Acórdão nº 1511/02.9PBAVR.1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | OLIVEIRA MENDES |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 1511/02.9PBVAR.1, da Comarca de ... – Instância Central – ...ª Secção Criminal – ..., tendo em vista o conhecimento superveniente de concurso de crimes, o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado na pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão.
Inconformado interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
São do seguinte teor as conclusões extraídas da respectiva motivação[1]: I.Na elaboração da sentença condenatória, revela, para além do mais, o disposto no Art.º 375º do C.P.P. que, no seu n.º 1, dispõe, nomeadamente, que "a sentença especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. Trata-se da concretização, a nível processual, da imposição resultante do n. º 3 do Art.º 71° do C.P. - "Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena".
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Poder-se-ia então afirmar que, como nenhuma norma comina a nulidade para a inobservância do dever de especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, imposta pelo Art.º 375°, n.º 1 do C.P.P., tal inobservância consubstanciaria mera irregularidade - Art.º 118°, n.º 1 e 2 do C.P.P ..
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Entende-se, porém, que a especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena se integra no dever de fundamentação das razões de direito da decisão, a que se refere o n.º 2 do Art.º 374º do C.P.P., que a omissão se tal especificação determina a nulidade da sentença - Art.º 379°, n.º 1, alínea a) do C.P.P ..
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No caso de realização de Cúmulo Jurídico das Penas, a fundamentação da pena única deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspetos habitualmente sublinhados, como a detenção de uma eventual tendência criminosa do agente ou se uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta da necessidade de uma pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos.
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"É nulo o Acórdão, por insuficiência de fundamentação de facto e de direito, quando se limita a indicar os crimes que foram objeto de condenação, sem especificar, embora de forma concisa, os factos que o consubstanciaram, quando é absolutamente omisso quanto à personalidade do Arguido a, quando nada esclarece sobre a avaliação da personalidade do Arguido e da globalidade dos factos por ele praticados" .
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Ora, no douto Acórdão "a quo", nenhuma referência se faz à personalidade do Arguido, à sua evolução, tendo em conta o seu período de reclusão, o seu percurso prisional, desprezando, completamente, a forma como o Recorrente, tem moldado a sua personalidade.
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Limita-se aquele Acórdão a fazer breves referências económicas e familiares do Recorrente, nem à data em que cometeu os crimes, às condições em que eles foram praticados, qual o grau de culpabilidade, de participação do Arguido, condição que assume particular relevância, atento o tempo já decorrido, sobre as datas dos factos ... Mais de 10 anos.
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O douto Acórdão ora recorrido é, urna decisão condenatória a, não estamos a falar do cumprimento de meros formalismos legais. Não se tratam de simples, mas, de grande importância legal, formalidades, mas sim de, tão s6, de o tribunal cumprir um dever legal, porque a justiça, é tanto mais premente, quanto mais convincente: Há que julgar não s6 pelos resultados, pelas causas, mas, também pelos motivos, pelas condições pessoais do Arguido - daí, a consagração legal e até constitucional, do dever legal de fundamentação – Art.º 205º da C.R.P.
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Nos termos do Art.º 71, n.º 1 do C.P., "A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feito em função da culpa do agente e das exigências de prevenção".
X.No n.º 2 do mesmo preceito legal, é dito que, "na determinação da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente ( ... )".
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Por sua vez, o n.º 1 do Art.º 77º do C.P. diz que, "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
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Ora, da análise do douto Acórdão do Tribunal "a quo", resulta claramente, que este enferma do vício de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto no Art.º 379°, n.º 1 alínea c) do C.P.P., porque omite, ilegalmente, qualquer referência, a qualquer traço de personalidade do Recorrente, o grau de participação dele nos ates ilícitos, do grau de ilicitude das suas ações e, o mais importante, o grau de evolução da sua personalidade, atento, o longo período de tempo, já decorrido desde a prática dos atos, repete-se, mais de, 10 anos e, o longo período de reclusão cumprido pelo Recorrente, em que, já assimilou e interiorizou completamente, a gravidade doa seus atas, a sua censurabilidade social e legal, as consequências dos mesmos, pelo que é já, uma pessoa, sinceramente, arrependida, absolutamente, pronta, para, uma vez em liberdade, adotar um estilo de vida de acordo com as regras sociais e com as normas legais, com o ordenamento jurídico vigente, ou seja, longe do mundo do crime.
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Não falamos, de alguém com uma personalidade tendenciosamente, reincidente, mas de um homem de trabalho, empreendedor, de um excelente pai e de um extremoso, marido, que em dado momento da sua vida, por um acaso, em que a vida é pródiga, praticou atos de que, se arrepende, sinceramente.
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É assim, que a lei o exige e, o douto Acórdão ora recorrido, não cumpriu e, por isso, é nulo.
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O meritíssimo Juiz "a quo" incluiu na fixação da pena por concurso de crime, no Cúmulo Jurídico, um processo já extinto pelo cumprimento e, que, não é legal e, prejudica, seriamente o Recorrente - Art.º 57°. n.º 1; 78°, n.º 2; 77° e 71° do C.P. e, Art.º 29°, n.º 5 da C.R.P.
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O douto Acórdão recorrido, enferma de nulidade por omissão do dever legal de pronúncia e do dever legal de fundamentação, por total omissão dos traços de personalidade do Recorrente - vide Art.º 77°,71° e 78º do C.P. e, 379°, n.º 1 alínea c) do C.P.P.
Na contra-motivação o Ministério Público alegou: I - Objeto do recurso interposto: Vem o presente recurso interposto do acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao recorrente nos processos com os nºs 1511/02.9PBAVR, 117 /04.2PA TNV, 277/09.6GBVFR e 1168/08.3PAESP, e condenou o arguido AA, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
II - O recorrente cinge o presente recurso a duas questões: 1. Ao facto de ter sido incluído no cúmulo jurídico realizado a pena aplicada no processo n° 227/09.6GBVFR, uma pena que, no entender do recorrente, já deveria ter sido declarada extinta; e 2. Na falta de fundamentação do ato decisório.
III - Salvo o devido respeito pela posição contrária, cremos não assistir razão ao recorrente, sendo de todo improcedentes os fundamentos em que estriba a sua discordância da douta decisão em apreço, como se procurará demonstrar.
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Insurge-se o recorrente contra o acórdão pelo facto de ter sido incluído no cúmulo jurídico realizado a pena aplicada no processo nº' 227/09.6GBVFR, uma pena que, no entender do recorrente, já deveria ter sido declarada extinta.
Ora, o recorrente em 27/11/2013 foi condenado, no proc. comum singular nº 277/09.6GBVFR do extinto 1 ° Juízo Criminal de Santa Maria da Feira, transitado em julgado em 28/04/2014, pela prática em 14/08/2008 de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217° e 218°, nº1, ambos do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada à obrigação de entregar no Tribunal - para posterior entrega ao administrador da massa insolvente da ..... - Cozinhas e Roupeiros, ou, acaso tal processo já se mostre encerrado ou com liquidação do ativo concluída, para ser depositado à ordem do processo de insolvência para efeito de pagamento das custas - da quantia de €1.200,00, em prestações mensais e sucessivas de €50,00.
Considera assim o recorrente que o Tribunal a quo "ao incluir no cúmulo uma pena de execução suspensa em relação à qual não foi averiguado se a mesma foi declarada extinta incorre em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º n° 1, do CPP." Concorda-se que no momento da realização de cúmulo jurídico, se alguma das penas (de prisão) integrantes do concurso de crimes foi declarada suspensa na sua execução e já decorreu o período de suspensão, deve colher-se junto do respetivo processo informação sobre a situação atual da dita pena de substituição, sendo que, encontrando-se esgotado, à data da realização do cúmulo, aquele período, a pena em causa só pode ser englobada nessa operação se tiver havido revogação da suspensão ou prorrogação do período atinente.
Ocorre que, in casu, aquando da realização do cúmulo jurídico a pena aplicada no processo n° 277/09.6GBVFR ainda não tinha sido declarada extinta, nem podia, porque ainda não tinha decorrido o prazo de dois anos de suspensão, o qual só findava a 28/4/2016.
Como é frisado no Ac. do STJ de 27/05/2015 - (No concurso superveniente de crimes nada impede que na formarão da pena única entrem penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensas na sua execução, cabendo ao tribunal do cúmulo decidir se; reavaliados em conjunto os factos e a personalidade do arguido; a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução.
Apenas não é possível considerar na pena única as penas de prisão suspensas na sua execução cujo prazo de suspensão já findou; enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogarão do prazo...
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