displicente os factos praticados; o arguido revelou total ausência de arrependimento e total ausência de preocupação com a vida dos demais.
-
Mostra-se pois que o arguido é detentor de uma personalidade gravemente desconforme com o Direito, razão pela qual deverá, para a determinação da pena única, somar-se à pena concreta mais grave metade de pena concreta aplicada ao outro crime em concurso, obtendo-se assim uma pena única, não inferior a 11 anos e 6 meses de prisão.
26. Pena, única, de 11 anos e...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 3343/15.5JAPRT.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Junho de 2018
...não pode sequer com algum grau de razoabilidade explicar a conduta levada a cabo, que não tem relevo algum.» (Ac. STJ de 7/1/2016, Proc. 145/14.0JAPRT.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva) Do mesmo modo, a atenção da doutrina também tem incidido sobre esta Na verdade, motivo torpe ou fútil «signifi......
-
Acórdão nº 3343/15.5JAPRT.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Junho de 2018
...não pode sequer com algum grau de razoabilidade explicar a conduta levada a cabo, que não tem relevo algum.» (Ac. STJ de 7/1/2016, Proc. 145/14.0JAPRT.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva) Do mesmo modo, a atenção da doutrina também tem incidido sobre esta Na verdade, motivo torpe ou fútil «signifi......