Acórdão nº 1341/12.0TBVFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2016
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 14 de Dezembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA - Indústria Metalomecânica, Lda., com sede na Zona Industrial de …, Lote 12, … – Pedorido, Castelo de Paiva, instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB - Indústria e Comércio de Ferro e Aços, S.A.
, com sede em … – Souto, pedindo: (i) que fosse declarada a resolução do contrato de compra e venda de duas máquinas industriais; (ii) subsidiariamente, fosse o mesmo contrato anulado; (iii) em qualquer das hipóteses, fosse a ré condenada a restituir à autora a quantia de € 115.000,00, valor acrescido de juros de mora à taxa anual legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que comprou à ré, em 23/01/2003, duas máquinas industriais, uma guilhotina e uma quinadeira, pelo preço global de €146.695,00, tendo pago o valor de €115.000,00. A primeira apresenta desconformidades com o contratado e ambas têm defeitos, comunicados à ré e sempre reconhecidos por esta com diversas intervenções, sem qualquer êxito, quer do fabricante do equipamento, quer da ré, assistindo-lhe, consequentemente, o direito à resolução do contrato de compra e venda ou, caso assim não se entenda, à anulação do contrato, sempre com a restituição do pagamento entretanto efectuado.
A R. contestou, excepcionando a caducidade do direito da autora e defendendo existir falta de fundamento quer fáctico, quer legal para o peticionado.
Deduziu ainda reconvenção, na qual pugnou pela validade do contrato de compra e venda e pela condenação da autora no pagamento da quantia de 31.965,00 €, remanescente do preço por liquidar, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento. Pediu, em caso de procedência da acção, que a autora fosse condenada a restituir/pagar o valor relativo à desvalorização das máquinas a calcular em execução.
Houve réplica, concluindo a autora pela improcedência da excepção de caducidade e do pedido reconvencional.
A ré, correspondendo ao convite do Tribunal, corrigiu a petição inicial no tocante às datas do início da denúncia dos alegados defeitos e do início da assistência às máquinas em causa.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença, em 19 de Junho de 2015, na qual foi decidido: “a) julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a excepção peremptória de caducidade, considerando-se caducado o direito no que respeita ao não fornecimento da máquina guilhotina com capacidade de corte de 10mm, absolvendo a R. BB - Indústria e Comércio de Ferro e Aços, S.A. dos pedidos da A. com base neste fundamento; b) julgar improcedente a excepção peremptória de caducidade no que respeita aos demais defeitos invocados pela A. AA - Indústria Metalomecânica, Lda.; c) julgar improcedente, por não provada, a acção proposta pela A. AA –Indústria Metalomecânica, Lda., absolvendo a R. BB - Indústria e Comércio de Ferro e Aços, S.A. dos pedidos da A. A. AA - Indústria Metalomecânica, Lda.; d) julgar prejudicado o conhecimento do pedido da R. BB - Indústria e Comércio de Ferro e Aços, S.A., à condenação da A. a “restituir/pagar à R. o valor relativo à desvalorização das máquinas “sub judice”.
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por considerar que a A. AA - Indústria Metalomecânica, Lda. tem direito à excepção de não cumprimento, absolver a A. do pedido reconvencional do pagamento de €31.965,00 (valor correspondente à parte restante do preço das máquinas que ainda não foi liquidado), acrescida dos juros legais (improcedência que não obsta a futura acção, tal como supra exposto)”.
Desta sentença apelaram a autora e a ré.
O Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão, em 12 de Janeiro de 2016, o qual revogou a sentença da 1ª instância, absolvendo a ré de todos os pedidos formulados pela autora e condenou, em sede de reconvenção, a autora AA - Indústria Metalomecânica, Lda. a pagar à ré BB - Indústria e Comércio de Ferro e Aços, S.A., a quantia € 31.965,00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, recorreu a autora de revista, de cujas alegações se extraem as seguintes conclusões: 1. Os factos provados impõem a conclusão de que os defeitos de que (ainda hoje) padecem os equipamentos transaccionados se reportam ao início da sua utilização regular, sendo como tal intrínsecos às próprias máquinas fornecidas - conclusão que, por si só, já deve conduzir, pelo menos, à constatação (adequadamente vertida na douta decisão de primeira instância) de que o remanescente do preço não pago pela adquirente não pode ser exigido até à perfeição da prestação da vendedora; 2. Não fosse suficiente a correcta apreciação da matéria de facto tida por provada nos termos acima enunciados e também por força da adequada interpretação e aplicação da presunção de culpa prevista no art. 799°, n° 1 do C.C. se impunha concluir pela responsabilidade da Ré pelos defeitos de que os equipamentos por si fornecidos comprovadamente padecem; ao decidir em sentido contrário, a decisão recorrida violou a mencionada disposição legal; 3. A douta decisão que aqui se aprecia não é apenas desconforme com os factos provados e com as regras jurídicas aplicáveis, mas é, sobretudo - e por força de tais desconformidades -, materialmente injusta, já que condena a adquirente ao pagamento do remanescente do preço devido pela aquisição de máquinas comprovadamente defeituosas; 4. Ao constatar que os equipamentos transaccionados padeciam de defeitos que comprometiam o seu bom desempenho na execução das tarefas a que se destinavam e para as quais haviam sido adquiridos, mesmo na hipótese de considerar que tais vicissitudes não justificavam a resolução do contrato, sempre deveria o Tribunal ter adoptado uma decisão que salvaguardasse a posição da adquirente, designadamente determinando uma redução no preço acordado entre as partes ou - como entendeu o Tribunal de primeira instância - reconhecendo à autora-reconvinda o direito a obviar ao pagamento do remanescente de tal preço por via da excepção do não cumprimento; 5. Ao sentenciar em sentido inverso ao vertido no considerando que antecede, a decisão ora em crise desprezou o equilíbrio das prestações que ao Tribunal incumbe salvaguardar, violando também - no entender da recorrente - o disposto nos arts. 911°, n° 1 (aplicável ex vi art. 913°) e 428°, n° 1, todos do C.C.; 6. De tudo o exposto nas conclusões que antecedem resulta incontornável a necessidade de revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, desde logo, determine a responsabilização da Ré pelos defeitos de que padecem as máquinas por si vendidas; 7. O reconhecimento da responsabilidade da ré nos termos peticionados impõe, por sua vez, a subsequente reapreciação da decisão a dar à causa, designadamente pela análise do pedido de resolução contratual formulado pela autora, para o que a recorrente reitera todos os fundamentos aduzidos nos arts. 35° a 48° da P.l. - para cujo teor expressamente se remete -, recuperando a oposição que dirigiu à decisão de primeira instância no que respeita à improcedência da peticionada resolução contratual, nos termos supra expostos; 8. As premissas em que assenta o raciocínio do Tribunal de primeira instância quanto ao pretenso interesse da Autora no cumprimento integral do contrato não têm correspondência com a realidade, sendo contrariadas quer pela factualidade tida por provada nos autos, quer pelos demais elementos probatórios constantes do processo; 9. Dando como provado que: "A A. adquiriu a guilhotina e a quinadeira com vista ao alargamento da sua actividade de prestação de um novo serviço de corte e quinagem de chapa" (cfr. Ponto 9) dos factos provados), o Tribunal a quo necessariamente teria de considerar que tais serviços não integravam o ramo de actividade da autora até então; 10. Face ao exposto na conclusão que antecede, não é lícito concluir que a Autora mantém o interesse no cumprimento integral do contrato com base na constatação de que a "A A. não mudou de ramo de actividade" e, bem assim, na conclusão de que "Aquelas máquinas continuam a pertencer ao ramo de actividade desenvolvido pela A"; 11. Quando analisado no contexto da factualidade tida por provada nos presentes autos, o disposto no art. 808°, n° 1 do C.C. imporia - ao invés do que entendeu o Tribunal de primeira instância - o reconhecimento de que à autora cabe o direito de resolver o contrato celebrado, com a consequente procedência de todos os pedidos formulados; 12. Em todo o paradigma que resultou reflectido na prova produzida nos autos (cfr. factos provados) - e face a um inadimplemento que a ré arrastou por mais de dez anos -, não se vislumbra em que medida poderá a quebra contratual promovida pela autora considerar-se como violadora dos limites da boa-fé, pelo que também o art. 334° do C.C. foi indevidamente interpretado pelo Tribunal de primeira instância, devendo a respectiva consideração no presente caso ter viabilizado, sem reservas, a cessação contratual nos termos peticionados pela autora.
Finalizou, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que declare a total procedência da acção e a total improcedência do pedido reconvencional.
Contra-alegou a ré e, prevenindo a hipótese de ser concedida a revista da autora, requereu a ampliação do âmbito do recurso à invocada excepção da caducidade, nos termos do disposto no artigo 636.º n.º 1 do Código de Processo Civil, questão de que o Tribunal da Relação não conheceu por prejudicada pela solução dada às demais.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Fundamentos: De facto: O Tribunal da Relação, após ter concedido parcial procedência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, julgou provada a seguinte facticidade: 1. A A. é uma sociedade comercial, cujo objecto social consiste na indústria de metalomecânica e conexos e a R. é uma sociedade que se dedica, entre outras actividades, à indústria e comércio de ferro e aço, e comércio de máquinas destinadas à indústria metalomecânica.
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No...
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