Acórdão nº 3526/15.8T8OAZ.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | CHAMBEL MOURISCO |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório: 1.
AA, Limitada, intentou a presente ação declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, pedindo que se declare que este violou de forma grave, reiterada e ilícita, o pacto de não concorrência inserto no contrato entre as partes em 1 de junho de 2006 e, em consequência, que se condene o mesmo a:
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Reconhecer que o referido incumprimento se deu por causa unicamente a si imputável; b) Pagar à autora a quantia de € 50.000.00, a título de indemnização por violação dolosa do pacto de não concorrência inserto no contrato objeto dos presentes autos com aquela celebrado, quantia que deverá ser atualizada anualmente e até efetivo pagamento pelo índice de inflação fixado para cada ano pelo Instituto Nacional de Estatística e acrescida dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral reembolso, tal como previsto na cláusula 12.ª do contrato objeto da presente; c) Pagar à autora quantia não inferior a € 20.000,00 por danos patrimoniais decorrentes dos lucros cessantes da mesma que decorrem quer da atividade concorrencial do réu nas clínicas identificadas na petição inicial, onde trabalhava e trabalhou, durante e após a cessação do contrato de trabalho entre ambos celebrado, quer pelo desvio de clientela da autor que efetuou ilegítima e ilicitamente.
d) Caso assim não se entenda, subsidiariamente, condenar-se o réu na devolução à autora da quantia de € 31.570,00, a título de compensações pagas pela A. àquele, durante a vigência do contrato entre ambos celebrado e objeto da presente ação, à razão de € 451,00/mês e a título de compensação pela cláusula de não concorrência que o réu não respeitou, tendo presente o valor médio mensal de rendimento do mesmo auferido ao serviço da autora; e) E em qualquer dos casos, condenar-se o réu no pagamento das indemnizações peticionadas supra, acrescidas dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento; f) Tudo com custas e demais procuradoria a cargo do réu.
O réu contestou, tendo, para além do mais, suscitado a nulidade da cláusula penal invocada como causa de pedir, designadamente, por força da alínea c) do n.º 2 do art.º 146.º do Código do Trabalho de 2003, uma vez que não lhe foi atribuída uma compensação durante o período de limitação da sua atividade.
A autora apresentou resposta.
O Tribunal da 1.ª instância decidiu julgar procedente a exceção de nulidade arguida pelo réu, absolvendo o mesmo do pedido e considerou prejudicadas as demais questões suscitadas.
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Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar o recurso parcialmente procedente, confirmando a sentença ao julgar “procedente a exceção de nulidade arguida pelo réu BB, absolvendo-se o mesmo do pedido formulado pela autora AA, Lda.”, mas alterando-a, para se determinar a restituição pelo réu à autora, de tudo o que lhe tenha sido pago ao abrigo da parte final da cláusula 7.ª (art.º 289.º nº 1 do C.C.), a título “de compensação pelo integral cumprimento do clausulado número seis do presente contrato”, condenando-se este no pagamento do respetivo montante que vier a ser liquidado (art.º 609.º n.º 2, do CPC). 3.
Inconformados com esta decisão, foram interpostos recursos de revista, principal pelo réu e subordinado pela autora.
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Neste Supremo Tribunal de Justiça os recursos foram admitidos por despacho do relator datado de 15/11/2017.
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O réu, na revista principal, formulou as seguintes conclusões: 1.ª A discordância com o acórdão recorrido tem a ver com a obrigação de restituição que determinou na sequência da declaração de nulidade da cláusula de não concorrência.
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Dá-se como assente que a cláusula de não concorrência estipulada no contrato assinado a 1.6.2006 (facto 4) é nula, como o R. ora recorrente defendeu na contestação.
3:ª Só que o acórdão recorrido, com todo o respeito, errou ao condenar na restituição das quantias percebidas ao abrigo e por força dessa cláusula nula, na medida em que não lobrigou que o contrato de trabalho celebrado entre as partes era anterior à estipulação dessa cláusula e já vigorava desde 18.2.2006. cf. factos provados 2 e 3 do acórdão do STJ de 4.2.2015 (doc. 3 da p.i.) proferido no processo anterior, a que se referem os factos 5, 6 e 16 do acórdão recorrido: Como resulta do acórdão do STJ de 4.2.2015 do processo anterior, n° 437/11.0TTOAZ, o contrato de trabalho entre A. e R. vigorava já desde pelo menos 18.2.2006 e só em 1.6.2006 é que as partes celebraram o acordo contendo a cláusula declarada nula.
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A desconsideração do início da relação contratual das partes (cf. sumário do acórdão do STJ, pg. 54 do doc. 3 da p.i.) em momento anterior à estipulação da obrigação de não concorrência constitui uma ofensa ao caso julgado anterior da maior relevância: Sendo o contrato de trabalho válido entre as partes, vigente desde pelo menos 18.2.2006, objeto de um aditamento nulo e ilegal, em 1.6.2006 (a cláusula de não concorrência declarada nula pelo acórdão recorrido), aplica-se o art.º 115.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, não havendo retroatividade na declaração da invalidade da cláusula nem operando a obrigação de restituição efeitos ex tunc ou retroativos, fazendo o contrato a sua vida como sendo válido ab initio, como era, e apenas sendo inválido o aditamento (a invalidade opera para futuro).
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Nem se compreenderia outra solução, pois estando o trabalhador ao serviço e já a receber a sua remuneração em data anterior à da estipulação da cláusula de não concorrência, não podia vir uns meses depois abdicar indiretamente ou renunciar validamente a parte da sua remuneração, de modo a que essa parte da remuneração integrasse a compensação pela obrigação assumida nessa cláusula de não concorrência estipulada a posteriori, à sua custa: Essa parte do salário que a cláusula de não concorrência considerou como integrando a compensação pela obrigação assumida era já nessa data indisponível e irrenunciável, porque na vigência do contrato de trabalho - cfr. facto 17) do acórdão do STJ (O A. auferia uma remuneração variável de 40% por cada ato praticado) com a cláusula 7.ª do contrato, onde se estipulou que a A. se obrigava a pagar ao R. 40% do total das importâncias obtidas pelo R. no mês anterior e que 30% deste valor percentual referia-se a honorários e 10% a compensação pelo integral cumprimento da obrigação de não concorrência.
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A solução a que o acórdão chegou, de obrigar à restituição de remuneração do trabalho percebida ao longo de vários anos, após a estipulação da cláusula (datada de 1.6.2006, despedimento a 1.7.2011), é a todos os títulos chocante e evidentemente não podia ser assim, sob pena de se validar a fraude na estipulação da cláusula nula e o pagamento da compensação exigível pela não concorrência à custa do salário do trabalhador e em confusão com o seu recebimento.
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O acórdão recorrido omitiu pois erradamente a aplicação do art.º 115.°, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, não havendo lugar à restituição de qualquer quantia, in casu, tendo o acórdão recorrido violado a norma citada e o art.º 289.°, n.º 1, do Código Civil, em que se estribou, bem como o caso julgado anterior, 8.ª Sempre seria um abuso de direito a A. vir invocar a nulidade da cláusula e pedir a restituição das quantias percebidas por força da nulidade da cláusula, após ter sido ela quem, afinal, deu causa à cessação do contrato de trabalho, por ter despedido ilicitamente o trabalhador, como ficou decidido no caso julgado anterior, numa situação de prepotência própria do regime dos falsos recibos verdes, pretendendo que o R. não pudesse trabalhar na sua profissão, na área da sua residência, e sustentar-se a si e à sua família, é um abuso inadmissível e uma má-fé despudorada (art.º 334.º do CC), que o direito não tutela e a que não pode dar cobertura.
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Em suma, o recurso deve proceder e ser revogado o acórdão recorrido na parte que alterou a sentença de 1.ª instância e determinou a restituição pelo R. à A. de tudo quanto lhe foi pago ao abrigo da parte final da cláusula 7.ª, a título de compensação pelo integral cumprimento da cláusula 6.ª do contrato, em termos de ficar a subsistir a sentença de 1.ª instância.
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A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pelo autor, formulando as seguintes conclusões: 1. A declarar-se nula a cláusula de não concorrência objeto dos autos, deverá manter-se, nessa parte, a decisão do douto acórdão recorrido, que determinou a restituição pelo apelante à apelada de tudo o que lhe tenha sido pago por esta ao abrigo da cláusula 7.ª e a título de compensação pelo integral cumprimento da cláusula número seis, ambas do contrato objeto dos autos, condenando-o no pagamento do respetivo montante.
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E bem andou o tribunal recorrido na respetiva fundamentação de facto e de direito.
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Devendo ser de improceder todas as conclusões de recurso de revista apresentadas pelo R./apelante. Com efeito, 4. E tal como defende o douto acórdão recorrido, as partes formalizaram o contrato pretendido entre ambas a 01-06-2006, fazendo constar, em tal contrato, a inclusão de uma cláusula de não concorrência.
5. Tal formalização, querida e desejada, vertida por escrito, foi feita de acordo com a vontade de ambas as partes, nomeadamente, de acordo com o R., aqui apelante.
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Sendo ponto assente na matéria de facto apurada em sede de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido e já transitado em julgado...
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