Acórdão nº 270/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 270/2016

Processo n.º 239/2016

  1. Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

  1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público interpôs, em 25 de janeiro de 2016 (fls. 1 a 16), nos termos do n.º 4 do artigo 76.º e n.º 1 do artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), reclamação para o Tribunal Constitucional da decisão de não admissão, proferida por aquele Tribunal em 14 de janeiro de 2016 (fls. 1674 a 1692), do recurso de constitucionalidade interposto em 26 de outubro de 2015 (fls. 1602 a 1604).

  2. Para melhor compreensão do que está em causa, nos presentes autos, importa transcrever, em primeiro lugar, o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade bem como a parte decisória do despacho de não admissão daquele recurso pelo tribunal a quo.

    Assim, é o seguinte o teor do requerimento de recurso de interposição de recurso de constitucionalidade por parte do Ministério Público:

    O Ministério Público vem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. º 28/82, de 15 de novembro, e alterada, por último, pela Lei 11/2015 de 28 de agosto, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão de 24 de setembro de 2015, da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, mantido pelo acórdão de 15 de outubro de 2015, ambos proferidos no âmbito do Inquérito nº 122/13.8TELSB.

    Em conformidade com o citado preceito legal, e nos termos do seu nº 2 e dos artigos 72º nº 1 alínea a) e nº 2, 75º nº 1 e 75º-A nºs 1 e 2 da citada Lei, o Ministério Público requer a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade das seguintes normas:

    1. Do art. 89.º n.º 6 do Código de Processo Penal na interpretação de que, correndo o prazo normal do Inquérito, sujeito a segredo de justiça por decisão do Sr. Juiz de Instrução proferida ao abrigo do artigo 86º, nº 3 e 5 do CPP, o Tribunal da Relação pode, ao abrigo do citado art. 89º nº 6 do CPP, declarar o fim do segredo de justiça, em violação da reserva de decisão própria e de forma irrecorrível do Sr. Juiz de Instrução, o que representa uma preterição do Juiz Natural, com consagração constitucional no artigo 32.º n.º 9 da Constituição da República Portuguesa (CRP);

    2. Dos arts. 86.º nºs 3 e 5 e 89.º n.º 6 do Código de Processo Penal, ainda na interpretação realizada no Acórdão, por:

    a. Atingir a autonomia do Ministério Público e a possibilidade de exercício da ação penal orientada pelo princípio da legalidade, em violação do artigo 219.º, n.º 1 e 2 da CRP;

    b. Fazer uma ponderação indevida entre a proteção do segredo de justiça e os direitos de defesa do arguido, porquanto transforma uma questão do acesso a meios de prova já produzidos numa devassa das estratégias da investigação, em prejuízo da procura da justiça na defesa dos interesses da sociedade, que, subsistindo o dispositivo do acórdão, passam a poder ser acedidas, por todos os intervenientes processuais, em violação dos artigos 20.º n.º 3 e 32.º da CRP;

    c. Violar os princípios da certeza e da segurança jurídica, na medida em que se pronuncia para além das questões jurídicas que lhe foram colocadas e que puderam ser contraditadas, decidindo sobre questões não previsíveis de virem a ser apreciadas .. e por isso não incluídas na argumentação das partes, em violação, designadamente, dos arts. 2.º, 20.º n.º 1, 32.º n.º 5 e 219.º n.º 1 da CRP.

    As ora invocadas inconstitucionalidades foram oportunamente suscitadas pelo Ministério Público no requerimento de arguição de nulidade do Acórdão de 24 de setembro de 2015, apresentado ao abrigo do disposto nos artigos 379º n.º 1, alínea c) e nº 2 do Código de Processo Penal, e sobre o qual recaiu o Acórdão de 15 de outubro de 2015.

    Antes de ser proferido o Acórdão de 24 de setembro de 2015 o Ministério Público não teve oportunidade de suscitar as ora invocadas inconstitucionalidades porquanto aquela decisão do Tribunal da Relação adotou uma interpretação surpreendente, inesperada e portanto, não previsível.

    Efetivamente, na sua motivação do recurso decidido por aquele Acórdão, a Defesa apenas atacou a manutenção do segredo de justiça com a argumentação de que se encontravam ultrapassados os prazos do Inquérito, não tendo colocado em causa a basilar fundamentação da necessidade da sua subsistência.

    Pelo que,

    No contexto do objeto do recurso e da circunstância de o processo decorrer dentro do prazo de inquérito, como expressamente reconhecido e aceite pelo Acórdão de 24 de setembro de 2015 (v.g. na página 34 do Acórdão, onde consigna que "sem dúvida, o Inquérito decorre dentro do seu prazo normal"), não era expectável que a decisão que viesse a recair sobre o recurso procedesse à reapreciação dos fundamentos do segredo de justiça ao abrigo do disposto no art. 89º nº 6 do Código de Processo Penal.

    Adotando, ao assim apreciar e decidir, a interpretação normativa inconstitucional que atrás se identificou.

    A parte decisória do despacho de não admissão deste requerimento tem o seguinte teor:

    (…)

    Cumpre apreciar e decidir.

    Compulsados os autos verifica-se que o recorrente, fixou o objeto de recurso de constitucional idade, baseando-se, fundamentalmente, em duas questões.

    A saber:" Do art. 89° n.º 6 do Código de Processo Penal, na interpretação de que, correndo o prazo normal do inquérito, sujeito a segredo de justiça por decisão do Sr. Juiz de Instrução, proferida ao abrigo do art. 86° n.º 3 e n.º 5 do CPP, o Tribunal da Relação pode, ao abrigo do citado art. 89° n.º 6 do CPP, declarar o fim do segredo de justiça, em violação da reserva de decisão própria e de forma irrecorrível

    do Sr. Juiz de instrução, o que representa uma preterição do Juiz Natural, com consagração constitucional no artigo 32° n.º 9 da Constituição da República Portuguesa (CRP);

    Dos arts. 86° n.ºs 3 e 5 e 89° n.º 6 do Código de Processo Penal, ainda na interpretação realizada no Acórdão, por atingir a autonomia do Ministério Público e a possibilidade de exercício da ação penal orientada pelo princípio da legalidade, em violação do artigo 219°, n.º 1 e 2 da CRP;

    Argumenta, ainda: Fazer uma ponderação indevida entre a proteção do segredo de justiça, e os direitos de defesa do arguido, porquanto transforma uma questão do acesso a meios de prova já produzidos numa devassa das estratégias da investigação, em prejuízo da procura da justiça na defesa dos interesses da sociedade, que, subsistindo o dispositivo do acórdão, passam a poder ser acedidas, por todos os intervenientes processuais, em violação dos artigos 20° n.º 3 e 32° da CRP;

    Violar os princípios da certeza e da segurança jurídica, na medida em que se pronuncia para além das questões jurídicas que lhe foram colocadas e que puderam ser contraditadas, decidindo sobre questões não previsíveis de virem a ser apreciadas e por isso não incluída na argumentação das partes, em violação, designadamente, dos arts. 2°, 20° n.º 1, 32° n.º 5 e 219° n.º 1 da CRP.

    .

    Vejamos!

    Como sabemos, é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional, que o requerimento de interposição de recurso de constitucional idade deve fixar o objeto e o tipo de pedido formulado. (vd a título de exemplo, o Acórdão n.º 619/2014: «Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente sublinhado, é com o requerimento de interposição do recurso que se fixa irreversivelmente o objeto do recurso, pelo que não releva agora a invocação de que, afinal, está em causa interpretação alegadamente extraída pelo Tribunal recorrido de tais preceitos legais.»; e, ainda o Acórdão n.º 221/2015: «A indicação da norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver fiscalizada é um elemento obrigatório do requerimento de recurso (cfr. artigo 75.º-A, n.º 1, da L TC). O objeto deste recurso é definido, em primeiro lugar, pelos termos do requerimento de interposição de recurso. Na verdade, tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza.».

    Ora, in casu, constata-se que o recurso em questão foi exclusivamente interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70° da L TC.

    Com efeito, consagra a alínea a) do n.º 1 do artigo 72°, que o recurso a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 70° da L TC, só é admissível caso tivesse sido "suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer".

    Como sabemos, nos termos do artigo 277°, n.º 1, da Constituição, e do artigo 79°-C da LTC, o Tribunal Constitucional só pode conhecer da constitucionalidade de normas ou de interpretações normativas que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos.

    Partindo do objeto do recurso e com base, neste cenário, jurídico-constitucional, analisemos, então, da viabilidade do mesmo.

    Na sua dimensão jurídica-constitucional, o recurso do MºPº, apresenta vários pecadilhos. que o conduzem ao seu insucesso processual e normativo.

    A saber:

    Em primeiro lugar, o recorrente, em nenhum momento, identifica, como deveria fazer, qual a pretensa interpretação normativa que reputa de inconstitucional.

    Apenas, limita-se a referir que se trataria da "interpretação realizada no Acórdão", ao que se pensa, supostamente extraída dos artigos 86°, n.ºs 3 e 5. e 89°, n.º 6, do Código de Processo Penal.

    Em momento algum indica que interpretação seria essa.

    Como é sabido, incumbe ao recorrente esse ónus objetivo de indicação expressa da suposta interpretação...

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