Acórdão nº 0494/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Setembro de 2009

Data29 Setembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. O Município de Cascais veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS) que confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual se decidiu i) indeferir a providência cautelar, requerida pela Associação de Moradores do Bairro da Martinha, com sede na Rua …, nº …, freguesia do Estoril, concelho de Cascais, e A…, residente nessa mesma Rua …, nº…, de suspensão de eficácia do despacho de 18.6.07, do Vereador da Câmara Municipal de Cascais, B…, que autorizou a proposta de trânsito que contempla a implementação de sentido único (Sul-Norte) da Estrada da Ribeira, direcção Estoril-Bicesse, e estabeleceu a obrigatoriedade de processar o trânsito no sentido Norte-Sul, no sentido de acesso ao Estoril e à A5, pela Rua …, que atravessa o Bairro da Martinha, no Estoril, e «ii) - intimar o Requerido a, no prazo de 60 dias, em colaboração com a Associação Requerente nestes autos, implementar, na Rua …, as seguintes medidas: - Colocação de passeios, onde ainda não existem; - Proibição do trânsito de pesados dentro do Bairro; - Colocação de lombas de velocidade; - Sinalização semafórica vertical accionada aquando do incumprimento dos limites de velocidade instantânea; - Procura de soluções possíveis para o estacionamento de veículos ligeiros/particulares; - Informação sobre o prazo previsto para a revalorização e conclusão da obra/Variante, prevista como solução para o trânsito local.

Na impossibilidade prática de, no prazo fixado, ser dado cumprimento ao ora determinado, deverão as partes informar sobre os motivos e, ou sugerir alternativas».

O recorrente Município apresentou alegação, na qual formulou, para o que ora interessa, as seguintes conclusões: A. Mediante Acórdão proferido em 5 de Fevereiro de 2009, o Tribunal Central Administrativo do Sul negou provimento ao recurso interposto e, em consequência confirmou a sentença recorrida do TAF de Sintra, que decretou um conjunto de medidas cautelares em substituição da providência cautelar requerida de suspensão de eficácia de um acto administrativo; B. É deste Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul que, pelos riscos que encerra a extrapolação da doutrina nele vertida para outros casos semelhantes e não apenas na relação jurídica controvertida, se interpõe o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 150.º do CPTA, já que o mesmo enferma de nulidade e efectuou incorrecta aplicação da lei.

  1. O Acórdão sob revista bastou-se com o entendimento de que a arguição da nulidade derivada da omissão da audição das partes de acordo com o n.º 3 do artigo 120.º do CPTA, porque qualificada como nulidade processual, deverá seguir o estatuído no n.º 1 do artigo 153.º e do artigo 205.º, ambos do Código de Processo Civil; D. Sucede, porém que o Acórdão em crise faz tábua rasa não só do que a inúmera jurisprudência firmada admite, mas também daquilo que a doutrina mais autorizada afirma: a recorribilidade de sentenças com base em nulidade processuais, ainda que estas não tenham sido objecto de arguição no prazo geral de 10 dias e perante o Tribunal que a cometeu; E. Mas ainda mais grave é o facto do Acórdão ora recorrido estabelecer, de motu próprio, e ao arrepio do que expressamente se encontra estatuído na lei, uma excepção à regra de audição das partes, prescrita no n.º 3 do artigo 120.º do CPTA, nos casos em que o Tribunal determina a adopção de outras providências cautelares, em substituição daquela que foi concretamente requerida; F. A admitir-se a orientação acima, ficarão, claramente, diminuídos os direitos e garantias das partes, em especial naquilo que à aplicação da justiça diz respeito, já que o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido permite, sem critério aparente (ou suficiente densificação do mesmo), dispensar a audição das partes para a fixação de outras medidas cautelares, em substituição das concretamente requeridas; G. A audição das partes prevista no n.º 3 do artigo 120.º do CPTA consubstancia a materialização do princípio jurídico basilar do contraditório, princípio esse que informa o nosso ordenamento jurídico, em matéria processual, e que não pode ser simplesmente preterido com fundamento em juízos relativos à sua eventual desnecessidade; H. Por outro lado, afigura-se de extrema relevância jurídica, o facto do Acórdão recorrido se bastar com a invocação de direitos fundamentais, como sendo o direito à qualidade de vida, em termos ambientais, e, bem assim, o direito ao sossego, tranquilidade e repouso, para afastar liminarmente os argumentos do Recorrente sobre a proporcionalidade e adequação das medidas decretadas, com o fundamento de que os mesmos são de natureza meramente economicista; I. É que o entendimento plasmado no Acórdão recorrido suscita a questão de saber se, na ponderação de interesses a realizar no âmbito da eventual substituição da medida cautelar peticionada por outra, o direito à qualidade de vida, em termos ambientais, deverá prevalecer, em abstracto, e sempre, sobre as eventuais consequências gravosas que as medidas cautelares de substituição possam causar à entidade pública demandada, nomeadamente face às despesas que tais medidas implicam para o erário público; J. A vingar a tese defendida no Acórdão sob revista, bastaria invocar o direito fundamental à qualidade de vida e os direitos a ela associados (tranquilidade e repouso) e ainda que a violação de tais direitos não fossem sequer indiciariamente demonstrada nos autos, para que os tribunais ficassem habilitados (legitimados) a impor à Administração toda e qualquer medida que entendessem adequada à suposta salvaguarda daquele direito; L. Acresce ainda que as medidas cautelares determinadas pela sentença de primeira instância, confirmadas que foram pelo Acórdão recorrido, extravasam claramente os poderes de conformação do Tribunal, atento o n.º 3 do artigo 120.º do CPTA; M. Os poderes do juiz cautelar devem ater-se ao objecto do litígio fixado pela acção principal, pelo que circunscrevendo-se a acção principal, no presente caso, à apreciação da validade do acto administrativo praticado, sem que nada mais seja peticionado ao Tribunal, parece evidente a falta do requisito de instrumentalidade das medidas cautelares decretadas; N. A concessão da tutela cautelar não se mostra adequada a acautelar os efeitos úteis da sentença que vier a ser proferida no processo principal, em virtude de terem objectos diferentes, sendo que as medidas cautelares em muito exorbitam o pedido da acção principal, não existindo entre elas uma relação de dependência que permita justificar a adopção das primeiras na óptica da salvaguarda da utilidade da decisão que venha a ser proferida na segunda; O. Atente-se ainda ao facto das medidas cautelares decretadas, na medida em que vão além da mera aferição da legalidade da actuação administrativa, mais não representam do que uma ingerência do poder jurisdicional na função administrativa e na violação grosseira e flagrante do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do disposto no artigo 3.º do CPTA; P. Decorre do que foi exposto a importância fundamental das questões acima, aferidas pela sua relevância jurídica e social quanto para a boa aplicação do Direito, pelo que deve o Venerando Tribunal deve chamar a si a resolução desta questão controvertida, em obediência aos requisitos fixados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA; Q. O Acórdão recorrido, apesar de reconhecer que a omissão de audição das partes, nos termos do n.º 3 do artigo 120.º do CPTA, constitui uma nulidade processual, entende que essa nulidade está sujeita ao regime de arguição estatuído no artigo 205.º e n.º 1 do artigo 153.º do CPC, ou seja, deveria ter sido invocada no prazo de 10 dias. Por esta razão decide o Acórdão pela extemporaneidade da arguição da nulidade de omissão da audição constante do n.º 3 do artigo 120.º do CPTA; R. Porém, não só a melhor doutrina civilística defende a recorribilidade de sentenças com base na verificação de nulidades processuais, como tal é expressamente assumido em jurisprudência pacífica, sendo que o Acórdão recorrido faz tábua rasa de todo esse entendimento; S. Importa atender que a recorribilidade da sentença com fundamento na verificação de uma nulidade processual se afigura admissível em virtude de ao Recorrente não ter sido possível, em momento anterior à prolação da sentença, impugnar a omissão daquela nulidade; T. O Acórdão recorrido, mesmo reconhecendo a omissão em que incorreu o TAF de Sintra, por não ter promovido a audição das partes, sustenta que a referida audição é dispensável em casos de manifesta desnecessidade; U. Sucede, contudo, que o n.º 3 do artigo 120.º do CPTA não prevê qualquer excepção à audição das partes e muito menos dispõe tal norma que esta formalidade possa ser dispensada com base em “manifesta desnecessidade”; V. Para o Tribunal a quo, atendendo a que as partes tinham conhecimento das questões de facto e de direito, e das respectivas consequências, em causa no processo dos autos, estaria assegurado o contraditório, “em termos materiais”; X. A argumentação do Tribunal a quo padece, no entanto, de um erro lógico: é que o Recorrente, e bem assim os Recorridos, tiveram conhecimento das questões de facto e de direito e das respectivas consequências, no quadro de um processo cautelar configurado e dirigido à suspensão de eficácia de um acto administrativo, e não dirigido a outro tipo de medidas, que vieram, a final, a ser decretadas; Z. O Acórdão em crise padece do mesmo erro que a sentença do TAF de Sintra: é que em ambas as decisões nunca é demonstrado o risco de lesão daqueles direitos em ordem à defesa da manutenção das medidas cautelares...

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