Acórdão nº 198/16 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução13 de Abril de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 198/2016

Processo n.º 487/2015

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Por sentença de 21 de Setembro de 2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal recusou a aplicação do disposto no artigo 106.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, «quando impõe os limites quantitativos das introduções no consumo de tabaco durante o período de condicionamento», com fundamento em inconstitucionalidade orgânica. Em consequência, julgou procedente a impugnação deduzida por A., S.A. contra a decisão do Diretor da Alfândega do Funchal que ordenou, nos termos das normas conjugadas dos nºs. 1, 2 e 7 do referido artigo 106.º do CIEC, a liquidação adicional do imposto especial de consumo sobre o tabaco referente à introdução no consumo de cigarros, no período de condicionamento previsto no n.º 1 do artigo 106.º do CIEC, em quantidades superiores às estabelecidas no n.º 2 do mesmo preceito legal.

    O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, que foi admitido pelo Tribunal recorrido.

    Os autos prosseguiram para alegações, tendo o Ministério Público sustentado, em conclusão, o seguinte:

    1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, “nos termos do disposto nos arts. 70.º, n.º 1, al. a), e 72.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, e 75.º-A” da LOFPTC (recusa de aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento em inconstitucionalidade), “da douta sentença” proferida nos autos de proc. n.º 176/11.1BEFUN, do TAF do Funchal (Impugnação judicial), a fls. 283 a 308, em que é A. a A. S. A. (Sucursal em Portugal) e R. o Coordenador do NPF da Alfândega do Funchal, pois, em suma, “recusou a aplicação do (…) artigo 106.º do CIEC (Código dos Impostos Especiais de Consumo), por considerar que a citada norma não se encontrava em consonância com a lei de autorização legislativa)”.

    2.ª) Objeto da decisão de recusa de aplicação e, portanto, objeto do presente recurso de inconstitucionalidade, será a norma jurídica expressa, primacialmente ao menos, pelas disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2, do artigo 160.º do CIEC.

    3.ª) No epílogo da exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 28 de abril, vem invocado o “uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 103.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição”, denotando que o Governo exercitou no caso vertente dois títulos de competência, o uso da autorização legislativa em causa mas, em cúmulo, também a competência legislativa para fazer decretos-leis em matéria não reservada ao Parlamento.

    4.ª) Porém, a norma jurídica impugnada não pode ser imputada, sem incorrer em erro de direito na escolha da regra de direito pertinente para dirimir o litígio dos autos de origem, como se fez na decisão recorrida, ao exercício da autorização legislativa emergente do artigo 130.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pois a mesma não é de caraterizar como norma de imposto.

    5.ª) Com efeito, é uma norma de proibição, pois estabelece um limiar, talhado precisamente à medida do historial no mercado em causa decerto e determinado operador económico, acima do qual é interditada a introdução de cigarros no consumo, no período entre 1 de Setembro e o dia 31 de Dezembro de cada ano civil, não sendo portanto um tributo, um preceito que visa a angariação de receita, mas, ao invés, o acatamento dessa proibição redundará na perda de receita tributária (ou, pelos menos, no seu diferimento).

    6.ª) Por outra parte, é um “fragmento de norma” sancionatória, mais concretamente, é um dos pressupostos do tipo objetivo da contraordenação aduaneira prevista na al. p) do n.º 2 do art. 109.º (Introdução irregular no consumo), e punível nos termos conjugados do disposto no n.º 5 do mesmo artigo e no n.º 4 do art. 26º, todos do RGIT.

    7.ª) Depois, o efeito jurídico (limite quantitativo) desta norma de proibição visa, justamente, impedir a operação da norma de imposto, pois só nos casos, patológicos, em que é infringida a norma jurídica impugnada há lugar à aplicação de sanções, a título da prática de um ilícito de mera ordenação social, de tipo aduaneiro, e à liquidação adicional, sendo certo que a punibilidade da conduta está sob o domínio do operador económico em causa, em particular na medida em que a administração aduaneira informa, oportunamente, sobre o limite quantitativo que lhe é aplicável no período de condicionamento.

    8.ª) Finalmente, não materializa o exercício do poder tributário ― no caso, de criar e definir os elementos essenciais de um imposto ― mas antes o exercício do poder de “regulação do mercado” (ainda que funcionalmente colimado à norma jurídica de imposto).

    9.ª) Em suma, a norma jurídica constante das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2, do artigo 106.º do CIEC, não é uma “norma de imposto”, na aceção e para os efeitos do artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, nomeadamente em sede do princípio da legalidade tributária, em sentido formal, e portanto não pode ser imputada ao exercício da autorização legislativa emergente do artigo 130.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

    10.ª) Em conclusão, a decisão recorrida incorreu em erro de determinação da norma jurídica aplicável ao caso, pois não são aplicáveis ao litígio dirimido nos autos de origem os artigos 103.º, n.º 1 e 2, e 198.º, n.º 1, al. b), mas antes o artigo 198.º, n.º 1, al. a), todos da Constituição, por se tratar no caso vertente do exercício da competência legislativa do Governo para fazer decretos-leis em matéria não reservada ao Parlamento, não concorrendo, assim, a inconstitucionalidade orgânica que determinou a recusa de aplicação da norma jurídica impugnada.

    A recorrida contra-alegou, concluindo, por seu lado, nos termos seguintes:

    1. O artigo 106.º do CIEC é organicamente inconstitucional porque prevê uma norma de incidência, um critério de exigibilidade e uma taxa de IEC sobre o tabaco que se distingue da regra geral de incidência de IEC e acresce à mesma (criando um novo facto e aplicando uma taxa distinta), pelo que não estando prevista essa regra de incidência e taxa especial na lei de autorização legislativa da Assembleia da República que precedeu as alterações ao CIEC que deram origem à introdução do art. 86 (atual art. 1O6º CIEC), foi violado o disposto no art. 165 º n.º 1 i) e 1O3º n.º 2 da CRP pois que o atual artigo 1O6º provém de um decreto-lei (não contendo a respetiva lei de autorização legislativa qualquer autorização para a criação de uma incidência ou de uma taxa distinta de IEC nos casos de ultrapassagem, durante um período de condicionamento, de um limite de introduções no consumo apurado por referência às introduções no consumo efetuadas no ano anterior).

    2. Se o art. 1O6 º CIEC não fixasse uma norma de incidência e uma taxa distinta daquela que é aplicável nos termos do art. 7º CIEC não teria existindo a liquidação adicional de imposto que vem impugnada, pois a ora recorrida liquidou o IEC sobre o tabaco aquando da respetiva introdução no consumo, como dispõe o art. 7º CIEC e à taxa prevista neste artigo.

    3. O atual art. 1O6 º CIEC disciplina a introdução no consumo do tabaco em termos inovadores e em aspetos que não são meramente instrumentais, mas que se mostram de importância fundamental para os operadores do setor, impondo um novo equilíbrio económico de toda a sua atividade e obrigando-os a uma gestão integralmente diferente das suas obrigações tributárias e dos seus fluxos comerciais pelo que, devendo, na delimitação da reserva de lei parlamentar em matéria fiscal prevista no art. 103º nº 2 CRP, atender-se à substância das coisas e à oneração efetiva do contribuinte, terá de se concluir pela inconstitucionalidade orgânica do art. 106º CIEC por violação do artigo 165º, nº 1, alínea i), da CRP.

    4. Por outro lado, o atual art. 106 º CIEC estabelece a aplicação de uma taxa de imposto diferente daquela que seria aplicável nos termos gerais do CIEC, ao determinar que a taxa aplicável é a que vigorar à data da apresentação da declaração de apuramento e não da taxa em vigor no momento da introdução no consumo (como seria se se...

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