Acórdão nº 130/16 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 130/2016

Processo n.º 796/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. O Ministério Público, recorrido nos presentes autos de fiscalização concreta, intentou a presente ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho contra a A., S. A., ora recorrente, pedindo que fosse reconhecido que o contrato celebrado entre a ré e a enfermeira B. é um contrato de trabalho, enquadrável no conceito definido no artigo 12.º do Código do Trabalho.

    Em diligência de audiência das partes, a ré e B. acordaram em que a relação contratual entre si estabelecida continue a ser considerada como prestação de serviços. Foi, subsequentemente, proferido despacho com o seguinte teor:

    Sendo as partes legítimas e dotadas de capacidade judiciária, mostrando-se o auto devidamente elaborado e não contrariando o resultado da conciliação norma legal imperativa, nada obsta à mesma

    (fls. 352).

    O Ministério Público recorreu deste despacho para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 9 de julho de 2015, julgou procedente o recurso, revogou a decisão recorrida e ordenou o prosseguimento dos autos (cfr. fls. 404-421).

    2. É deste acórdão que vem interposto a fls. 426 e ss. o presente recurso de constitucionalidade, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC”), para apreciação do artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho (“CPT”), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, na interpretação de que: (i) “não podendo o Juiz deixar de ter presente a finalidade da propositura da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, os factos apresentados pelo Ministério Público e que constam da petição inicial, bem como os interesses de ordem pública subjacentes a esta ação, da tentativa de conciliação aí prevista apenas pode resultar um acordo de ‘estrita legalidade’, isto é, um acordo entre trabalhador e empregador no sentido de que o vínculo contratual existente entre ambos é de trabalho subordinado” (n.º 3 do requerimento de recurso, a fls. 427); (ii) “no sentido de que o Ministério Público, enquanto parte no processo – na defesa da legalidade e dos interesses de ordem pública subjacentes a esta ação – deve ser chamado a pronunciar-se quanto às posições assumidas, nessa tentativa de conciliação, pelo trabalhador e empregador e que, perante a finalidade da ação, os indícios de laboralidade em que a mesma se suporta, bem como os interesses de ordem pública que lhe estão subjacentes, o Juiz não pode homologar uma transação estabelecida entre empregador e trabalhador no sentido do imediato reconhecimento da existência entre ambos de um vínculo contratual de prestação de serviços, tendo nesse caso os autos de prosseguir para a fase de julgamento, por forma a apurar, mediante produção de prova, a verdadeira natureza do contrato em presença” (n.º 4, do requerimento de recurso, a fls. 427-428); e, ainda, (iii) de que, em consequência, “o alegado trabalhador apenas tem legitimidade para acordar com o alegado empregador quanto à existência entre ambos de um vínculo contratual de natureza laboral, não lhe sendo permitido transigir no sentido da existência entre os mesmos de [um] contrato de prestação de serviços” (n.º 5, do requerimento de recurso, a fls. 428). Os parâmetros invocados são “os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação, previstos, respetivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da República e, bem assim, os princípios da igualdade e do direito a processo equitativo, previstos respetivamente nos artigos 13.º/1 e 20.º/4 da Constituição” (n.º 12, do requerimento de recurso, a fls. 429).

    3. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foi ordenada a produção de alegações, com advertência para a possibilidade de algumas das questões suscitadas não poderem ser conhecidas (fls. 438).

    3.1. A recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões:

    1.ª

    O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Julho de 2015, que interpretou e aplicou a norma jurídica contida no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.

    2.ª

    A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aque1a que resulta da interpretação do mesmo no sentido de da tentativa de conciliação aí prevista apenas poder resultar um acordo de “estrita legalidade”, isto é, um acordo entre trabalhador e empregador no sentido de que o vínculo contratual existente entre ambos é de trabalho subordinado (cfr. requerimento de interposição de recurso)

    3.ª

    No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Évora julgou inválida a transação efetuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

    4.ª

    Fê-lo com fundamento em que, prosseguindo a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho interesses públicos e verificando-se indícios de laboralidade, o Juiz deve, na tentativa de conciliação prevista no artigo 1 86.º-O, n.º 1 do CPT, “tentar obter do trabalhador e do empregador um acordo quanto à existência ou caracterização do vínculo contratual entre ambos estabelecido como um vínculo de natureza laboral, com as consequências daí decorrentes” sendo esta a finalidade dessa tentativa de conciliação (acórdão recorrido, pp. 21 -24).

    5.ª

    Daí resultando que o Tribunal não pode “aceitar uma transação estabelecida entre as partes no sentido do imediato reconhecimento da existência, entre as mesmas, de um vínculo contratual de mera prestação de serviços”, devendo, nesse caso, “prosseguir a ação para a fase de julgamento deforma a dilucidar-se, de modo cabal, mediante produção de prova, qual a natureza do contrato em presença” em oposição à vontade e interesse livremente manifestada pelos alegados empregador e trabalhador na referida audiência de partes (idem).

    6.ª

    A consagração no processo do trabalho da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Traba1ho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.

    7.ª

    A referida ação não visa prosseguir interesse público, de toda a coletividade, mas conferir a cada putativo traba1hador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.

    8.ª

    Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada ação de reconhecimento da existência de contrato de traba1ho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.

    9.ª

    Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da ação é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.

    10.ª

    A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objeto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.

    11.ª

    Atento aquele objeto, a decisão do processo apenas produz efeitos entre as partes da relação contratual a qualificar, dela não decorrendo consequências jurídicas para outras relações jurídicas conexas com o trabalho autónomo ou subordinado, designadamente de natureza tributária ou previdencial.

    12.ª

    Da atribuição ao Ministério Público de legitimidade para intentar a ação não resulta que esta prossiga interesse público que se deva sobrepor ao interesse privado dos titulares da relação jurídica objeto de qualificação, bem como que o Ministério Pública assuma a posição de autor da ação, com os corolários (i) do papel meramente acessório ou de assistência do putativo trabalhador e (ii) da subordinação da vontade deste à posição prevalecente do Ministério Público.

    13.ª

    Pelo contrário, o alegado trabalhador é notificado da petição inicial e da contestação, podendo tomar posição sobre o litígio, apresentando articulado próprio (artigo 186.º-L/4 do CP.

    14.ª

    A lei não restringe o âmbito daquele articulado próprio, pelo que o putativo trabalhador pode nele sustentar que a relação mantida com o alegado empregador é de prestação de serviços.

    15.ª

    Por outro lado, após a fase dos articulados, é realizada audiência de partes entre o trabalhador e empregador, com a finalidade de obter a sua conciliação (artigo 186.º-O/1 do CPT).

    16.ª

    No referido preceito legal não é feita qualquer referência a que a validade do eventual acordo, que venha a ser alcançado por aqueles, esteja dependente da aprovação do Ministério Público, assim como a referida norma não contém qualquer elemento que aponte no sentido de que a conciliação aí prevista...

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