Acórdão nº 841/2002.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. Sendo a coisa vendida um automóvel usado e não constando que sofresse vício ou defeito intrínseco, que comprometesse a finalidade a que se destinava, nem que não tivesse as qualidades asseguradas pelo vendedor, o veículo estava apto, sob o ponto de vista funcional, a circular, podendo ser destinado aos fins para que fora comprado.

  1. Pelo facto da não entrega ao comprador dos documentos habilitantes à legalização da aquisição do veículo pelo comprador, não pode considerar-se compra e venda de cosia defeituosa.

  2. O relevante para se aferir da correcta execução da prestação do contraente vendedor é saber se a coisa vendida é hábil, idónea, para a função a que se destina. A lei consagra um critério funcional.

  3. Decorre do art. 882º, nº2, do Código Civil que a obrigação da entrega da coisa que impende sobre o vendedor, abrange, “salvo estipulação em contrário”, a entrega ao comprador dos “documentos relativos à coisa ou direito”.

    Mesmo que da lei não resultasse tal obrigação, ela ancorava nos chamados deveres secundários ou acessórios de conduta cuja violação pode constituir fundamento para a resolução do contrato.

  4. Os deveres acessórios de conduta são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma actuação de boa-fé – art. 762º, nº2, do Código Civil – entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos deveres correspondentes, devem agir com honestidade, e consideração pelos interesses da outra parte.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 17.7.2002, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos – 1º Juízo Cível – acção declarativa de condenação com processo comum na forma ordinária, contra: “A... A... M... Lda.” (JIREH Automóveis) Pedindo: a) - que seja decretada a resolução de contrato de compra e venda de veículo; b) - que seja a ré condenada a restituir-lhe a quantia de € 14.864,18; c)- também condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.391,83 a título de indemnização por danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

    Alegou para tanto que, em 17.09.2001, adquiriu um veículo à Ré pelo preço de 2.980.000$00.

    Para pagamento desse preço, a autora entregou à ré um cheque no montante de 1.480.000$00 bem como um outro veículo de que era proprietária no valor de 1.500.000$00.

    No momento da aquisição, a ré apenas entregou à autora uma declaração e autorização para circular com o veículo adquirido, documento que apenas é válido pelo período de um mês.

    Posteriormente não foi entregue qualquer outro documento à autora, a qual, desde 15/11/2001, por intervenção da autoridade policial, se vê impedida de circular com o veículo adquirido à ré, por não ter documentos que a habilitem a circular legalmente com ele.

    A ré, apesar de instada pela autora e de ter conhecimento da sua impossibilidade de circular com o veículo, não lhe entregou os documentos do mesmo.

    A autora precisa de um veículo para o exercício da sua actividade profissional.

    Acresce que, por se ter visto impossibilitada de circular com o veículo adquirido à ré, viu-se obrigada a pedir viaturas emprestadas e a custear compensações por tais cedências e houve mesmo ocasiões em que não pode ir trabalhar, deixando de auferir rendimentos de trabalho, o que tudo lhe causou tristeza, nervosismo e ansiedade.

    Citada, a ré contestou a acção, alegando, em síntese, que a viatura adquirida pela autora à ré, tinha sido por esta adquirida em retoma, e que, só no momento da retoma é que a ré verificou que os documentos da viatura se encontravam na posse da financeira “C...”.

    Essa financeira foi contactada pela ré para entregar os documentos respectivos, mas aquela recusou fazê-lo enquanto não fosse liquidado o que lhe era devido, acordando-se que a liquidação seria efectuada em simultâneo com o financiamento no momento da aquisição pela autora.

    O que tudo era do conhecimento da autora, nomeadamente que a obtenção dos documentos não dependia exclusivamente da ré. Posteriormente, veio a ré a saber que os documentos da viatura estavam ainda na posse de da firma “E... C...”.

    Devido a tais vicissitudes, a ré só passou a ter os documentos na sua posse em 03/05/2002, altura em que contactou a autora para lhos entregar.

    Por outro lado, a declaração facultada pela ré à autora no momento da aquisição, que lhe permite circular pelo período de um mês, pode ser renovada e a autora nunca se dirigiu à ré para esse efeito.

    Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

    No saneador o Tribunal foi considerado o competente, as partes legítimas e o processo isento de nulidades, excepções ou questões prévias.

    *** A final foi proferia sentença do seguinte teor: “Nestes termos, julgo parcialmente procedente a acção, na medida dos factos que resultaram provados, em consequência: 1) Anulo o contrato de compra e venda do veículo identificado nos autos.

    2) Condeno a ré a devolver à autora o preço pago de € 14.864,18 (catorze mil oitocentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos), acrescida dos juros de mora à taxa legal, que se vencerem a partir desta data até efectivo e integral pagamento.

    3) Ordeno à autora que restitua o veículo identificado nos autos à ré.

    4) Condeno a ré a pagar à autora a indemnização global, por danos de natureza patrimonial e não patrimonial, no montante de € 2.496,39 (dois mil quatrocentos e noventa e seis euros e trinta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

    5) Nos termos das disposições conjugadas dos art°s 456° n°s 1 e 2 alíneas b) e e) e 457°, do Código de Processo Civil, e 102° alínea a) do Código Custas Judiciais, condeno a ré como litigante de má fé, na multa de € 500,00 (quinhentos euros), e no pagamento à autora da indemnização que se vier a fixar.” (sublinhámos) *** Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 7.4.2008 – fls. 265 a 279 – concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença e absolvendo a Ré de todos os pedidos.

    *** De novo inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal que, por Acórdão de 23.10.2008 – fls. 368 a 374 – concedeu a revista, anulando o Acórdão recorrido, ordenando a baixa do processo à Relação para aí ser reformado, a fim de ser suprida a nulidade cometida por aquele Tribunal, que, considerando ser a sentença nula, por ter decidido com base em fundamento não invocado pela Autora, não apreciou, como devia, o mérito da acção em conformidade com o art. 715º, nº1, do Código de Processo Civil.

    *** Baixado o processo à Relação foi aí proferido Acórdão em 16.2.2009 – fls. 382 a 403 – do seguinte teor: “ - Declara-se resolvido o negócio dos autos e sub judice: - Confirma-se a sentença apelada na parte em que condenou a Ré a restituir à Autora a quantia € 14.864,18 referente ao preço do automóvel pago, a quantia de € 499+1.496,39 referentes a perdas patrimoniais.

    Tais montantes são acrescidos de juros legais desde a citação até efectivo pagamento (art.805º,nº1, a) e 559º ambos do Código Civil) Vai ainda confirmada a mesma sentença quanto à fixação dos danos não patrimoniais, no montante estipulado de € 1.000,00 que são...

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