Acórdão nº 549/09 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Outubro de 2009

Data27 Outubro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 549/2009

Processo n.º 140/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., arguido no processo de que emerge o presente recurso de constitucionalidade, foi condenado, por sentença de 4 de Abril de 2002 do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, na pena de 4 anos de prisão e 360 dias de multa. A audiência de julgamento e a leitura da sentença realizaram-se sem a sua presença, ao abrigo do artigo 333.º do Código de Processo Penal. Não foi notificado pessoalmente da sentença condenatória, por se ter ausentado do lugar onde deveria residir de acordo com o termo de identidade e residência prestado, para parte incerta do estrangeiro, sem comunicação ao tribunal.

    O arguido interpôs recurso da sentença condenatória, através de mandatário constituído. Por acórdão de 27 de Junho de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, confirmando a sentença condenatória. Este acórdão foi notificado ao mandatário do recorrido, mas não a este pessoalmente.

    Após várias diligências visando a captura do arguido para cumprimento da pena, por despacho de 1 de Junho de 2005, sob promoção do Ministério Público, o juiz daquele tribunal de 1.ª instância declarou verificada a "irregularidade processual" consistente na falta de notificação pessoal ao arguido da sentença condenatória. E em 19 de Fevereiro de 2008 o arguido veio a ser pessoalmente notificado dessa sentença.

    Após esta notificação, o arguido interpôs (novo) recurso da sentença condenatória de 1.ª instância, agora para o Tribunal da Relação de Guimarães. Por acórdão de 2 de Junho de 2008, a Relação rejeitou o recurso, entendendo que se formara caso julgado material sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

    O recorrente interpôs recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, que lhe negou provimento por acórdão de 14 de Janeiro de 2009, mantendo a rejeição do recurso, embora com fundamentação algo diferente.

    2. O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC). Após ter sido deferida reclamação contra parte do despacho liminar do relator (acórdão n.º 215/09), o recurso prosseguiu para alegações quanto a três das questões enunciadas no requerimento de interposição.

    O recorrente apresentou alegações em que defende a inconstitucionalidade das seguintes normas:

    "

    1. Da norma criada e que agora vem sendo generalizada nas instâncias, a qual arrancando do disposto nos arts. 113.º, n.º 9, 332.º, 333.º, n.º 2 e 5 do C.P. Penal e do art.º 673.º do C.P. Civil, e a qual se mostra exarada nos doutos Acórdãos recorridos, no sentido de que, interposto recurso da decisão condenatória pelo defensor do arguido, sem que antes se tenha verificado se o mesmo foi, ou não, notificado pessoalmente da dita decisão – e em consequência decidir, também pessoalmente, se quer ou não recorrer -, e sendo tal recurso apreciado pelo Tribunal Superior, forma-se “caso julgado”, impedindo o arguido, quando efectiva e pessoalmente é notificado e toma conhecimento pessoal da decisão condenatória, de Recorrer da mesma quer relativamente à questão de facto, quer relativamente à questão de direito.

    2. Da norma, igualmente exarada no douto Acórdão recorrido, de que em situações como a presente, onde o arguido não foi notificado pessoalmente da decisão condenatória proferida em 1ª instâncias, e também não foi pessoalmente notificado da decisão condenatória proferida no Tribunal de Recurso, a imperiosidade prevista no artº 113º nº 9 do C.P. Penal, de notificação pessoal da sentença penal condenatória ao arguido, a par da notificação do seu advogado ou defensor, só ocorre quanto às sentenças ou acórdãos proferidos pelos tribunais da 1ª instância, já que, quanto aos tirados em sede de recurso estes apenas são notificados aos recorrentes na pessoa dos seus mandatários ou defensores;

    3. Da norma também criada e tirada do disposto nos artºs. 414º, nº 2 e 3 e 420º nº 1 do C. P. Penal, exarada no douto Acórdão recorrido, segundo a qual tais normativos permitem a destruição dos efeitos formais e substanciais decorrentes da decisão que, conheceu e declarou a respectiva “irregularidade processual”, proferida em 1ª instância e então não impugnada pela parte acusatória, e, em consequência, veio agora declarar que afinal aquela “irregularidade processual” – em razão da qual foi pessoalmente notificada ao arguido a Sentença condenatória e aberta a efectiva possibilidade de avaliação pessoal da necessidade e, ou conveniência, de interpor recurso da anterior decisão condenatória – não podia ser conhecida e declarada e, em consequência, não conheceu do recurso interposto e admitido em primeira instância.”

    3. O Ministério Público sustenta que o recorrente fracciona indevidamente a questão de constitucionalidade que, reduzida ao essencial, é a de saber se o arguido tinha de ser pessoalmente notificado da decisão proferida em 1ª instância, quando não esteve presente na audiência de julgamento por se ter furtado ao cumprimento aos seus deveres processuais, mas nela se defendeu e interpôs recurso da decisão condenatória através de mandatário constituído, vindo esse primeiro recurso a ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça que lhe negou provimento. E conclui no sentido de que:

    “1. A norma que resulta das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 9, 332.º, 333.º e 334.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a decisão condenatória da 1ª Instância não tem de ser notificada ao arguido para efeitos de interposição de recurso, quando não tendo ele estado presente na audiência de julgamento nem da leitura da decisão em virtude do desrespeito, pela sua parte, dos deveres decorrentes do termo de identidade e residência, foi aí representado por mandatário constituído que interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo-lhe sido negado provimento; não viola as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição)”

  2. Fundamentação

    4. Para melhor compreensão e definição das questões de constitucionalidade colocadas, importa respigar os seguintes aspectos da tramitação do processo que, aliás, o acórdão recorrido salienta e tomou em consideração na aplicação do regime legal ao caso:

    “1 - O arguido A. foi constituído arguido e prestou termo de identidade e residência, nos termos do artigo 196º do CPP, com a redacção do DL 320-C/00, de 15-12, em 5 de Fevereiro de 2001 - fls. 272 e vº.

    2 - Em 19-07-2001 foi deduzida acusação, sendo nomeado defensor oficioso ao arguido o Sr. Dr. B. - fls. 550 a 580.

    3 - O defensor foi notificado da acusação - fls. 608.

    4 - A notificação da acusação ao arguido foi solicitada à GNR de Barcelos, pelo oficio n.º 1008/01, de 20-07-2001 - fls. 595/6.

    5 - Em 25-07-2001 é lavrada certidão negativa, junta a fls. 640, fazendo a GNR constar que o notificando se encontra “ausente para parte incerta da Suíça, declarando seu Pai C., que o mesmo só regressa a Portugal pela altura do Natal”.

    6 - Em 15-10-2001, o arguido faz juntar ao inquérito procuração constituindo mandatária a Dra. D., constando como data da emissão da procuração o dia 09-02-2001 - fls. 769 e 770.

    7 - Entretanto foi aberta instrução requerida por outros três co-arguidos.

    8 - O debate instrutório tem lugar em 07-12-2001 e a leitura da decisão instrutória de pronúncia em 17-12-2001, estando presente nos dois actos a Advogada Dra. D., conforme acta de fls. 895/8, maxime fls. 897, e de fls. 933/4.

    9 - No final da decisão instrutória, constante de fls. 899 a 932, a Exma. Juíza, tendo em conta, para além do mais, existir perigo de fuga por o arguido ora recorrente se ter ausentado para parte incerta de França sem qualquer autorização, consentimento ou comunicação ao Tribunal (como de resto constava já da acusação), determinou a prisão preventiva do mesmo - fls. 930/1.

    10 - O arguido não foi notificado da abertura de instrução, conforme fls. 781 e certidão negativa de fls. 941/4, do 4º volume, datada de 31-10-2001, sendo consignado “ausente para parte incerta da Suiça, segundo declarações de seus familiares, bem como desconhecem seu regresso”.

    11 - Não foi notificado igualmente para o debate instrutório, conforme fls. 947 e 948, merecendo certidão negativa, sendo de consignar que, como se referiu, não era requerente da instrução.

    12 - Em 19-12-2001 é emitido ofício a solicitar à GNR de Barcelos a notificação da decisão instrutória e remetidos mandados de detenção para prisão preventiva - fls. 949.

    13 - Os quais não foram cumpridos, conforme fls. 1111 a 1113, por ter emigrado para parte incerta da Suíça.

    14 - Por despacho de 28-12-2001, foi designado para audiência de julgamento o dia 28-02-2002, e como segunda data, o dia 21-03-2002 - fls. 955.

    15 - Desse despacho foi notificada a Advogada Dra. D. - fls. 961.

    16 - O arguido foi notificado por via postal simples com prova de depósito em 24-01-2002 - fls. 1101.

    17 - Em 29-01-2002 o arguido fez juntar contestação e rol de 3 testemunhas, a apresentar - fls. 1114 - admitidas por despacho de fls. 1157.

    18 - À audiência de julgamento de 28-02-2002, faltaram três arguidos, sendo um deles E., que autorizara a realização do julgamento na sua ausência; face às faltas dos outros dois, por haverem prestado termo de identidade e residência, foi considerado o seguinte: “Embora os arguidos A. e F. não se encontrem presentes, proceder-se-á à realização da audiência de discussão e julgamento, nos termos do artigo 333º, n.º 2 do C. P. Penal, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do referido normativo legal, procedendo-se à documentação da prova a produzir”, condenando-se em multa os dois arguidos faltosos, sendo ouvidos 10 arguidos e 5 testemunhas e marcando-se para continuação o dia 15-03-2002 (acta de julgamento de fls. 1282 a 1293, do 5° volume).

    19 - A Advogada constituída pelo arguido, Dra. D., esteve presente nas sessões de 28 de Fevereiro de 2002...

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