Acórdão nº 940/14.0TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelLIMA GONÇALVES
Data da Resolução13 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, BB, CC, DD, EE, e FF, intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra GG, SA.

, e contra a HH, S.A.

, pedindo que as RR. sejam “condenadas a pagar aos AA. a indemnização global de €161 465, como indemnização mínima, justa e legal, por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo infeliz II, bem como pelos danos não patrimoniais por eles AA. sofridos e a sofrer em consequência da morte do seu irmão, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral e efectivo pagamento do capital liquidado a favor dos AA.

”.

Alegaram, em síntese, que: - no dia 11/12/2010, cerca das 16 horas e 45 minutos, em ..., ocorreu um acidente de trabalho numa obra de que era empreiteira a 1ª R., acidente esse – no qual faleceram dois dos seus trabalhadores, sendo um deles, II, irmão dos AA. –; - o acidente ocorreu por culpa do trabalhador da 1ª R. que chefiava a equipa de trabalho, o qual optou (contra as ordens e instruções da sua entidade empregadora e formação que desta tinha recebido) por não entivar uma vala que havia sido aberta para colocação de saneamento e que, sem a vala devidamente entivada, ordenou ao irmão dos AA. que descesse ao seu interior, o que aquele fez (no que foi acompanhado pelo referido chefe de equipa); - quando os mesmos se encontravam no seu interior, a ocorreu o desmoronamento de uma das paredes laterais da vala e a rotura de uma conduta, o que provocou a morte de ambos por asfixia.

O referido chefe da equipa de trabalho (JJ, também falecido) foi o único culpado/responsável pelo acidente, sendo a 1.ª R. responsável enquanto comitente e a 2.ª R. (seguradora) responsável por a 1.ª R. lhe haver transferido a sua responsabilidade (pelo contrato de seguro celebrado).

  1. Citadas, as Rés apresentaram contestação, em separado: - A R. HH – Invocou, para além de impugnar por desconhecimento a factualidade alegada, que o contrato de seguro celebrado com a 1.º R. não cobre o sinistro descrito pelos AA..

    - A R. “GG, SA” – Invocou a exceção da incompetência material e como exagerados os montantes indemnizatórios pedidos, sustentou que sempre observou as regras de segurança e que sempre deu a devida formação aos seus trabalhadores nesse sentido, pelo que, “se o referido II entrou na vala em construção sem entivação, fê-lo de vontade própria contrariando as instruções que lhe tinham sido ministradas pela R. e pelos seus representantes sobre o modo e respeito de condições de segurança quanto à obra em causa (…), não podendo a sua atitude temerária e desrespeitadora das regras de segurança ficar-se a dever apenas ao acto do malogrado JJ, que lhe teria pedido para entrar na vala”, pelo que “não será assim totalmente verdade o alegado nos arts. 16.º, 17.º e 18.º da p. i., pois terá de entender-se que o acidente também ficou a dever-se ao próprio desrespeito que a vítima II fez das regras de segurança ao ter contribuído com o seu comportamento para que a vala não fosse entivada”; motivo pelo qual concluiu “que a morte da infeliz vítima se ficou a dever ao seu próprio comportamento, razão pela qual não tem de reparar os danos decorrentes daquele acidente, nos precisos termos do disposto no art. 14.º/1 da Lei 98/2009”.

  2. Os A.A. responderam às exceções, pugnando pela sua improcedência.

  3. Findos os articulados, foi lavrado despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de incompetência material; foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

    5.

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu as Rés GG, S.A. e HH, S.A. dos pedidos contra as mesmas formulados.

  4. Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. AA, BB, DD e EE recurso de apelação, tendo a Relação de Coimbra decidido julgar “parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, que se substitui pela condenação da 1ª R. (GG, SA.) a pagar aos 4 AA./Apelantes (AA, BB, DD e EE), a título de indemnização, a quantia global de €55.732,50, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral e efectivo pagamento de tal quantia; mantendo-se, em tudo mais, as absolvições da sentença recorrida”.

  5. Inconformada com tal decisão, a Ré GG, S.A. veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. Os A.A recorridos nunca estiveram impedidos de reclamar a indemnização pelos danos sofridos, em consequência da morte do seu familiar II com fundamento no instituto da Responsabilidade Civil.

    1. Apesar de os factos dos autos terem constituído acidente de trabalho, uma vez que aquela responsabilidade não fica assim posta de parte no domínio dos acidentes de trabalho.

    2. Não é porém, admissível, conforme consignado no acórdão, a aplicação cumulativa das duas normas quando o empregador é um comitente, e o sinistro é causado por um seu trabalhador / comissário sobre outro trabalhador, como é o caso dos autos.

    3. De verdade, face à ora recorrente GG S.A., a infeliz vítima II, trabalhador desta, tem a qualidade de comissário e não de terceiro, sendo comitente a mesma sociedade recorrente.

    4. Como aliás todos os outros trabalhadores que no local do acidente se encontravam.

    5. Ou seja a responsabilidade civil extracontratual como responsabilidade objectiva existe para a tutela de terceiros.

    6. E contrariamente ao consignado no mesmo Acórdão do Tribunal da Relação, também não podem entender-se como "terceiros lesados" em face da morte do infeliz II - os ora A.A recorridos.

    7. Também se devendo concluir que da mesma forma se teria de entender o encarregado JJ, como um comissário sobre quem recaía o dever de obediência às ordens da entidade patronal, e atento, o próprio dinamismo organizacional de uma empresa.

    8. O que não retira a mesma qualidade de comissário ao já referido II 10ª. Assim, sempre se mostrará inaplicável ao presente caso o disposto no artº500 do C.C. , contrariamente ao decidido nos autos.

    9. Aliás, a referência a "terceiros lesados" aos irmãos do falecido II, também não se aceita porquanto a compensação pelos danos patrimoniais reclamados pelos mesmos são direitos reflexos, conforme arte 496 do C.C.

    10. Mesmo os danos não patrimoniais próprios dos A.A recorridos (art°496 nº4) relativos aos quais numa primeira análise se poderá assacar a qualidade de terceiro, tem de entender-se como danos directamente ligados ao dano real da morte do referido II.

    11. E relativamente aos danos não patrimoniais próprios do falecido II, sofridos até ao momento da morte e ao dano da morte autonomamente considerado, tais dúvidas não se suscitam, pois são danos transmissíveis aos A.A recorridos a título de sucessório.

    12. Aliás quanto aos diferentes tipos de danos ligados ao dano real da morte de II, não assumem os A.A recorridos, em relação às várias categorias de prejuízo a qualidade de terceiro.

    13. Ainda assim, ao tribunal, quanto aos danos não patrimoniais pelos A.A recorridos sofridos, face ao disposto no art°494, é reconhecido o respeito pela equidade na fixação do montante compensatório a atribuir ao lesado.

    14. Sendo inadmissível o critério aritmético dos lesados, que parece ter sido utilizado na decisão ora impugnada.

    15. Ou seja, parece ser inadmissível um critério de cálculo dos danos não patrimoniais, que permita a atribuição de um montante compensatório superior, a reparação a que alude o art° 496 n° 4 do C.C.

    16. Na fixação dos danos, se fosse caso disso, que não é, estando em causa danos próprios dos A.A. recorrentes, sempre teria de atender-se, ao diferente nível de ligação entre o falecido e os diferentes A.A., o que não foi feito.

    17. Nos autos, não pode aferir-se a resolução do litigio, de forma concorrencial, entre o comportamento do chefe de equipa JJ e a infeliz vítima II, porquanto tal pressupunha a consideração de II como terceiro em relação à ora recorrida GG, S.A., o que não se aceita.

    18. Sendo como já se disse, inaplicável o disposto no art° 500 do C.C.

    19. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre como se disse na 1ª instância, o dano real da morte do falecido II, ficou a dever-se à sua conduta exclusiva, e também quando assim é a responsabilidade do agente fica excluída, nos termos do disposto no art° 570 n°1 do C.C.

    Conclui pela procedência do recurso,”revogando-se o aliás douto acórdão, e substituindo-o por outro que mantenha na íntegra a sentença da 1ª. instância, absolvendo totalmente a Ré do pedido, negando-se assim provimento ao recurso inicialmente instaurado pelos A.A.”.

  6. Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. No que respeita à primeira questão, temos que os presentes autos se limitam à alegada responsabilidade pelo risco, com fundamento no artº. 500°. do Cod. Civil, em que se abstrai da culpa da comitente entidade patronal e de que não é impeditivo o facto de estarmos perante um acidente de trabalho, pois como bem refere o acórdão recorrido, pois os ora autores não são legalmente beneficiários de pensão de acidente de trabalho.

    1. Como se define no douto acórdão recorrido, a responsabilidade pelo risco prevista no artº. 500°. tem 3 pressupostos, a saber: 1 - A existência dum vínculo de comitente e comissário; 2 - Haver responsabilidade do comissário; 3- Ter sido praticado o facto ilícito no exercício da função.

    2. No caso dos autos, não há dúvidas e o recorrente também as não suscita de que havia uma relação de comitente/comissão entre a 1ª. R. e o falecido JJ, dado que aquele era trabalhador da 1ª. R., ou seja, estava vinculado a ela por contrato de trabalho.

    3. Para aferirmos dos outros dois requisitos temos de atender as funções que a este estavam cometidas e que, como bem refere o acórdão recorrido e resulta da matéria de facto dada como provada, o trabalhador JJ exercia as funções de chefe de equipa, da qual fazia parte o falecido II.

    4. No exercício dessas funções, - a 1ª. R. deu...

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