Acórdão nº 593/09 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução18 de Novembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 593/2009

Processo n.º 783/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A., recorrido nos autos, vem reclamar para a conferência, sob a alegação do disposto no n.º 3 do “Art. 87-A da LTC”, querendo, todavia, dizer-se “Art. 78.º-A da LTC”, da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, na medida em que limita a possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade” e “conceder provimento aos recursos, determinando-se a reforma da decisão recorrida na parte especificamente referida à questão de constitucionalidade”.

2 – No requerimento da sua reclamação, o reclamante limita-se a invocar que “não se conforma com o teor” da decisão sumária, nada dizendo sobre os fundamentos dessa discordância.

3 – Tanto o recorrente Ministério Público, este através do Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional, como os recorrentes B. e C. responderam, defendendo o indeferimento da reclamação, desde logo pela sua completa falta de fundamentos.

4 – A decisão sumária reclamada tem a seguinte redacção:

“1 – O Representante do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça, e B. e outro recorrem para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), pretendendo ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade “na medida em que é limitador[a] da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade”.

2 – A decisão recorrida tem o seguinte teor:

[…]

3. O Direito.

O Acórdão do TC nº 23/06, de 10.01, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do nº 1 do art. 1817º do C. Civil, que prevê a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade do filho, conforme o art. 26º, nº 1, da Constituição, reconhecendo que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do “direito fundamental à identidade pessoal”.

Tratando-se de estabelecer a paternidade, invoca-se o direito à identidade, na vertente de se saber de onde se vem, ou de quem se vem, dos arts. 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da Constituição, que não seria devidamente acautelado se a acção que o concretiza estivesse sujeita ao dito prazo de caducidade.

No recurso que cumpre apreciar, a questão que se coloca é a de saber se esta doutrina é aplicável às acções de impugnação da paternidade, que, no art. 1842º, nº 1, als. a), b) e c), do C. Civil, estão sujeitas a diversos prazos de caducidade, consoante sejam propostas, respectivamente, pelo marido, pela mãe, ou pelo filho.

Ou, dito por outras palavras, a questão nuclear a decidir circunscreve-se a indagar se caduca ou não o direito de acção por parte do progenitor, constante do registo de nascimento, pelo decurso do prazo previsto no art. 1842º, nº1, al. a), do C.Civil, quando se encontre cientificamente comprovado que o demandado não é seu descendente.

No Acórdão recorrido concluiu-se pela inconstitucionalidade da citada disposição legal, sufragando-se, essencialmente, o argumento de que, perante a “verdade biológica”, trazida aos autos pelo exame de ADN efectuado e que excluiu a paternidade do autor, não relevam os prazos que a lei imponha para o exercício do direito de acção, constante do mencionado normativo legal, por ofender o direito com guarida constitucional à “identidade pessoal”, constante das disposições dos arts. 25º, 26º, nº 1 e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

O Acórdão recorrido, no aludido juízo de inconstitucionalidade, foi, fundamentalmente, buscar apoio à posição que vem sendo defendida pelo Tribunal Constitucional, no que se refere ao disposto no art. 1817º do C.Civil e no que concerne ao prazo de propositura das acções de investigação de paternidade, tendo sido considerado que os respectivos pressupostos teriam inteira aplicação ao caso concreto.

Contudo, os arts. 1817º e 1842º, nº 1, al. a), do C.Civil, foram alterados pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril.

Esta Lei, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art. 2º) e se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (art. 3º) e, portanto, ao caso ajuizado, alargou, de dois para três anos, o prazo para que o marido pudesse intentar a acção de impugnação de paternidade, prazo esse contado desde o conhecimento de circunstâncias de que pudesse concluir-se a sua não paternidade.

A par desta alteração, também o art. 1817º do mesmo diploma legal (aplicável às acção de investigação de paternidade, por força do disposto no art. 1873º) sofreu alterações, estas mais profundas, na medida em que, nos termos do seu nº 1, a acção de investigação de maternidade passou a poder ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, quando, na redacção anterior, este último prazo era apenas de dois anos.

Deste modo, concordando-se embora com a argumentação da Relação e com a conclusão a que chegou, importa saber se as mesmas são válidas face à nova redacção dessas disposições legais.

No Acórdão do TC nº 23/06, de 10.01, pese embora a tese defendida pelo ali recorrente de que qualquer caducidade da acção de investigação de paternidade era inconstitucional, o que estava em causa não era “qualquer imposição constitucional de uma ilimitada (…) averiguação da verdade biológica da filiação”, pelo que, como aí se salienta, não constituía objecto do processo apurar se a imprescritibilidade da acção correspondia à única solução constitucionalmente conforme. O que estava em causa era apenas o concreto limite temporal previsto no art. 1817º, nº 1, do C.Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação, portanto, no máximo, os 20 anos de idade do investigante.

Portanto, só sobre aquele limite temporal de dois anos posteriores à maioridade ou emancipação e não sobre a possibilidade de qualquer outro limite se projectou o juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, embora se acentue claramente a ideia da imprescritibilidade das acções de reconhecimento de um estado pessoal, por um indeclinável respeito pelo direito fundamental à identidade pessoal consagrado no nº 1 do art. 26º da Constituição da República.

Como se refere no referido aresto, a tese segundo a qual a norma em questão (na versão anterior à introduzida pela Lei nº 14/2009) não era inconstitucional não se baseava na existência de um direito fundamental ao conhecimento da paternidade biológica ou na exclusão deste direito do âmbito de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, reconhecendo-se, antes, que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão deste direito fundamental.

Simplesmente, admitia-se que outros valores, como os relativos à certeza e à segurança jurídicas, podiam intervir na ponderação dos interesses em causa, “comprimindo a revelação da verdade biológica”.

Por outro lado, da perspectiva do pai, invocava-se também, por vezes, o seu direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar: tal intimidade poderia ser perturbada, sobretudo, se a revelação fosse muito surpreendente, por circunstâncias ligadas à pessoa do suposto pai ou pelo decurso do tempo, e poderia mesmo afectar o agregado familiar do visado.

Ou, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado, V vol., pag. 83), “a favor da limitação do prazo para a instauração da acção de reconhecimento judicial da paternidade invocaram alguns autores duas razões fundamentais: por um lado, a dificuldade e os riscos da prova relativa à matéria da filiação em acções muito diferidas; por outro, a situação de incerteza e de ameaça mantida por demasiado tempo sobre o pretenso progenitor e seus familiares”.

Mas a principal razão que determinou a nova solução de 1966, e certamente pesou na sua manutenção pela reforma de 1977, “foi a tal consideração ético-pragmática de combate à investigação como puro instrumento de caça à herança paterna e de estímulo à determinação da paternidade…em tempo socialmente útil”.

Estas justificações, como é salientado no Acórdão do Tribunal Constitucional que vimos referindo, actualmente, perderam a sua relevância, pois que “os avanços científicos permitiram o emprego de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza – probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5%, – e, por este meio, mesmo depois da morte é hoje, muitas vezes, possível estabelecer, com grande segurança, a maternidade e a paternidade”.

“Não é, pois, o valor da certeza objectiva da identidade pessoal que está em causa, mas antes a segurança para sujeitos ou pessoas concretas – designadamente o interesse do pretenso progenitor…em não ver indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza quanto à sua paternidade, bem como o interesse, sendo o caso, da paz e harmonia da família conjugal constituída pelo pretenso pai, a que se junta o argumento de que as acções de investigação visam frequentemente fins tão-só patrimoniais (de “caça à herança”)”.

Porém, no que toca a este último argumento, “o móbil do investigante pode bem ser apenas esclarecer a existência do vínculo familiar, chamar o progenitor a assumir a sua responsabilidade e descobrir o lugar no sistema do parentesco para deixar de estar só. Isto, mesmo em momentos em que não tenha pretensões patrimoniais, por não poder deduzir pretensões de natureza alimentar e não ter ainda previsivelmente expectativas sucessórias”.

Acresce que o argumento se situa num plano predominante patrimonial, não podendo ser decisivo ante o exercício...

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