Acórdão nº 2657/07.2TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. ALBERTO MIRA
Data da Resolução09 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 180º DO CP Sumário: 1. O tipo objectivo do crime de difamação (art.º 180º , 1 DO cp) surge estruturado em dois grandes campos. Um, reportado à ofensa propriamente dita, que pode ser concretizado por qualquer pessoa através da imputação de facto ofensivo da honra ou consideração de outrem, por meio de formulação de um juízo de igual forma lesivo da honra ou consideração de alguém, ou ainda pela reprodução daquela imputação ou juízo. O outro, exigindo que as condutas supra descritas se não façam directamente ao ofendido, mas que ao serem praticadas se dirijam a terceiros, residindo aqui o traço distintivo fundamental entre o conceito normativo de injúria e de difamação 2. A ofensa pode apresentar-se sob a forma de imputação de facto ou sob a veste de formulação de juízo.

3. No conceito de honra a jurisprudência e a doutrina têm considerado não apenas a personalidade moral como também a sua valoração social.

4. A honra está ligada à imagem que cada um forma de si próprio, construída interiormente mas também a partir de reflexos exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e de honestidade que não se deseja ver manchados. A reputação, por seu lado, representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, o apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações ou, para figura públicas, no seio da comunidade local, regional ou mundial.

Decisão Texto Integral: I. Relatório: 1.

No âmbito do inquérito registado sob o n.º 2657/07.2TALRA que correu termos no Tribunal Judicial de Leiria, o assistente A... deduziu, em 9 de Junho de 2008, a fls. 54/55, acusação particular contra M..., completamente identificado nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de difamação agravado, p. e p. nos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

O referido libelo acusatório não teve o acompanhamento do Magistrado do Ministério Público (cfr. fls. 59).

*2.

Inconformado com o despacho de acusação, o arguido requereu a abertura de instrução, nos precisos termos de fls. 68/70.

*3.

Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo a final sido proferido despacho, no qual ficou decidido não pronunciar o arguido pelo referido crime de difamação agravado (cfr. fls. 88/96).

*4.

Da decisão de não pronúncia recorreu o assistente, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª – São falsas e assim destituídas de qualquer fundamento sério ou válido todas as expressões constantes da participação elaborada pelo recorrido, apresentada no Comando da Polícia de Segurança Pública de Leiria, e posteriormente enviada à Ordem dos Advogados.

  1. – Sendo falso todo o conteúdo ou teor daquela participação, necessariamente o recorrido não fez, nem conseguiu fazer, qualquer tipo de prova.

  2. – A imputação de factos ao recorrente, por parte do recorrido, é ofensiva da honra e consideração daquele e constituem crime p. e p. artigo 180.º do C. Penal, com as agravantes do artigo 183.º, alíneas a) e b) do mesmo diploma.

  3. – Entende o recorrente que o Tribunal deve dar como indiciação suficiente e necessária a prática de um crime p. e p. pelo artigo 180.º, com as agravantes do artigo 183.º, als. a) e b) do C. Penal, por parte do recorrido.

  4. – Verifica-se assim contradição entre aquela fundamentação e a douta decisão de não pronúncia.

  5. – Aponta-se ainda erro notório por parte do Tribunal na apreciação da prova.

    Ao decidir como decidiu, violou o douto despacho o disposto nos artigos 283.º, n.ºs 1 e 2, 286.º, n.º 1, 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), e 127.º, do CPP.

    Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, pelo que, em consequência, deve revogar-se o douto despacho de não pronúncia e proferir-se despacho de pronúncia do mesmo recorrido, submetendo-se a julgamento.

    *5.

    Apresentaram resposta ao recurso o Ministério Público e o arguido, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

    1. Ministério Público: 1. O vício de contradição entre a fundamentação e a decisão ocorre quando “há oposição insanável entre os factos provados, entre eles e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto” – Ac. do S.T.J. de 14/12/95, publicado na C.J., no Ano III, pág. 263; 2. Percorrendo toda a decisão de não pronúncia, não se constata, dos argumentos já expendidos e elencados pelo recorrente, qualquer facto susceptível de ser integrado em tal critério, não se preenchendo tal requisito plasmado no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP; 3.ª – O erro notório a que alude a al. c) do artigo 410.º do CPP consiste em dar-se como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido – Ac. do STJ de 14-12-95, publicado na CJ, Ano III, Tomo III, pág. 263; 4.ª – No nosso ordenamento jurídico-processual, vigora, como se sabe, o sistema da livre convicção, consagrado no artigo 127.º do CPP, sendo que a liberdade concedida ao julgador se trata de uma liberdade de acordo com um dever, qual seja o de perseguir a chamada verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, redutível a critérios objectivos e, portanto, susceptível de motivação e controle.

  6. – A decisão de não pronúncia não incorre no alegado vício de erro notório de apreciação da prova, pois do texto do despacho, por si ou conjugado com as regras de experiência comum, não resulta qualquer errónea valoração da actividade probatória realizada pelo Mm.º JIC; 6.ª – O Mm.º JIC não circunscreveu a sua apreciação a um ou dois elementos probatórios em especial, mas a todos os que se referem na decisão recorrida, que relacionou e conjugou, à luz das regras da experiência; 7.ª – A decisão recorrida bem ajuizou a prova produzida em sede de inquérito, fazendo uma correcta aplicação dos factos; 8.ª – A decisão ora recorrida, de não pronúncia do arguido, fez uma correcta aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto, mormente dos artigos 283.º, n.ºs 1 e 2, 286.º, n.º 1, 410.º, n.º 2, als. a), b) e c), e 127.º, todos do CPP; 9.ª – Pelo que, não existindo a violação de qualquer norma legal, deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo assistente, mantendo-se, no tocante ao alegado pelo mesmo, a decisão recorrida, nos seus precisos termos.

    1. Arguido: 1. Resultando de forma notória da douta decisão instrutória o apurado cuidado na ponderação e elaboração da factualidade considerada provada, bem como, de toda a meditação reflectida na motivação exposta na douta decisão, donde se infere não só a prova resultante do testemunho prestado em sede de debate instrutório, quer dos demais elementos probatórios existentes nos autos.

      2. Pelo que, considera o Arguido/Recorrido ser manifestamente infundado o entendimento expresso pelo Assistente/Recorrente, quando afirma no ponto 5.º e 6.º das conclusões das suas alegações: 5.º - “Verifica-se assim contradição entre aquela fundamentação e a douta decisão de não pronúncia”; 6.ª – “Aponta-se ainda erro notório por parte do Tribunal na apreciação da prova”, afirmações que apenas se poderão enquadrar num esforço por parte do Assistente de não levar em linha de conta a prova que foi efectivamente produzida em sede de inquérito e de debate instrutório, que lhe é desfavorável, o que, aliás, resulta de forma patente ao longo das suas alegações.

      3. Atenta quer a factualidade apurada quer os meios de prova produzidos, torna-se evidente, salvo melhor opinião, ao contrário do afirmado pelo Assistente nas suas alegações: «A decisão do tribunal apresenta-se assim pois manifestamente precipitada e “infeliz”», que a decisão do Meritíssimo Juiz de Instrução junto do Tribunal a quo, ao decidir não pronunciar o Arguido/Recorrido, pelo crime de difamação agravado, foi ponderada e perfeitamente fundamentada.

      4. Não existe, ao contrário do afirmado na douta motivação de recurso do Assistente/Recorrente, e salvo melhor opinião, errada apreciação de valoração da prova produzida, o que o Tribunal a quo formulou foi um juízo contrário à opinião do Assistente/Recorrente, e isso mesmo resulta agora do teor da motivação de recurso, da qual não é possível extrair, com rigor, as provas que no entender do Assistente impunham decisão diversa.

      5. Antes, limita-se o Assistente/Recorrente, nas suas alegações, a fazer conjecturas, algumas das quais ofensivas da honra e bom nome do Arguido/Recorrido, enquanto profissional de autoridade e até mesmo como cidadão, nomeadamente: “Por outro lado ao longo destes anos, o recorrido também é visto no mesmo largo de dia e de noite fardado e à civil em alegre convívio ou companhia com uma senhora que habita um prédio situado no mesmo...

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