Acórdão nº 254/07.1TTVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMACHADO DA SILVA
Data da Resolução05 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 87 - FLS 259.

Área Temática: .

Sumário: Configura uma situação de “abuso do direito” o despedimento do trabalhador com fundamento em faltas injustificadas, por ter estado preso, quando a entidade patronal permaneceu indiferente durante cerca de três anos e meio (29-9-2003 a 26-2-2007) à situação de ausência do trabalhador e só reagiu disciplinarmente quando o mesmo pretendeu voltar a trabalhar.

Reclamações: Decisão Texto Integral: -Reg. nº 1373.

Proc. nº 254/07.1TTVLG.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. B………. intentou a presente acção, com processo comum, contra a Rede Ferroviária Nacional – REFER, EP, pedindo: - se declare a ilicitude do despedimento efectuado pela Ré no dia 16 de Junho de 2007 e, consequentemente seja a ré condenada a reintegrar o Autor, se ele optar por tal reintegração, ou a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial.

- o pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, incluindo as correspondentes a férias e subsídios de férias e de Natal que se venham a vencer; - o pagamento da quantia de € 16.604,14, acrescida de juros de mora à taxa legal, até integral pagamento, referente às seguintes quantias: - vencimentos não pagos referentes aos meses de Fevereiro, Março e Junho de 2007, no montante de € 1.476,34; - retribuição correspondente a férias, referentes ao ano de 2001, não gozadas, bem como férias e subsídio de férias vencidas em Janeiro de 2002, no montante de € 2.435,88; - retribuição correspondente a férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de cessação, no montante de € 461,28; - subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de cessação, no montante de € 230,64; - compensação a título de danos não patrimoniais no montante de € 12.000.

Alega para tanto e em síntese que a Ré é uma empresa pública que se dedica a gestão da rede ferroviária dos caminhos-de-ferro portugueses, tendo o Autor sido admitido ao seu serviço no dia 1 de Fevereiro de 1976 para, sob a sua autoridade e direcção, mediante o pagamento da retribuição mensal legal, desempenhar a actividade profissional de ferroviário (categoria - operador de via).

Ultimamente o Autor recebia uma retribuição mensal de € 703,91, a que acrescia cinco diuturnidades no montante de € 21,61 (21,61 x 5 =108,05) e subsídio de refeição de € 5,75.

A Ré no dia 13 de Abril de 2007, comunicou-lhe a sua intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, com base nos fundamentos indicados na nota de culpa, na qual o Autor é acusado «Da prática pelo arguido dos factos consubstanciadores de infracções disciplinares graves consequência da violação dos seus deveres laborais de assiduidade e pontualidade (faltas ao trabalho resultado da sua condenação em pena de prisão pela prática de tráfico de produtos estupefacientes e de detenção ilegal de arma), previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Trabalho.

A violação pelo arguido dos deveres de assiduidade e de pontualidade com as faltas dadas ao trabalho em consequência da sua detenção, prisão preventiva e posterior condenação em pena de prisão efectiva ocorridas entre o período de 12/11/2001 até 26/02/2007, representa faltas injustificadas nos termos do artigo 225º, nº 2, alínea b) e nº 3, e para os efeitos do artigo 396, nº 3, alínea g), ambos do Código do Trabalho, constituindo motivo de justa causa de despedimento do arguido.».

O Autor respondeu a essa Nota de Culpa.

No culminar desse processo disciplinar a Ré procedeu à decisão de despedimento do Autor no dia 16 de Junho de 2007.

Alega o Autor que exerceu as suas funções sob as ordens e direcção da Ré por mais de 31 anos, tendo em virtude do exercício das suas funções sofrido dois acidentes de trabalho que o incapacitaram para o trabalho tendo sido fixadas as correspondentes IPP, facto que não o impediu de continuar a exercer as suas funções com zelo e diligência.

As faltas dadas pelo Autor ao seu serviço no período compreendido entre 12/11/2001 até 26/02/2007, não podem ser consideradas injustificadas, uma vez que por motivos estranhos à sua relação laboral, encontrava-se em prisão efectiva, primeiro no estabelecimento prisional de Custóias e posteriormente no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, em cumprimento de prisão efectiva que lhe foi aplicada pelo Tribunal Criminal do Porto.

Mais invocou a caducidade do procedimento disciplinar instaurado pela Ré em 13 de Abril de 2007.

Alegou, ainda, que, apesar dessa situação de prisão, a Ré foi-lhe enviando, durante o período de detenção, as respectivas comunicações a dar-lhe conta das reestruturações da empresa e dos novos valores salariais a pagar, isto apesar do mesmo se encontrar ausente do serviço, enviando tais informações para a sua residência e para o estabelecimento prisional onde se encontrava detido, tendo ainda processado o seu recibo de vencimento, excepcionando, pois, o abuso do direito pela Ré.

+++ A Ré contestou a presente acção, alegando, para tanto e em síntese, o seguinte: O Autor é seu trabalhador apenas desde o dia 1 de Janeiro de 1998, data em transitou para a REFER vindo da C.P., E.P.

Considera serem certos os valores indicados a título de retribuição mensal da categoria, pelas cinco diuturnidades vencidas e pelo subsídio de refeição sublinhando, sendo porém, que estes valores correspondem aos vigentes à data do despedimento do Autor e não aos vigentes aquando da suspensão do contrato de trabalho deste por impedimento prolongado resultante da sua prisão.

Entende que a violação por parte do Autor dos seus deveres de assiduidade e de pontualidade com as faltas dadas ao trabalho em consequência da sua detenção, prisão preventiva e posterior condenação em pena de prisão efectiva (de oito anos e oito meses), representam faltas injustificadas constituindo motivo de justa causa do seu despedimento.

A prisão fundamento de tais faltas resultou de condutas dolosas do mesmo consubstanciadoras dos aludidos crimes, sendo que ele efectivamente as quis praticar e que, enquanto trabalhador, não podia ignorar serem passíveis de resultar na situação de prisão e de faltas ao trabalho, nada tendo feito para agir doutro modo, pelo que as faltas ao trabalho são-lhe imputáveis, pelo menos, a título de negligência grosseira e, por isso, caracterizam faltas injustificadas.

Essas faltas reiteraram-se sucessivamente desde 12.11.2001 até 26.02.2007, porquanto pela sua duração é evidente para demonstrar o sério prejuízo a que a relação de prestação de trabalho foi sujeita, estando assim a entidade patronal dispensada de justificar a lesão que caracteriza esse prejuízo.

Relativamente à caducidade do processo disciplinar considera que o mesmo não caducou dado entender que as faltas injustificadas dadas por motivo de prisão do trabalhador têm a qualidade de ilícito laboral de natureza continuada e não instantânea, começando o respectivo prazo de caducidade a contar do momento do termo da sua prática, que no caso dos autos foi em 27.02.2007, sendo que o processo disciplinar foi instaurado no dia 22.03.2007, tendo a respectiva nota de culpa sido apresentada em 13.04.2007.

Entende que mesmo que se entendesse a infracção em causa como não revestindo natureza continuada também não procederia tal excepção pois que as falta dadas no período compreendido desde o dia 13 ao dia 26 de Fevereiro de 2007, inclusive, num total de 10 dias úteis consecutivos, sempre caberiam dentro do prazo de 60 dias e, logo, pelo menos essas não teriam prescrito.

A circunstância de ter processado ao Autor os recibos de vencimento, bem como o teor da correspondência datada do ano de 2002 e 2003, consubstanciam um normal cumprimento do contrato de trabalho vigente entre o Autor e a Ré mas que se encontrava suspenso em virtude do impedimento prolongado daquele trabalhador.

+++ Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe a totalidade das remunerações devidas desde o dia 16 de Junho de 2007 e até efectiva reintegração do mesmo ao serviço da Ré, com os acréscimos salariais que entretanto possam ter ocorrido, quantias essas a serem liquidadas, se necessário, em execução de sentença.

Mais foi a Ré ainda condenada a pagar ao Autor a quantia de € 3.472,91, a título de créditos laborais em divida, no demais sendo absolvida.

+++ Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré, formulando as seguintes conclusões: A. Não é verdade que o despedimento do ora Recorrido, promovido pela ora Recorrente, haja sido uma ilegítima consequência deste ter pretendido regressar ao trabalho no termo do cumprimento da pena de prisão a que foi sujeito.

  1. Não é verdade que o facto da ora Recorrente se ter abstido de instaurar imediatamente o correspondente procedimento disciplinar ao ora Recorrido, por falta de comparência deste ao trabalho, signifique a expressão de uma diminuta gravidade desse comportamento do trabalhador perante o seu empregador.

  2. Pelo contrário, tais factualidades foram (e são) genuínas expressões da escrupulosa observância pela ora Recorrente do princípio da presunção de inocência do trabalhador preso ora Recorrido, aliás, nos mesmos termos em que este princípio é defendido pela douta sentença do tribunal a quo, os quais, portanto, foram (e são) inteiramente partilhados pela ora Recorrente.

  3. A pena de prisão de oito anos e dois meses aplicada ao R, ora Recorrido, na sequência da aludida detenção e prisão, resultou da derradeira condenação proferida e confirmada pelo Acórdão...

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