Acórdão nº 251/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 251/2016

Processo n.º 366/15

  1. Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

  1. Nestes autos, vindos do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, A. interpôs o presente recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

  2. No âmbito de processo disciplinar comum, foi aplicada a A., recluso aqui recorrente, a medida disciplinar de internamento em cela disciplinar, pelo período de oito dias, pela prática de infração prevista no artigo 104.º, alínea m), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante, designado por CEPMPL). Nesse mesmo processo, o recluso foi sujeito a medida cautelar de confinamento em alojamento individual por todo o dia, por decisão proferida na data da prática da infração, tendo tal medida sido declarada cessada doze dias depois.

    Inconformado com a decisão que lhe aplicou a medida disciplinar, proferida pelo Diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra, o recluso apresentou impugnação junto do Tribunal de Execução de Penas. Tal impugnação foi julgada improcedente.

  3. É desta decisão judicial, que manteve a medida disciplinar aplicada pelo Diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra, que o recluso A. interpõe o presente recurso, delimitando o objeto respetivo, nos seguintes termos:

    “Tem-se por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, com assento na CRP, o entendimento e interpretação normativa da norma legal vertida no art. 111.º n.º 5 do CEP no sentido de [e]m caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o integral desconto (por analogia e à imagem do que sucede no art. 80.º n.º 1 CP) do tempo da medida cautelar anteriormente cumprida.”

  4. Notificado para apresentar alegações, o recorrente conclui, nos termos seguintes:

    “A. Com o presente recurso não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, assente numa discordância de opinião e com suporte legal no art. 20º CRP;

    1. A mera referência legislativa do n.º 5 do art. 111° CEP a uma ponderação, sem qualquer critério específico que elucide tal prática, acaba por violar os princípios da legalidade e tipicidade bem como as garantias de defesa, mostrando-se assim, a própria redação legal a padecer de um vício de ausência de concretização, não sendo certa nem exata, assim se tendo por violado aquilo que é de esperar de uma norma legal, não salvaguardando os reclusos pois não oferece quaisquer garantias, sendo o bastante decidir-se, como se mostra in casu, que “foi ponderado” o tempo de cumprimento de tal medida cautelar;

    2. Em razão de analogia para com o art. 80º CP não se justifica tratamento diverso pois são bem mais as semelhanças que as diferenças, não sendo estas deveras substanciais, razão pela qual, atenta a similitude entre o cumprimento da medida cautelar de confinamento e a execução da sanção disciplinar de obrigação de permanência no alojamento, haverá que efetivar o devido e efetivo (um dia de medida cautelar de confinamento à razão de 1 dia de sanção disciplinar a aplicar!) desconto pois a assim não suceder constatar-se-á que se poderá mostrar qualquer recluso punido com duas sanções, uma acrescendo de forma efetiva à outra, e que somadas poderão mesmo ultrapassar o limite máximo admissível;

    3. Tem-se por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, com assento na Constituição da República Portuguesa (doravante CRP brevitatis causa), o entendimento e interpretação normativa da norma legal vertida no art. 111º n°. 5 do CEP no sentido de “Em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o integral desconto (por analogia e à imagem do que sucede no art. 80° n.º 1 CP) do tempo da medida cautelar anteriormente cumprida.

    4. Não está em causa a computação do desconto nos presentes autos mas sim em toda e qualquer outra situação similar, entendendo-se que a injustiça se mostrará sempre existente em razão da perduração de tal espartilho que se tem por ilícito e violador das mais elementares garantias de defesa e direitos constitucionalmente tutelados aos arguidos, os quais se não mostram assegurados com a visão defendida de o desconto de medida cautelar previamente cumprida em processo disciplinar não ser integral e apenas alvo de “ponderação”, a qual nunca se sabe se existe pois não são determinadas as duas sanções, antes e após a dita ponderação;

    5. A douta decisão judicial recorrida mostra-se violadora dos seguintes princípios jurídicos: maxime da proteção da confiança (art. 2° CRP), da legalidade e tipicidade (idem e 203° CRP), da igualdade (art. 13° CRP), da proporcionalidade e proibição do excesso (art. 18° CRP), ne bis in idem (art. 29° n.° 5 CRP), da maioria de razão e interpretação das leis, em nome de obediência pensante à teleologia da norma e em conformidade com a Lei Fundamental (arts. 202° n.os 1 e 2, 203° e 204° CRP).”

  5. O Ministério Público igualmente juntou alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, com base, em súmula, nos seguintes fundamentos:

    “(…) Relativamente à invocada aplicação, ao caso dos autos, por analogia, do regime do artigo 80º do Código Penal, em conjugação com o art. 111º, nº 5, do Código da Execução das Penas e Medidas de Liberdade, também parece, ao signatário, inteiramente justificada a argumentação da magistrada judicial recorrida, designadamente quando esta afirma (…):

    “Por outro lado, o recluso pretende importar para o caso dos autos o regime do art. 80.º do CPenal, a aplicar analogicamente, tendo em vista que na medida aplicada seja descontada a medida cautelar que lhe foi aplicada.

    Desde logo, deve dizer-se que apenas poderá existir recurso à analogia desde que se esteja perante uma lacuna.

    Contudo não é o caso; com efeito, no que respeita às medidas cautelares, estatui o art. 111.º, 1 do CEP que “O diretor do estabelecimento prisional pode determinar, em qualquer fase do processo disciplinar, a aplicação das medidas cautelares necessárias para impedir a continuação da infração disciplinar ou a perturbação da convivência ordenada e segura no estabelecimento prisional ou garantir a protecção de pessoa ou a preservação de meios de prova”.

    Acrescenta o n.º 2 da citada norma que “As medidas cautelares devem ser proporcionais à gravidade da infração e adequadas aos efeitos cautelares a atingir, podendo consistir em proibições de contactos ou de atividades ou, nos casos mais graves, em confinamento, no todo ou em parte do dia, em alojamento individual”.

    Já o n.º 5 do inciso legal em análise dispõe que “Se o recluso vier a ser sancionado com a medida de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar, o tempo da medida cautelar cumprida é ponderado, para efeitos de atenuação, na sanção que vier a ser aplicada”.

    Ou seja existindo, como se vê, norma expressa a contemplar a ponderação da medida cautelar na sanção final a aplicar, não se justifica qualquer recurso à analogia, exatamente por se não verificar qualquer omissão de solução legal.

    De referir, igualmente, que tal inciso não propugna pela emergência de qualquer desconto, apenas determinando a ponderação na sanção a aplicar do tempo de decurso da medida cautelar.”

    (…)

    Da mesma forma, parece, ao signatário, justificada a conclusão que a mesma magistrada retirou desta argumentação (…):

    “Por outro lado, também se não descortina que tal espécie de solução irrompa contra a dignidade da pessoa humana, o princípio do estado de direito democrático ou os direitos e liberdades fundamentais, nem, sequer consubstancie uma dupla punição pela mesma factualidade (vertente que, na verdade, também decorre do principio do ne bis in idem consagrado no art. 29°, 5 do CRPortuguesa).

    De facto, a solução em causa, ao invés de omitir integralmente a existência da medida cautelar prévia impõe que a mesma seja devidamente levada em conta na sanção que vier a ser aplicada; ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana e a salvaguarda dos direitos fundamentais resultam assegurados na medida em que a duração do meio cautelar cumprido tem de necessariamente refletir-se — não numa expressão puramente aritmética mas essencialmente jurídica — na determinação da medida da sanção aplicada.

    (…).”

    O Código de Execução das Penas encara, com bastantes reticências, a utilização da analogia em matéria disciplinar.

    Por exemplo, o art. 98º, nº 2, do mesmo Código, refere, muito significativamente:

    “Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como infração disciplinar nem para determinar a medida disciplinar que lhe corresponda, aplicando-se unicamente as medidas disciplinares previstas no presente Código.”

    (…)

    Para além de não estarmos, no caso dos autos, perante nenhuma lacuna legal – dir-se-á mesmo, bem pelo contrário, em face do art. 111º, nº 5 do CEP («Se o recluso vier a ser sancionado com a medida de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar, o tempo da medida cautelar cumprida é ponderado, para efeitos de atenuação, na sanção que vier a ser aplicada»).

    Nada justifica, pois, a utilização de um argumento por analogia, aplicando-se, isso sim, literalmente, o referido art. 111º, nº 5, do CEP, no âmbito de um processo disciplinar em que tenha sido aplicada «medida cautelar cumprida», o que é o caso dos autos.

    (…)

    Também não parece que se possa invocar, no caso dos presentes autos...

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