Acórdão nº 509/06.2TAFUN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Outubro de 2009
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 17 de Outubro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 385 - FLS 189.
Área Temática: .
Sumário: Apenas a modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia relevantes para a decisão da causa - assim, para efeitos de determinação da medida da pena ou porque contendem com a estratégia da defesa estruturada na contestação – constitui alteração não substancial, podendo o juiz cumprir o consignado no artigo 358º/1 do CPP até à leitura da sentença.
Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 509-06.2TAFUN.
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, entre o mais que irreleva, foi decidido: Julgar o arguido B………. autor material de um crime de corrupção activa para fenómeno desportivo, p. e p. pelos artºs 4º, nº1 e 2, por refª ao artº 2º, do D.L. 390/91, de 10/10 e, em consequência, condenar o arguido na pena de prisão de vinte e oito meses.
Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por vinte e oito meses Julgar o arguido C……… autor material de um crime de corrupção passiva para o fenómeno desportivo, p. e p. pelos artºs 3º, nº3 e, art.º 2º, nº2, do D.L. 390/91, de 10/10 e, em consequência, condenar o arguido na pena de prisão de vinte meses.
Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por vinte meses.
Inconformados os arguidos B………. e C………. recorreram rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões: B……….:
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Na pronúncia, apenas se refere, nos factos indiciados, que o Recorrente “prometeu ao 2º Arguido vantagem não concretamente apurada, mas relacionada com a actividade de árbitro do Arguido ou de terceiro.” – artigo 3º.
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Não se descreve, com um mínimo de concretização, a vantagem alegadamente oferendada, e admite-se na mesma decisão que “não se apura em concreto o tipo de vantagem, nem se era para o próprio ou para terceiro”.
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Porém, o elemento de facto nuclear que integra a factualidade típica da norma transcrita é, indubitavelmente, a promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não seja devida ao praticante desportivo, sendo fundamental apurar qual seja a vantagem em causa, para firmar ou infirmar que a mesma é indevida, possível, avançada como contrapartida e desconforme aos usos (tudo aspectos essenciais para a caracterização da peita, segundo a melhor doutrina).
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Dos factos descritos na douta decisão instrutória, nem sequer se logra saber qual a natureza ou qualidade do suborno, nem a sua qualificação como vantagem que “cai fora” do âmbito da “adequação social”.
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Ora, nos termos do artigo 308º, n.º 2, do C.P.P., por referência à al. b), do nº3 do artigo 283º do mesmo diploma, deve a decisão instrutória de pronúncia conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (…) sob pena de nulidade (mesmo nº3).
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Porque a decisão instrutória em apreço não admitia recurso, por pronunciar o arguido pelos mesmos factos da acusação, pode ainda ser arguida a nulidade, nos termos do disposto no artigo 379º, al. a) e b) e n.º 2 do CPP É, pois nula a decisão instrutória, o que expressamente se argui, por violação do disposto nos artigos 308º, nº2, do C.P.P., por referência à al. b), do nº3 do artigo 283º do mesmo diploma, achando-se inquinado todo o processado subsequente (artigo 122º, nº1), devendo anular-se toda a fase de julgamento.
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Tentando contornar a falha apontada à decisão instrutória, vem a douta sentença acrescentar factos à mesma, narrando que a vantagem oferendada “consistia em promover de categoria sujeito identificado como D………. ou, na impossibilidade deste, sujeito identificado como E………., propondo, ainda, o arguido C………., como suplente para a subida de categoria, o seu filho F………..” H) Acrescenta-se, assim, facto novo, descritivo da conduta que se entendeu criminosa, o que consubstancia uma alteração não substancial dos factos, nos termos do artigo 358º do CPP, forçando a comunicação ao Arguido do novo facto, para que este (re)organize a sua defesa.
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O Recorrente baseou a sua estratégia de defesa na parcimónia da douta decisão instrutória, avançando a não concretização da vantagem oferecida como mostra irrefutável da insuficiência de prova nos autos.
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Ao Recorrente não foi feita qualquer comunicação nos termos do nº1 do artigo 358º do C.P.P, pelo que prescreve a al. b), do nº1 do artigo 379º do mesmo diploma que “É nula a sentença …que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º” K) O princípio do contraditório, o qual, encarado sob o ponto de vista do arguido, pretende assegurar os seus direitos de defesa, com a abrangência imposta pelo art. 32.º, n.º 1 e n.º 5 da C. Rep., no sentido de que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão deve ser proferida, sem que previamente tenha sido precedida de ampla e efectiva possibilidade de ser contestada ou valorada pelo sujeito processual contra o qual aquelas são dirigidas”.
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Não entender como alteração dos factos – substancial ou não substancial - a consideração, na sentença condenatória, de factos, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados, é fazer inconstitucional interpretação das normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Ora, concluindo-se, como se impõe pela inobservância pelo Tribunal do procedimento prescrito no artigo 358º do CPP, acarreta a anulação do julgamento e a nulidade da sentença.
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As escutas telefónicas constantes de fls. fls. 294 a 305. são nulas, devendo ser consideradas prova proibida (logo, inexistente), por violação do disposto nos artigos 187º e ss.: não se respeitaram os princípios da necessidade e proporcionalidade, nem houve acompanhamento sério e efectivo por parte do juiz que as ordenou.
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As intercepções e gravações de conversações e comunicações – vulgo escutas telefónicas – devem ser encaradas como um meio de obtenção de prova de ultima ratio e nunca de prima ratio ou sola ratio ou meio de se obter o flagrante delito.
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É inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32º nº 8, 34º nºs 1 e 4 e 18º nº 2 da Constituição, a norma constante do artigo 188º, nº. 1 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que foi dada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de que, autorizada a intercepção e gravação por determinado período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado da anterior.
São, pois nulas as escutas, bem como inválidas as transcrições, como prova neste processo, por violação do disposto nos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal, sendo a prova proibida tratada como prova inexistente P) As escutas telefónicas, não obstante constituírem meio de prova, não bastam, por si e desacompanhadas de outros meios de prova, para fundar a condenação.
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Se as mesmas não são inequívocas (i.e., pode quanto a elas haver “equívoco, ambiguidade, confusão”), então seria necessário fazer acompanhar as escutas de algo que as clarificasse e permitisse afastar a dúvida.
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As regras da experiência, enquanto instrumento que permite burilar outros meios de prova, tornando-os mais consistentes, devem actuar, apenas, no final do iter de raciocínio seguido pelo julgador, não permitindo “saltar” degraus ou desconsiderar a insuficiência de indícios objectivos S) Dizer-se que existem outros processos que têm como objecto apurar da legalidade da fixação das tabelas classificativas dos árbitros, logo tal era possível é o chamado argumentum ad ignorantiam, ou seja, uma falácia lógica que tenta provar uma conclusão a partir ignorância sobre sua falsidade.
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Tratando-se de processos pendentes, pelo que – ao menos quanto a estes, em que ainda não foi proferida sentença! – há de vigorar o princípio da presunção de inocência.
Assim não o entender é violar o disposto no n.º 2 do artigo 32º da Constituição República Portuguesa e artigo 127º do CPP.
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Dizer-se que se o Arguido C………. solicitou /confiou nessa possibilidade de manipulação, então, a manipulação é possível, é o chamado “Circulus in Demonstrando”, em que se assume como premissa a conclusão a que se quer chegar.
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Não pende sobre os Arguidos o ónus de fazer prova da falsidade dos factos de que são acusados, nem é legítimo ao julgador inverter o raciocínio que subjaz à imputação.
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Não é à custa de sofismas, como ocorre na douta sentença, que se obtem o convencimento excluindo, por meios de prova complementares, hipóteses eventuais e divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante.
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É verdade que das transcrições das escutas consta a frase: “Complicadíssimo, pá! Eu não pensava…” fls. 414, mas em nenhum lado se diz “beneficiar o G……….” Deverá, pois, dar-se como não provada a matéria dos artigos 3º, 13º, 14º, 15º e 16º, uma vez que os vícios até resultam do texto da decisão recorrida.
Ao tentar escamotear, com argumentos perfeitamente inconsistentes, a crassa ausência de prova relativamente ao facto que efectivamente releva para o tipo de crime em causa, a decisão objecto do presente recurso faz “tábua rasa” dos mais elementares princípios de Direito Penal e Processual Penal, com destaque para o corolário da presunção de inocência “in dubio pro reo”.
Violou, pois, a douta sentença o princípio in dúbio pro reo consagrado constitucionalmente no artigo 32º, nº 2 da CRP Z) O princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena...
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