Acórdão nº 05498/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução07 de Novembro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

P..., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. O Recorrente desempenhava funções de assessor desde 2002; 2. Essas funções eram prestadas de forma remunerada, em regime de prestação de serviços (recibo verde); 3. Em Março de 2009, por recomendação da Câmara Municipal de Sintra, foi celebrado contrato com uma sociedade pertencente ao Recorrente; 4. Essa formalização contratual não se traduziu cm qualquer alteração das funções que o Recorrente vinha desempenhando desde 2002 nem em qualquer alteração na remuneração; 5. Constituiu uma forma de ultrapassar a dificuldade de se continuar a emitir recibos verdes; 6. A isenção e independência que o Recorrente tinha, passando recibos verdes, não é diferente da que tem, sendo o contrato celebrado com uma sociedade de que é proprietário; 7. A assembleia municipal tem competência diminuta, estando o poder executivo na câmara; 8. O Recorrente não tem quaisquer possibilidades de influenciar a vontade negocial da Câmara, no que respeita ao contrato celebrado; 9. A inelegibilidade prevista no art° 7°, n°2, alínea c) da Lei n° 1/2001 traduz-se numa restrição do direito do cidadão participar na vida política e aceder aos cargos públicos, direitos fundamentais que, nos termos do art° 18º nº 2 da CRP só podem ser restringidos na medida do necessário à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 10. Pelo que essa inelegibilidade só ocorre quando, no caso concreto, existe o perigo de atentar contra as garantias de isenção e imparcialidade, por o titular do cargo poder, de alguma forma, influenciar a contraparte em qualquer decisão com repercussão no contrato em execução; 11. No caso em análise não existe essa possibilidade; 12. Pelo que não existe inelegibilidade; 13. A douta sentença recorrida violou, assim, a norma do art° 7°,n°2,alínea c) da Lei n° 1/2001, a as normas constitucionais que consagram os direitos de participação na vida política (art° 18°,n°2, da CRP); 14. Impunha-se a produção de prova testemunhal sobre a matéria alegada na contestação, para comprovação dos factos alegados, de forma a determinar se houve ou não culpa (caso se perfilhe o entendimento da primeira instância sobre a inelegibilidade), pelo que violou as normas dos artigos 513° e 515° do CPC; 15. Não havendo culpa, não se podia aplicar a sanção, pelo que a sentença violou o art°10ºdaLei n°27/96; 16. Bem como os princípios da proporcionalidade, consagrados constitucionalmente; 17. Pelo que deve ser revogada, anulando-se, assim, a decisão que determinou a perda de mandato.

* O Recorrido contra-alegou, concluindo como segue: 1. Por força da aplicação conjugada dos artigos, 41°, da Lei n° 169/99, de 18 de Setembro, 7°, 2, c), da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto e 8°, 1, b), da Lei n° 27/96, de 01 de Agosto, os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que pertençam aos órgãos das autarquias locais, durante o mandato, não podem celebrar contrato com a autarquia onde exercem funções sob pena de perda de mandato.

  1. A actuação do demandado, que, fazendo parte da Assembleia Municipal de Sintra, na qualidade de sócio gerente da sociedade por quotas "Xelentenota -Comunicação, Unipessoal, Lda", celebra com a Câmara Municipal de Sintra um contrato de prestação de serviços, é determinante da perda de mandato, nos termos do disposto no citado art. 8°, n° 1, al. b), da Lei n° 27/96, de 1 de Agosto.

  2. Com efeito nos termos do art. 41°, da Lei n° 169/99, de 18 de Setembro (que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias) "a assembleia municipal é o órgão deliberativo do município".

  3. E, nos termos da al. c), do n° 2 do art. 7° da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais onde exercem funções ou jurisdição "os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada".

  4. Também nos termos do art. 8°, n° 1, al. b), da Lei n° 27/96, de 01 de Agosto, incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que "após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis" 6. A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu art. 50°, o "Direito de acesso a cargos públicos", estipulando no n° 3 que "no acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos " (sublinhado nosso).

  5. Em concretização daquela norma constitucional veio o legislador ordinário através da citada Lei Orgânica n° 1/2001, de 14/08, estabelecer inelegibilidades gerais e especiais, respectivamente, nos seus arts. 6° e 7°.

  6. Ora, a existência de um regime de inelegibilidade visa assegurar garantias de dignidade e genuinidade ao acto eleitoral e, simultaneamente, evitar a eleição de quem, pelas funções que exerce, se entende que não deve ou não pode representar um órgão autárquico.

  7. Assim, tem sido jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, quer no âmbito da actual Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais - LEOAL, quer da anterior (DL 701-B/76, de 29/09) que o regime de inelegibilidade previsto nos n°s. 1 e 2 do art. 7° da LEOAL, visa garantir a dignificação e a genuidade do acto eleitoral bem como garantir a isenção e a independência com que os titulares dos órgãos autárquicos devem exercer os seus cargos e, assim, gerir os negócios públicos estando em causa "(...) o exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos autárquicos (...)" - cfr entre outros, Acs. T. Constitucional n° 495/01, de 20/11/2001, n° 505/01, de 21/11/2001, n° 510/01, de 26/11/2001, n° 511/01, de 26/11/2001, n°, 515/01, de 26/11/2001 e n° 516/01, de 28/11/2001 in www.tribunalconstitucional.pt e no âmbito da anterior da lei, entre muitos outros, Ac. T. Constitucional 717/93, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 26°, págs. 407 e ss.

  8. Pretende-se, em suma, proteger a independência das funções e, ao mesmo tempo, manter na acção administrativa a moralidade, objectividade e serenidade que lhe deva imprimir o cariz indiscutível do interesse geral afastando-se do exercício de um determinado cargo, quem o não possa desempenhar com as necessárias liberdade e independência, comprometendo o prestígio do órgão respectivo.

  9. Ora, é patente o antagonismo de situações existentes entre um membro de um órgão autárquico proprietário de uma empresa e o próprio órgão em caso de contratação sendo que tal divergência é inequívoca em contratos ainda não integralmente cumpridos ou de execução continuada como sucede com os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT