Acórdão nº 524/05.3GAABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução11 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NÃO PROVIDO Sumário: 1. Uma prova é indirecta ou circunstancial quando é de tal natureza (admitida a sua exactidão) que não pode, apesar dela, chegar-se à convicção da coisa que se quer provar a não ser por via de indução, de raciocínio, de inferência.

2.No plano da aquisição da prova, as declarações da assistente constituem um dos meios de prova expressamente previstos (art. 145.º do CPP). Do ponto de vista da sua valoração, a lei de processo não regula em especial o valor probatório daquelas declarações, limitando-se a dispensar o assistente e as partes civis da obrigação de prestar juramento, mas vinculando-os ao dever de verdade, de forma semelhante ao previsto para o depoimento testemunhal, cujo regime lhe é subsidiariamente aplicável (cf. art. 145.º n.º2 e 3 do CPP). E não prevendo o CPP qualquer regra de corroboração necessária, quer em geral, quer para aquele meio de prova específico, quer mesmo para a prova de determinados factos, a valoração das declarações do assistente e das partes civis, deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova.

Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no 2º juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, foi sujeito a julgamento J.D. …residente na Rua…., Vilamoura, a quem o MP imputara factos susceptíveis de integrar a materialidade típica, em autoria material, de 2 (dois) crimes de ameaça qualificada, p., p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 2, do Código Penal, sendo-lhe ainda imputada pela assistente, M.M., que deduziu acusação particular, a prática e um crime de difamação, previsto e punido pelo n° l do artigo 180° do Código Penal e de dois crimes de injúrias, todos previstos e puníveis pelo disposto no nº l do artigo 181° do mesmo Código.

2.

A assistente deduziu ainda pedido de indemnização civil contra o arguido e ora demandado, peticionando a condenação deste no pagamento de uma indemnização à demandante por todos prejuízos que lhe causou, em virtude das suas condutas referidas na acusação, no montante de € 10.178,00 (dez mil cento e setenta e oito euros) e em tudo o mais que vier a ser liquidado em execução de sentença.

  1. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal recorrido decidiu: - Julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:

  1. Absolver o arguido J.D.

    , da prática de um crime de difamação de que vinha acusado, p. e p. pelo artigo 180º do C. Penal.

  2. Condenar o arguido J.D.

    pela prática de dois crimes de ameaça qualificada, p. e p. pelo art. 153°, n.° 1, e 155º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa cada; c) Condenar o arguido J.D.

    pela prática de dois crimes de injúria, p. e p. pelo art. 181°, n.° 2, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa; d) Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 240 dias de multa, à taxa diária de € 7,50, o que perfaz a quantia de € 1.800,00.

  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível e, em consequência condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de €1.000,00 (mil Euros) a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do restante pedido.

    4. – Inconformado, recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões, oportunamente corrigidas, que se transcrevem: «CONCLUSÕES: 1 – Para a sentença recorrida dar como assente que determinado bilhete foi escrito pelo arguido não basta a assistente dizer que é dele porque conhece a sua letra.

    2 – A autoria da escrita de uma pessoa só pode ser estabelecida, se a mesma nega essa autoria, por perícia forense adequada, que cabia à Acusação ter promovido ou ao Julgador ter ordenado.

    3 – De outra parte, a afirmação da assistente de que foi perseguida pelo arguido e quando regressou à sua viatura verificou que este lhe deixou o bilhete de folhas 11 e que o mesmo dizia “hás-de pagá-las sua puta” e que não tem dúvida que a letra é dele porque a conhece muito bem e a afirmação da testemunha S.D. que disse ““Falo disto porque o meu pai um dia seguiu-nos até ao Al-Sakia onde eu morava e deixou um papel no carro da minha mãe, esse papel eu vi, e depois foi fazendo várias ameaças” impunham que se desse como não provado que foi o arguido quem deixou e escreveu o bilhete de folhas 11 porquanto a assistente diz que foi perseguida (enquanto conduzia o seu carro sozinha) e a filha, S.D. refere que seguiam as duas. Por esta razão não devia ter sido dado como assente a matéria que consta dos pontos 10,11,12 de factos provados da sentença recorrida (além das razões já invocadas nas duas conclusões anteriores).

    4 – O Julgador não pode determinar nem dar por assente, unicamente com recurso à prova testemunhal de leigos, características de violência na personalidade do arguido mas sim e apenas com recurso a perícia adequada, que não ordenou.

    5 – A alegada depressão da assistente apenas pode ser estabelecida por perícia médico-legal, bem como o nexo de causalidade entre essa doença e determinado comportamento do arguido, pelo que estes factos devem ser dados como não provados.

    6 - O Julgador não dispõe de conhecimentos científicos que lhe permitam avaliar e dar por assente que a assistente sofre de depressão grave e arrastada (também em itálico na decisão recorrida).

    7 – O único meio de prova admissível de efectivação de chamadas telefónicas, mesmo as anónimas, do telefone do arguido ou de qualquer outro telefone, é a listagem de registos de chamadas efectuadas fornecida pela operadora.

    8 – A decisão recorrida não pode dar como assente que o arguido dirigiu à assistente, via telefónica, expressões qualificáveis de ameaça e de injúrias se mais ninguém ouviu essas conversas e a assistente não descreveu concretamente o enquadramento e contexto dessas conversas.

    9 - A afirmação da assistente de que ” já depois do divórcio, encetei relação com outra pessoa e a partir de finais de Junho/Julho 2005 o J.D. teve conhecimento e a partir daí começaram telefonemas anónimos, à noite, a horas tardias e um deles foi esse” e “os telefonemas anónimos acabaram quando eu me separei do Sr. M.R.”, a afirmação da filha, a testemunha S.D., “não assisti a nenhuma ameaça”, “Não posso afirmar quantas vezes foi (os telefonemas), não vivia com a minha mãe mas estava constantemente com ela” , as da testemunha M.R. de que “ela (a assistente) é que me contou dos telefonemas” e de que “Quem disse ao arguido que eu andava com a Fátima havia três anos foi a minha ex-mulher, a responsabilidade é dela” , a afirmação da testemunha J.S. de que “a D. Fátima relatou-me uma situação”, “que me foi, a posteriori, confirmado pela S.”,e “Não sei se ele lhe chamou puta”, “não consigo precisar nomes”, sendo que é o advogado da assistente que diz “ela sentia-se ameaçada, e que tinha de sair do Algarve”,e as afirmações de Maria C. de que “ela dizia que estava a ser perseguida” e “nunca ouvi ele chamar-lhe puta” impõem que se dê como não provado que os telefonemas anónimos eram do arguido e como não provados os teores dos telefonemas em que o arguido se identificou e que vêm referidos na acusação. Por estas razões não deviam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 1,1, 2,3,4,5,13,14,15,16,17 (2ª parte), 21,23,24,25,26,27,28,29,30 de factos provados da sentença.

    10 – Sabendo as testemunhas dessas conversas telefónicas apenas por relato da assistente, a quem esta também afirmou ter medo do arguido, seu ex-marido, e estar muito angustiada com as ameaças e as injúrias do mesmo, mas não tendo assistido directamente aos factos, não podem os respectivos depoimentos ser valorados para condenar o arguido por crimes de ameaça qualificada e de injúrias.

    11 – Frases como “vou-te matar”, ou “vou alargar a tua aliança e usá-la no meu dedo porque tu para mim já morrestes”, num contexto de um casamento de 27 anos, tumultuoso, que terminou em divórcio por mútuo acordo, com partilha de bens, desacordo sobre cumprimento da regulação do exercício do poder paternal e em que o arguido se convence, ainda que erradamente, que a assistente, sua ex-mulher, o enganou com outro homem, ainda na constância do casamento, correspondem a impropérios, desabafos, despeito, a “palavras da boca para fora”.

    12 – Qualquer outra pessoa, colocada nas mesmas circunstâncias, que conhecesse o arguido e o seu afecto pela assistente, saberia que as mesmas, a terem sido proferidas, foram proferidas da “boca para fora”.

    13 – Pelo que, de modo objectivo, não são as mesmas adequadas a causar medo e receio pela vida à assistente.

    14 - A afirmação da assistente de que “o meu filho estava a meio do período, não queria prejudicá-lo, no ano de 2007 o pai escreveu para uma reconciliação, queria que houvesse harmonia, eu não tinha a minha família aqui, a minha filha estava a trabalhar fora do Algarve, achei que o melhor era contactar com o pai e pedir-lhe que tomasse conta do filho e ele aceitou, reagiu muito bem” e a de que, depois de perguntada pela Senhora Juíza se, neste momento, já não receia o marido, de que “Nesse encontro fiquei com a sensação que podíamos não digo conversar mas quando ele despejou o filho à porta de casa, assim a minha posição já não é a mesma”, impõe que se dê como não provado que a assistente teve medo das alegadas ameaças do arguido. Por estes motivos não deviam ter sido dados como provados os factos constantes nos pontos 1,1,2,3,4,5,29,30 de factos provados da sentença recorrida.

    15 – Se a assistente afirma ao Julgador que, não tendo o arguido ficado com o filho até quando ela pensava que devia ficar, tendo-o “despejado”, como diz, à porta de casa e que, por isso, já não tem a mesma opinião dele, ou seja antes tinha medo dele, deixou de ter quando ele acolheu o filho e depois mudou de opinião, tais palavras revelam que as palavras do arguido não representaram para ela qualquer ameaça, o problema dela é com o que...

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