Acórdão nº 509/06.2TAFUN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução09 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: ANULADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 385 - FLS 189.

Área Temática: .

Sumário: Apenas a modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia relevantes para a decisão da causa - assim, para efeitos de determinação da medida da pena ou porque contendem com a estratégia da defesa estruturada na contestação – constitui alteração não substancial, podendo o juiz cumprir o consignado no artigo 358º/1 do CPP até à leitura da sentença.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 509-06.2TAFUN.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, entre o mais que irreleva, foi decidido: Julgar o arguido B………. autor material de um crime de corrupção activa para fenómeno desportivo, p. e p. pelos artºs 4º, nº1 e 2, por refª ao artº 2º, do D.L. 390/91, de 10/10 e, em consequência, condenar o arguido na pena de prisão de vinte e oito meses.

Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por vinte e oito meses Julgar o arguido C……… autor material de um crime de corrupção passiva para o fenómeno desportivo, p. e p. pelos artºs 3º, nº3 e, art.º 2º, nº2, do D.L. 390/91, de 10/10 e, em consequência, condenar o arguido na pena de prisão de vinte meses.

Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por vinte meses.

Inconformados os arguidos B………. e C………. recorreram rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões: B……….:

  1. Na pronúncia, apenas se refere, nos factos indiciados, que o Recorrente “prometeu ao 2º Arguido vantagem não concretamente apurada, mas relacionada com a actividade de árbitro do Arguido ou de terceiro.” – artigo 3º.

  2. Não se descreve, com um mínimo de concretização, a vantagem alegadamente oferendada, e admite-se na mesma decisão que “não se apura em concreto o tipo de vantagem, nem se era para o próprio ou para terceiro”.

  3. Porém, o elemento de facto nuclear que integra a factualidade típica da norma transcrita é, indubitavelmente, a promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não seja devida ao praticante desportivo, sendo fundamental apurar qual seja a vantagem em causa, para firmar ou infirmar que a mesma é indevida, possível, avançada como contrapartida e desconforme aos usos (tudo aspectos essenciais para a caracterização da peita, segundo a melhor doutrina).

  4. Dos factos descritos na douta decisão instrutória, nem sequer se logra saber qual a natureza ou qualidade do suborno, nem a sua qualificação como vantagem que “cai fora” do âmbito da “adequação social”.

  5. Ora, nos termos do artigo 308º, n.º 2, do C.P.P., por referência à al. b), do nº3 do artigo 283º do mesmo diploma, deve a decisão instrutória de pronúncia conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (…) sob pena de nulidade (mesmo nº3).

  6. Porque a decisão instrutória em apreço não admitia recurso, por pronunciar o arguido pelos mesmos factos da acusação, pode ainda ser arguida a nulidade, nos termos do disposto no artigo 379º, al. a) e b) e n.º 2 do CPP É, pois nula a decisão instrutória, o que expressamente se argui, por violação do disposto nos artigos 308º, nº2, do C.P.P., por referência à al. b), do nº3 do artigo 283º do mesmo diploma, achando-se inquinado todo o processado subsequente (artigo 122º, nº1), devendo anular-se toda a fase de julgamento.

  7. Tentando contornar a falha apontada à decisão instrutória, vem a douta sentença acrescentar factos à mesma, narrando que a vantagem oferendada “consistia em promover de categoria sujeito identificado como D………. ou, na impossibilidade deste, sujeito identificado como E………., propondo, ainda, o arguido C………., como suplente para a subida de categoria, o seu filho F………..” H) Acrescenta-se, assim, facto novo, descritivo da conduta que se entendeu criminosa, o que consubstancia uma alteração não substancial dos factos, nos termos do artigo 358º do CPP, forçando a comunicação ao Arguido do novo facto, para que este (re)organize a sua defesa.

  8. O Recorrente baseou a sua estratégia de defesa na parcimónia da douta decisão instrutória, avançando a não concretização da vantagem oferecida como mostra irrefutável da insuficiência de prova nos autos.

  9. Ao Recorrente não foi feita qualquer comunicação nos termos do nº1 do artigo 358º do C.P.P, pelo que prescreve a al. b), do nº1 do artigo 379º do mesmo diploma que “É nula a sentença …que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º” K) O princípio do contraditório, o qual, encarado sob o ponto de vista do arguido, pretende assegurar os seus direitos de defesa, com a abrangência imposta pelo art. 32.º, n.º 1 e n.º 5 da C. Rep., no sentido de que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão deve ser proferida, sem que previamente tenha sido precedida de ampla e efectiva possibilidade de ser contestada ou valorada pelo sujeito processual contra o qual aquelas são dirigidas”.

  10. Não entender como alteração dos factos – substancial ou não substancial - a consideração, na sentença condenatória, de factos, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados, é fazer inconstitucional interpretação das normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Ora, concluindo-se, como se impõe pela inobservância pelo Tribunal do procedimento prescrito no artigo 358º do CPP, acarreta a anulação do julgamento e a nulidade da sentença.

  11. As escutas telefónicas constantes de fls. fls. 294 a 305. são nulas, devendo ser consideradas prova proibida (logo, inexistente), por violação do disposto nos artigos 187º e ss.: não se respeitaram os princípios da necessidade e proporcionalidade, nem houve acompanhamento sério e efectivo por parte do juiz que as ordenou.

  12. As intercepções e gravações de conversações e comunicações – vulgo escutas telefónicas – devem ser encaradas como um meio de obtenção de prova de ultima ratio e nunca de prima ratio ou sola ratio ou meio de se obter o flagrante delito.

  13. É inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32º nº 8, 34º nºs 1 e 4 e 18º nº 2 da Constituição, a norma constante do artigo 188º, nº. 1 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que foi dada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de que, autorizada a intercepção e gravação por determinado período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado da anterior.

    São, pois nulas as escutas, bem como inválidas as transcrições, como prova neste processo, por violação do disposto nos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal, sendo a prova proibida tratada como prova inexistente P) As escutas telefónicas, não obstante constituírem meio de prova, não bastam, por si e desacompanhadas de outros meios de prova, para fundar a condenação.

  14. Se as mesmas não são inequívocas (i.e., pode quanto a elas haver “equívoco, ambiguidade, confusão”), então seria necessário fazer acompanhar as escutas de algo que as clarificasse e permitisse afastar a dúvida.

  15. As regras da experiência, enquanto instrumento que permite burilar outros meios de prova, tornando-os mais consistentes, devem actuar, apenas, no final do iter de raciocínio seguido pelo julgador, não permitindo “saltar” degraus ou desconsiderar a insuficiência de indícios objectivos S) Dizer-se que existem outros processos que têm como objecto apurar da legalidade da fixação das tabelas classificativas dos árbitros, logo tal era possível é o chamado argumentum ad ignorantiam, ou seja, uma falácia lógica que tenta provar uma conclusão a partir ignorância sobre sua falsidade.

  16. Tratando-se de processos pendentes, pelo que – ao menos quanto a estes, em que ainda não foi proferida sentença! – há de vigorar o princípio da presunção de inocência.

    Assim não o entender é violar o disposto no n.º 2 do artigo 32º da Constituição República Portuguesa e artigo 127º do CPP.

  17. Dizer-se que se o Arguido C………. solicitou /confiou nessa possibilidade de manipulação, então, a manipulação é possível, é o chamado “Circulus in Demonstrando”, em que se assume como premissa a conclusão a que se quer chegar.

  18. Não pende sobre os Arguidos o ónus de fazer prova da falsidade dos factos de que são acusados, nem é legítimo ao julgador inverter o raciocínio que subjaz à imputação.

  19. Não é à custa de sofismas, como ocorre na douta sentença, que se obtem o convencimento excluindo, por meios de prova complementares, hipóteses eventuais e divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante.

  20. É verdade que das transcrições das escutas consta a frase: “Complicadíssimo, pá! Eu não pensava…” fls. 414, mas em nenhum lado se diz “beneficiar o G……….” Deverá, pois, dar-se como não provada a matéria dos artigos 3º, 13º, 14º, 15º e 16º, uma vez que os vícios até resultam do texto da decisão recorrida.

    Ao tentar escamotear, com argumentos perfeitamente inconsistentes, a crassa ausência de prova relativamente ao facto que efectivamente releva para o tipo de crime em causa, a decisão objecto do presente recurso faz “tábua rasa” dos mais elementares princípios de Direito Penal e Processual Penal, com destaque para o corolário da presunção de inocência “in dubio pro reo”.

    Violou, pois, a douta sentença o princípio in dúbio pro reo consagrado constitucionalmente no artigo 32º, nº 2 da CRP Z) O princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena...

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