Acórdão nº 638/06.2TACBR.CL de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2009
Magistrado Responsável | DR. CALVÁRIO ANTUNES |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGOS 29º, 5,CRP, 275º, 1 CP, 3º, 1 AL. D) D.L. 207-A/75 Sumário: Estamos perante uma situação de caso julgado quando o arguido condenado por um crime de roubo com arma é julgado por ter sido encontrado cerca de uma hora depois prática daquele crime por elementos das forças policiais que procediam já à respectiva investigação, num momento em que ainda trazia consigo a arma que havia utilizado Decisão Texto Integral: I. Relatório: Para julgamento em processo comum singular, o Ministério Público acusou: 1- C..., solteiro, natural de Sé Nova, Coimbra, residente na R…, Coimbra e actualmente preso no EPC; 2- P..., divorciado, natural de Eiras, Coimbra, residente na T…, Coimbra; imputando-lhes a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela conjugação dos artºs 275º, nº 1 do Código Penal e 3º, nº 1, alínea d), do DL nº 207-A/75, de 17.04 e actualmente pelo artº 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23.02.
*** Procedeu-se a julgamento, tendo sido decidido julgar “parcialmente procedente a acusação, e em consequência, condeno o arguido C... pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela conjugação dos artºs 275º, nº 1 do Código Penal e 3º, nº 1, alínea d), do DL nº 207-A/75, de 17.04 na pena de vinte e dois meses de prisão efectiva.” *** 2.
Inconformado, o arguido C... interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões: “1. Pela douta sentença de que se recorre, foi o Recorrente condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida.
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Contudo, salvo o devido e merecido respeito, não se pode concordar com a mesma.
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O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não valorou devidamente os depoimentos das testemunhas J... e Z..., inspectores da Polícia Judiciária.
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Pois não considerou a circunstância de tais testemunhas terem afirmado peremptoriamente que já haviam deposto sobre os factos em apreço no Tribunal de Cantanhede.
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Estes factos estão de tal forma interligados com aqueles pelos quais o Recorrente foi condenado no foro de Cantanhede, não fazendo sentido a sua autonomização.
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Com efeito, a qualificação jurídica de ambos os factos é exactamente a mesma - crime de detenção de arma proibida -, sendo prevista e punida pelos mesmos preceitos legais.
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A arma é a mesma - espingarda de marca "J. Gaucher", calibre 9mm, com o número de série 196714, com o cano e a coronha serrados.
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As provas que instruíram os dois processos e que sustentaram as condenações do Recorrente são basicamente as mesmas.
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Duas das testemunhas, comuns aos processos em apreço, prestaram depoimento sobre os mesmos factos.
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Relativamente à prova documental, o Colectivo de Cantanhede já havia considerado o auto de revista e apreensão e o relatório de exame à arma de fogo, juntos aos presentes autos.
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O circunstancialismo fáctico sub iudice teve lugar na sequência do assalto a uma farmácia, apenas uma hora depois e dentro da mesma comarca.
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O lapso temporal corresponde apenas ao desfecho do facto histórico julgado em Cantanhede.
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De acordo com as regras da experiência, é de esperar que o Recorrente, após o assalto, não se desfaça imediatamente da arma.
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O Tribunal a quo efectuou apenas uma apreciação perfunctória da matéria de facto relevante para a decisão.
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Se tivesse constatado todas estas evidências, a decisão não seria condenatória, pelo que se verifica erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410°, nº 2, alínea c) do CPP.
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Pelo contrário, teria sido absolvido, de acordo com o princípio "ne bis in idem", plasmado no art. 29° nº 5 da CRP.
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Tem igualmente assento no art. 4° do Protocolo nº7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e art. 14º nº7 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
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Consubstanciado na máxima de que "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime", tem subjacente razões de justiça, segurança e paz jurídica.
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Pelo que a sentença penal ditada no processo em que se julgou um concreto arguido por um determinado facto, tem força de caso julgado, excluindo forçosamente um segundo processo contra o mesmo sujeito pelo mesmo facto.
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A factualidade em apreciação é indubitavelmente indissociável do pedaço de vida julgado em Cantanhede, formando com ele uma unidade de sentido, pelo que já transitou em julgado.
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Atendendo aos poderes de cognição do juiz, é certo que o Colectivo de Cantanhede se debruçou sobre a operação de detenção do ora Recorrente e a inerente apreensão da arma.
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O tipo legal de crime em apreço é de realização permanente, cujo preenchimento se inicia com a aquisição da arma e se mantêm enquanto durar esta forma de actuação.
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Verifica-se uma só acção que se protela no tempo.
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Neste sentido, a utilização e detenção da arma configura uma única actividade criminosa, punível apenas no início da execução.
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Na audiência de julgamento, em sede de disposições introdutórias, a defesa invocou a existência de caso julgado relativamente ao processo que correu termos no Tribunal Judicial de Cantanhede.
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Esta questão foi decidida de modo perfunctório, com recurso a conceitos abstractos, carecidos de concretização no domínio da factualidade.
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O Principio da Legalidade exige que o Tribunal fundamente, de forma objectiva, o processo de formação da sua convicção, de modo a que a decisão não seja arbitrária.
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A decisão recorrida padece de um vício de falta de fundamentação, infringindo o art. 205º nº1 da CRP e os arts.374° nº2 e 379° nº1 al.a) do CPP.
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Ainda assim, a sentença deverá sempre ser declarada inconstitucional por violação flagrante do imperativo constitucional- art.29º nº 5 da CRP.
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Não interpretando a realidade factual no sentido de a subsumir ao conceito de "mesmo crime", o Julgador violou esta norma constituciona1.
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Ofende também o preceituado no art. 4° nº1 do Protocolo nº7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
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Pelo que deverá ser revogada e proferida decisão de absolvição do Recorrente pela prática do crime de detenção de arma proibida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” *** 3 Após a notificação prevista no artº 411, nº 6, veio o Magistrado do Ministério Público oferecer a resposta, de fls. 206/207, onde sustenta que a sentença recorrida não merece reparos, devendo manter-se inalterada.
*** Admitido o recurso, a fls. 208, foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal.
*** 4. Subidos os autos a este Tribunal da...
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